Apresentação: Historicamente a formação do fisioterapeuta voltada às práticas curativas e reabilitadoras limitam as possibilidades da práxis fisioterapêutica em diferentes níveis de complexidade e densidade tecnológica. A educação na área da saúde no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) é essencial para o desenvolvimento da profissão e para responder às necessidades dos usuários. Nesse sentido, é essencial que os projetos pedagógicos das universidades brasileiras contemplem uma formação que garanta o desenvolvimento de habilidades e competências adequadas para trabalhar efetivamente nesse contexto.
Desenvolvimento do trabalho: Relato da experiência do estágio curricular em Fisioterapia Comunitária, nos diferentes ambientes de prática. Este ocorre devido à parceria entre a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e a prefeitura municipal de Porto Alegre-RS, culminando na proposta de ações individuais e em grupo para promover a saúde, prevenir agravos e oferecer atendimento fisioterapêutico de forma humanizada e resolutiva, além de garantir uma formação técnica de qualidade e com mecanismos de aprendizagem ativos e de forma colaborativa.
Resultados: O estágio em Fisioterapia Comunitária é cursado pelos acadêmicos da UFCSPA e realizado no Centro de Reabilitação do Centro de Saúde IAPI e Clínica da Família IAPI, de segunda a sexta-feira, no período da tarde, das 13h às 17h, anualmente. Cada grupo de estagiários permanece por um período de 12 semanas, totalizando três grupos por ano. A Fisioterapia Comunitária corresponde a 33% da carga horária total de estágio (300 horas), além de ter relação com outros projetos de extensão universitária. Os usuários atendidos são provenientes do SUS e encaminhados através do sistema de gerenciamento municipal de consultas (Gercon) ou provenientes da comunidade da região Norte, captados por cartazes de divulgação ou pelas próprias equipes de saúde. Como eixo norteador estão os princípios e diretrizes do SUS, permeando toda a prática realizada. A formação do aluno é valorizada, destacando-se a compreensão da Rede de Atenção em Saúde e trajetórias percorridas pelos usuários. Esses aspectos são constantemente explorados, proporcionando aos acadêmicos uma visão abrangente e contextualizada da assistência em saúde, alinhada aos princípios da universalidade, integralidade e equidade, além de respeitar as Políticas Públicas de Atenção à Saúde. Didaticamente, o estágio é dividido em Fisioterapia Comunitária I e II: o primeiro destaca atividades em grupo e promoção da saúde, incluindo ações na Atenção Primária em Saúde; e o segundo tem foco na manutenção e reabilitação da saúde física na atenção especializada na Rede de Atenção em Saúde, abrangendo diversas áreas de vulnerabilidade dentro do contexto do SUS. As principais áreas e atividades são para: 1) Saúde da Criança e do Adolescente São realizados atendimentos individuais e em grupo, atendendo os jovens e suas famílias. A principal demanda envolve com o Transtorno do Espectro Autista e atrasos no neurodesenvolvimento; 2) Traumato-ortopedia e Saúde do Idoso Foram atendidas diferentes complicações físico-funcionais e condições associadas ao processo do envelhecimento. Também são realizados grupo de idosos com enfoque na manutenção e ganho de força e equilíbrio, com protocolos específicos e atividades que englobam dupla tarefa; 3) Saúde da Mulher e Saúde Pélvica A maior parte dos atendimentos relacionados envolvem as disfunções pélvicas como a incontinência urinária masculina e feminina, dor pélvica e disfunções sexuais; seguida pelos atendimentos em oncologia mamária com reabilitação físico-funcional após cirurgia oncológica e tratamentos adjuvantes como radioterapia e quimioterapia. São realizadas atividades de educação em saúde em sala de espera na atenção primária. 4) Condições Crônicas de Saúde São realizados atendimentos individuais para reabilitação cardíaca, metabólica, neurológica e pós-covid. Além de grupos como osteoartrose e disfunções na coluna. 