Apresentação: A desigualdade de gênero vem ocasionando, ao longo das últimas décadas, um desequilíbrio de poder, e a perpetuação de relações de controle e subjugação, entre homens e mulheres. Com isso, a violência doméstica tornou-se uma realidade alarmante que assola milhares de lares em todo o país, tratando-se de um problema complexo e multifacetado, que transcende barreiras sociais, econômicas e culturais podendo se manifestar de diversas maneiras, incluindo agressão física, abuso psicológico, coerção sexual, controle financeiro e outras formas de violência que têm como alvo as mulheres em seus próprios lares. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a violência contra a mulher é definida como qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres. Diante disso, a violência doméstica é considerada um problema de saúde pública, em decorrência dos altos índices de morbimortalidade feminina. No Brasil, o cuidado à saúde da mulher através de políticas públicas, teve início apenas no século XX, no entanto, seu enfoque era baseado apenas na atenção á gravidez e ao parto. Foi em 1984, com a elaboração do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que houve a inserção de novas prioridades em relação à saúde da mulher em decorrência das desigualdades sociais, culturais e econômicas. Somado a isso, o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) foi criado com o intuito de acolher as mulheres vítimas de violência, oferecendo acompanhamento psicológico, social e jurídico. No entanto, inúmeros fatores levam as vítimas a não procurarem por ajuda, entre eles está a desinformação sobre seus direitos e existência de instituições de apoio. Com base nesses dados, a atenção básica por ser organizada de forma descentralizada, ocorrendo no local mais perto da realidade da população, possui uma posição importante no diagnóstico dos casos de violência doméstica contra a mulher. Tornando-se necessário usar esse espaço para criar grupos educativos onde as mulheres possam ser acolhidas e ter suas experiências compartilhadas. Portanto, o objetivo deste trabalho é relatar as experiências vivenciadas por mulheres vítimas de violência, através de um grupo de mulheres em uma unidade de saúde, bem como destacar a importância da equipe multiprofissional no acolhimento a essa população. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um estudo descritivo de natureza qualitativa na modalidade de relato de experiência, a partir da vivência com o grupo de mulheres realizado em uma Estratégia de Saúde da Família (ESF) de um município da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. A atividade foi desenvolvida pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) da ESF, com auxílio dos profissionais da equipe e residentes em saúde coletiva da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) composto por uma fisioterapeuta e uma enfermeira, em alusão ao agosto lilás de conscientização pelo fim da violência contra a mulher no ano de 2023. O grupo teve como objetivo propiciar um espaço para trazer informações sobre os serviços ofertados no munícipio de apoio às mulheres vítimas de violência doméstica, além de compartilhar experiências entre as usuárias da unidade a fim de criar uma rede de apoio entre elas e fortalecer os vínculos entre as usuárias e o sistema de saúde. Inicialmente, para a realização da atividade, foi realizada uma reunião de equipe para organização do encontro, após foram confeccionados convites que foram distribuídos para as usuárias através dos ACS e da equipe no momento da triagem/acolhimento. Durante o mês de agosto também foram realizadas salas de espera sobre a temática e também o convite para participação, onde eram distribuídos panfletos informativos contendo o ciclo da violência doméstica e o número da Central de Atendimento à Mulher para realização de denúncias. O encontro foi realizado na ESF em formato de roda de conversa, durante o turno da manhã e tarde. No turno da manhã houve a presença da psicóloga da unidade e representantes do CRAM compostas por psicóloga e assistente social, as quais abordaram em suas falas o que era a violência doméstica e todas as suas formas (física, psicológica, patrimonial, moral e sexual), os motivos que levam as mulheres a não procurarem por ajuda, a importância das redes de apoio, e orientações legais sobre os direitos das mulheres, além disso, as mulheres presentes também compartilharam suas vivências. Já no período da tarde, foi abordado pelas enfermeiras da unidade o ciclo da violência, além da participação de um convidado externo o qual ensinou práticas simples de defesa pessoal através do jiu-jitsu e por fim, realizou-se a “Dinâmica do espelho” com as mulheres para encerrar o encontro, com o objetivo de estimular a reflexão e o autoconhecimento, ajudando as participantes a compreenderem melhor a si mesmas. Resultados: O grupo contou com a participação de cerca de 32 participantes, formado por mulheres de diferentes idades, origens e histórias de vida, onde tiveram a oportunidade de utilizar a ESF como espaço seguro e acolhedor para discutir essa temática delicada e muitas vezes silenciada. Durante as rodas de conversas, as mulheres puderam compartilhar entre si suas vivências, dores e lutas. Algumas relataram histórias de abuso físico, outras de violência psicológica e patrimonial, todas marcadas pelo sentimento de impotência e isolamento. Assim como, durante as conversas, elas puderam perceber que não estavam sozinhas e que no município há serviços ofertados para mulheres vítimas de violência doméstica. Ao final das atividades, houveram mulheres que procuraram por ajuda e orientação através de uma consulta com as enfermeiras da unidade, onde foram acolhidas, ouvidas e orientadas quanto aos caminhos que deveriam seguir para quebrar o ciclo da violência doméstica, além disso, foram agendadas consultas com a psicóloga da unidade com o intuito de fornecer as usuárias um atendimento multiprofissional, integral e contínuo. Considerações finais: Portanto, observou-se as potencialidades do espaço da ESF para abordar os assuntos que envolvem violência e abuso, pois muitas mulheres, apesar de serem as maiores usuárias dos sistemas de saúde, não enxergam a ESF como local para solicitar ajuda. Logo, torna-se essencial o reconhecimento dos serviços de saúde como espaços de acolhimento e ponto de apoio. Assim como, o engajamento da equipe no atendimento à mulher se torna capaz de sensibilizar os profissionais a atender de uma forma mais qualificada. E assim, um encontro de mulheres dentro da unidade de saúde se torna um poderoso símbolo de resiliência, solidariedade e esperança em meio às dificuldades enfrentadas por elas diariamente.