Apresentação: O cuidado em saúde prestado às gestantes durante o ciclo gravídico-puerperal inclui uma série de ações dentro de uma ampla abordagem que abrange desde tecnologias leves aos mais complexos procedimentos. Durante o parto, por exemplo, várias intervenções são implementadas tanto para garantir a higidez da gestante e do feto, quanto para prevenir e/ou tratar condições específicas. No parto podem ocorrer lacerações perineais que são classificadas como leves ou graves a depender da sua profundidade e acometimento de estruturas do períneo. As lacerações leves denominadas de primeiro e segundo graus são as mais comuns e nem sempre necessitam de reparo cirúrgico (sutura). A decisão pelo tipo de conduta a ser adotada deve considerar aspectos clínicos e, sobretudo, incluir o direito de escolha das gestantes e a tomada de decisão compartilhada entre elas e as/os profissionais que as assistem. A presente pesquisa foi realizada no período de 2021 a 2023 e teve como foco o cuidado perineal durante o parto e no período pós-parto no contexto de uma casa de parto situada na cidade de São Paulo. Os objetivos principais foram: caracterizar as lacerações de períneo; descrever o processo de cicatrização das lacerações de primeiro e segundo graus não suturadas e avaliar a dor e a satisfação das mulheres que apresentaram essas lacerações. Durante a fase de planejamento metodológico do estudo, uma das prioridades a ser considerada era/foi a estratégia para a captação das mulheres para a pesquisa. As pesquisadoras tinham como principal pressuposto ético a necessidade do compartilhamento dos conhecimentos sobre o assunto com as mulheres para que elas pudessem fazer a escolha informada quanto a sua participação na pesquisa. Dessa forma, considerou-se vital que as estratégias utilizadas para apresentar a pesquisa utilizassem linguagem acessível e cientificamente embasada de forma a garantir sua autonomia sobre o tipo de cuidado que gostariam de receber no parto quando, tendo ocorrido uma laceração leve passível de não sutura as mulheres decidiriam se entrariam no grupo pesquisado. Nesse sentido, apresenta-se um recorte da pesquisa mencionada com o objetivo de descrever as principais estratégias utilizadas para garantir às mulheres o exercício do direito da escolha informada em relação à decisão entre suturar ou não lacerações perineais decorrentes do parto normal. Desenvolvimento do trabalho: Ao todo, 50 mulheres participaram da pesquisa. As estratégias utilizadas para a captação das participantes subdividiu-se nas seguintes etapas: 1) Participação das pesquisadoras nos grupos de gestantes na Casa de Parto: Nesta fase, realizou-se uma breve apresentação da pesquisa e o convite para as mulheres participarem de uma reunião online, na qual o projeto seria detalhado. Aquelas que se interessavam colocavam nome e contato em uma lista e recebiam um folheto com informações gerais sobre o projeto de pesquisa. Posteriormente, as mulheres interessadas eram contatadas para agendamento da reunião online. 2) Apresentação detalhada da pesquisa: A apresentação foi conduzida por meio de slides, abrangendo informações sobre os seguintes tópicos: objetivos da pesquisa; anatomia da genitália e do períneo; classificação e características das lacerações perineais; evidências científicas relacionadas à não sutura; critérios para a não sutura e detalhamento dos procedimentos durante o parto e acompanhamento pós-parto. Após a reunião, novo contato era realizado para confirmar o interesse em participar e conseguinte entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todas eram incluídas no grupo de WhatsApp criado para as trocas de informações e tratativas sobre o acompanhamento no pós-parto. 3) Acompanhamento pós-parto: O acompanhamento puerperal foi feito através de consultas domiciliares ou no ambulatório da Casa de Parto. Nestas consultas, além da avaliação perineal, as pesquisadoras ofereciam orientações sobre os cuidados perineais. Resultados Durante as reuniões virtuais para apresentação da pesquisa, as mulheres demonstraram desconhecimento sobre o conteúdo apresentado e, para além das questões sobre os procedimentos da pesquisa, muitas outras dúvidas eram manifestadas e a maioria delas tratava de fundamentos básicos sobre o conhecimento das estruturas do próprio corpo, das alterações fisiológicas previstas para o período gestacional, durante o parto e no processo de recuperação no pós-parto. Independente do nível socioeconômico e cultural das participantes, as pesquisadoras perceberam a necessidade de informações para a tomada de decisão, não só quanto à participação da pesquisa, como das diversas intervenções que poderiam estar envolvidas no parto e pós-parto. Outro aspecto muito importante foi a adesão das mulheres à pesquisa. Totalizou-se 150 participantes das conversas virtuais, dessas 100 não participaram por questões diversas, como: não terem dado à luz na casa de parto; terem lacerações cuja sutura foi necessária ou por não terem laceração no parto. O grupo de WhatsApp se configurou como um importante instrumento/ferramenta para a troca de informações entre as gestantes. Por ali muitas trocas ocorreram e percebia-se a formação de uma grande rede de pessoas que potencializava o processo de aprendizagens. O grupo foi tão significativo que, mesmo aquelas que não entraram na pesquisa permaneceram e dali outros grupos se originaram conforme os interesses específicos que surgiam naquela rede. Atualmente, o grupo de WhatsApp conta com 80 participantes que trocam mensagens, compartilham questões relativas aos diversos papéis sociais assumidos, os desafios e conquistas. Um novo grupo originou desse primeiro e seguem com encontros virtuais bimensais com o apoio de uma psicóloga. As gestantes que deram à luz em outros serviços de saúde contavam no grupo que ao serem atendidas pelos profissionais durante o parto e no pós-parto questionavam os procedimentos que lhes eram oferecidos e muitas vezes se recusaram a receber cuidados que julgavam desnecessários. Uma das mulheres relatou que havia pedido para olhar a laceração e decidiu que não desejaria ser submetida à sutura. Durante as visitas no pós-parto também foram acolhidas várias demandas emocionais e físicas das mulheres, o que provavelmente estruturou vínculos de cuidado para além do que a equipe de pesquisa almejava. Considerações finais Sabe-se que o modelo biomédico de saúde no Brasil prioriza a abordagem da doença e o tratamento médico, muitas vezes relegando aspectos psicossociais e culturais que também influenciam a saúde. No contexto da saúde materna, esse modelo tem implicações significativas, especialmente no que diz respeito à perda de autonomia das mulheres em relação aos seus desejos e vontades durante todo o período gravídico-puerperal. O trabalho em saúde deve considerar que a interação com as pessoas envolvidas no processo de cuidado, seja com os participantes de um projeto de pesquisa, seja com usuários de um serviço de saúde, a relação que se estabelece deve privilegiar o empoderamento das pessoas envolvidas para que tenham o conhecimento necessário para a livre escolha e tomada de decisões sobre a sua saúde, quais cuidados podem/devem receber, por quais motivos e quais os eventuais riscos e benefícios a que estarão submetidos. Esses devem ser os pressupostos/compromissos que pesquisadores e profissionais da saúde precisam adotar no cotidiano do seu trabalho/no seu cotidiano de trabalho. Por fim, é crucial destacar a importância do estabelecimento de vínculos sólidos entre todos os envolvidos na pesquisa. Essa conexão gerou uma rede de apoio que tem sido fundamental para atender às diversas necessidades durante o período do puerpério. Essa rede não só acolhe, mas também promove um ambiente de confiança e suporte, contribuindo significativamente para o bem-estar das mulheres.