5) Visitas Domiciliares Com ações em consonâncias as equipes da Atenção Primária em Saúde foram realizadas visitas domiciliares para avaliação e atendimento fisioterapêutico. Os atendimentos às pessoas restritas ao leito e domicílio garantem a equidade e universalidade do sistema de saúde e favorecem aos estagiários conhecer o verdadeiro contexto das pessoas. Avaliação fisioterapêutica: No processo formativo durante o estágio, destaca-se as avaliações dos usuários que sempre são realizadas com testes apropriados dentro do contexto da fisioterapia baseada em evidências, levando em conta o modelo biopsicossocial, os determinantes sociais, e centrado na família. Para isso são utilizadas escalas validadas dentro das áreas específicas, além da a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e os objetivos SMART (Specific, Measurable, Attainable, Realistic e Time-bound) para a determinação da conduta a partir do diagnóstico fisioterapêutico. Desenvolvimento de habilidades dos estagiários: O desenvolvimento tanto das habilidades técnicas quanto das habilidades interpessoais são valorizados durante o processo, visando proporcionar uma formação que se aproxime da realidade dos serviços e que promova a autonomia dos futuros profissionais. No âmbito das técnicas, dentro do contexto da fisioterapia, são enfatizadas a avaliação e a prescrição de condutas baseadas em práticas cientificamente reconhecidas para o público e condição-alvo atendidos. Quanto às interpessoais, são enfatizadas habilidades de comunicação, empatia, e a prática da humanização em saúde, com respeito à individualidade do paciente, o acolhimento e a capacidade de estabelecer uma relação terapêutica de confiança. Acompanhamento dos usuários: Nos atendimentos individuais os usuários são atendidos uma vez por semana, na qual para além da condução de sessão terapêutica tradicional da fisioterapia, a educação em saúde está presente em todos os atendimentos. Além disso, a co-responsabilização entre profissionais-usuários e o protagonismo do paciente no seu processo de reabilitação, tornam-se essenciais para a evolução terapêutica. Acompanhamento dos estagiários: No período das 12 semanas, estão presentes no serviço entre 10 e 14 estagiários com a presença, em tempo integral, de um ou dois professores especialistas em Saúde Coletiva e na área de vulnerabilidade específica. O professor busca a autonomia do acadêmico, levando em conta um cenário de prática e aprendizado mais próximo à prática profissional. O acadêmico é responsável pela avaliação (pensada a partir da CIF e de instrumentos como o genograma e ecomapa), diagnóstico cinético funcional e desenvolvimento do plano terapêutico, sempre acordado e compartilhado com o usuário. Além disso, o acadêmico maneja os sistemas de evolução (como Gercon e eSUS), sempre supervisionados pelo professor. Ao final da sexta semana de estágio, cada estagiário recebe uma avaliação parcial composta de informações sobre as habilidades técnicas e interpessoais (relação com professores, pares, usuários, serviço de saúde). Além disso, no início e ao final das 12 semanas de estágio, é realizada uma avaliação da autopercepção do acadêmico em relação às suas habilidades relacionadas ao seu comportamento e interação com outras pessoas, bem como sobre seu entendimento em relação às diferentes áreas do estágio, valorizando o processo formativo.
Considerações finais Para garantir uma formação abrangente e alinhada com as demandas dos serviços de saúde, é essencial promover a autonomia dos estudantes enfatizando o desenvolvimento de habilidades técnicas e interpessoais centradas no usuário, na família e na comunidade. Isso pode ser alcançado através de vivências diversificadas e práticas de estágio em fisioterapia comunitária, considerando diferentes áreas de vulnerabilidade. Possibilitar que os estudantes tenham contato com diferentes realidades e contextos de atuação fomenta o desenvolvimento de habilidades técnicas e a compreensão mais ampla das necessidades do indivíduo como pertencente a um contexto biopsicossocial. O estágio em fisioterapia comunitária, em particular, oferece oportunidade para uma prática ampliada em saúde. Dessa forma, os futuros fisioterapeutas estarão mais preparados para atuar de forma resolutiva e humanizada tanto na Atenção Primária à Saúde e quanto na Atenção Especializada.