Narrativas sobre a história do Movimento de Luta Antimanicomial do Pará (MLA/PA).

  • Author
  • Vitória de Amorim Almeida
  • Co-authors
  • Károl Veiga Cabral , Márcio Mariath Belloc
  • Abstract
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    A partir de meados da década de 1960, processos reformistas no campo da saúde mental iniciam-se em países como a Itália, França e Inglaterra. Tendo em comum questionamentos críticos à lógica excludente e violenta evidente nos hospitais psiquiátricos, movimentos em distintos países se diferenciaram nas concepções de problemática e de possibilidades de intervenção, passando de alterações administrativas no hospital até a completa supressão da instituição asilar. No Brasil, contando com a influência dos movimentos internacionais, bem como com a de experiencias nacionais exitosas isoladas anteriores a ditadura militar, é a partir da década de 1970 que toma corpo um movimento mais robusto com inquietações e denúncias críticas às violações de direitos e brutais violências do aparato manicomial. O movimento brasileiro é conhecido como Movimento da Luta Antimanicomial. Entretanto o Brasil, enquanto um país de proporções continentais, apresenta distintos processos históricos de composição desse movimento. Somos um país marcado pela diversidade e pela polifonia discursiva, por diferentes formas de viver e habitar os territórios sendo esta pluralidade que nos torna interessantes.

    Porém, apesar de distintos processos históricos a partir das diferentes regiões e estados brasileiros, a história narrada, ao se abordar o Movimento de Luta Antimanicomial e o campo da saúde mental no Brasil, torna-se muito restrita ao eixo sul-sudeste. Dessa forma, apesar de ser um recorte regional específico, tal trajetória é alçada a nível de história nacional, em um processo de universalização, que acarreta na invisibilidade das demais regiões, em especial para este trabalho a região Norte, produzindo um apagamento das narrativas plurais e o risco da história única tão comum à própria lógica manicomial. A compreensão dessa invisibilidade fundamenta-se em Walter Benjamin, ao compreender a noção de história universal, ou seja, a história oficialmente narrada, que se constrói a partir de “monumentos de barbárie”, a compreender, as demais histórias plurais que são suprimidas nesse movimento totalizante.

    Para a presente pesquisa, é primordial compreender como narrar a história da saúde mental no Brasil de forma restrita ao eixo sul-sudeste acarreta no apagamento da trajetória do Movimento de Luta Antimanicomial no Norte assim como em outros estados e regiões. Sendo assim, a pesquisa em questão justifica-se pela lacuna de produções acadêmicas a respeito do processo histórico do Movimento de Luta Antimanicomial na região norte do país, produzindo rasgos e falhas inclusive na formação de novos profissionais nortistas no campo da saúde mental. Destaca-se como na formação acadêmica da própria pesquisadora onde poucas foram as referências acerca da história local e regional. Na região norte, que é maior região em extensão do Brasil, marcada por suas singularidades, por sua geografia banhada de rios, sua pluralidade de etnias e povos originários, suas encantarias e suas culturas, terá como recorte deste trabalho Belém, a capital do Pará.

    Portanto, objetiva-se conhecer e analisar a trajetória do movimento da Luta Antimanicomial em Belém do Pará (MLA/PA). Os objetivos específicos consistem em contextualizar historicamente o Movimento da Luta Antimanicomial na capital paraense, em relação ao cenário nacional; compreender, a partir das narrativas, como se deu o desenvolvimento de uma rede substitutiva ao manicômio na cidade de Belém; conhecer e analisar os desafios contemporâneos do Movimento em Belém.

    Para isso, parte-se da pesquisa do tipo qualitativa, ao compreender que essa possibilita a investigação de aspectos subjetivos, rompendo com a busca por uma única verdade, por meio de resultados interpretativos e abertos, que compõem “uma” versão de um fenômeno múltiplo. Aqui, torna-se possível investigar trajetórias de vida, significados, sentidos, pensamentos e opiniões. Nesse sentido, aqui será utilizada a etnografia enquanto modelo metodológico, visto que esta permite a investigação subjetiva da experiência vivida e subjetividade de compreensão do fenômeno em questão. Através deste método mergulhamos no campo de investigação na perspectiva de observar e apreender, para depois apresentar. A etnografia  é uma forma de romper com o falar sobre o outro, possibilitando falar com o outro, em uma construção de diálogo que se construa de modo mais horizontal.

    Dessa maneira, a proposta é de realizar entrevistas com atores importantes do movimento, atualmente atuantes ou não, que aqui são nomeados enquanto colaboradores, também em sentido de romper com uma lógica científica hierárquica, entendendo como uma elaboração coletiva, como o próprio movimento social. As entrevistas serão realizadas por meio de um roteiro de entrevistas semiestruturadas, com perguntas pré-estabelecidas, a serem respondidas por todos os colaboradores, porém com a possibilidade de novos questionamentos particulares a partir das informações específicas colocadas por cada colaborador em seu momento de entrevista. Tal escolha se deu visando maior flexibilidade, dinamicidade e naturalidade ao diálogo, além de permitir o registro de informações que poderiam não ser contempladas pelas perguntas iniciais.

    Para a seleção dos colaboradores, parte-se do método bola de neve, na qual cada colaborador entrevistado indicará um próximo colaborador possível, pensando salvaguardar a própria autonomia e conhecimento do movimento acerca de sua história e memória. Inicialmente, serão selecionados os dois primeiros colaboradores, que obedecerão aos critérios de inclusão: ser maior de idade e ter sido participante no início do movimento. Os demais colaboradores, visando o método bola de neve e a preservação da autonomia do movimento, obedecerão aos critérios de inclusão: ser maior de idade e ter sido previamente indicado por um colaborador anterior.

    Ademais, ainda condizente com o método etnográfico, será realizada a observação participante seguindo a tradição da revolução malinowiskiana estudando o discurso no contexto no qual ele emerge, ou seja, na inserção no campo, na participação ativa, estabelecimento de vínculo e desenvolvimento de relações entre pesquisadora e colaboradores, garantindo as condições básicas de interconhecimento, análise reflexiva e a autoanálise. Neste sentido faz-se necessário uma análise de implicação, destacando a já inserção da pesquisadora no campo, o já aceite informal do movimento para a realização da presente pesquisa, bem como a posição da pesquisadora também como militante antimanicomial, a fim de explicitar de onde parte o saber em questão e a construção epistemológica da investigação. Ademais, será utilizado o diário de campo como forma de registrar os significados, sentidos e impressões vividos pela pesquisadora em campo, no curso da construção coletiva desta pesquisa.

    Com essa investigação, pretende-se salvaguardar a memória e história do campo da saúde mental da cidade de Belém do Pará, bem como do próprio Movimento de Luta Antimanicomial do Pará (MLA/PA). Aqui, mais uma vez é possível articular com os ensinamentos de Walter Benjamin, a narrativa como forma de romper com a história unilateral narrada pelos vencedores, ou seja, a história tida como oficial e tomada de forma universal. Então, nesse trabalho, pretende-se que a partir da narrativa articulada por meio das entrevistas, da imersão no campo da luta antimanicomial junto ao MLA, das anotações do diário de campo, da articulação com a teoria e a observação participante possibilite o registro da experiência do Movimento da Luta Antimanicomial do Pará, na perspectiva de recuperação das narrativas que compõem o mosaico plural do movimento no norte do país, colaborando com a história da saúde mental no brasil.

     

  • Keywords
  • Movimento social, luta antimanicomial, região Norte
  • Subject Area
  • EIXO 4 – Controle Social e Participação Popular
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