Ampliando fronteiras: o papel do apoio matricial na articulação entre CAPS e atenção básica em Belém do Pará

  • Author
  • Cinthia de Castro Santos
  • Co-authors
  • Josie Pereira da Mota
  • Abstract
  •  

    O relato de experiência versa sobre a pesquisa de uma psicóloga residente no ano de 2014 no qual analisou-se o papel de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no município de Belém-PA em sua relação com a atenção básica, através do Apoio Matricial. Inicialmente foi necessário se apropriar teoricamente sobre a história da Reforma Psiquiátrica e a construção da Política de Saúde Mental e, a então Política Nacional de Atenção Básica vigente, em busca do que concerne à transversalização dos dois temas. A atenção básica foi incluída no campo das ações em saúde mental no ano de 2006, bem como o Apoio Matricial como a via de acesso da saúde mental nos serviços da atenção básica, através das Equipes de Apoio Matricial às Equipes de referência.

                O Apoio Matricial é uma metodologia de trabalho criada por Gastão Wagner de Souza Campos através do Método Paidéia que visa um novo sistema de referência entre profissionais e usuários que promova e estimule maiores coeficientes de vínculo entre estes. Assim, o Apoio Matricial ou Matriciamento é definido como um novo jeito de produzir saúde onde duas ou mais equipes criam propostas de intervenção pedagógico-terapêutica, estabelecendo uma cogestão no compartilhamento do cuidado. A partir da inclusão da atenção básica como ponto de gestão dos casos de saúde mental dentro da Rede de Atenção Psicossocial (Portaria nº 3.088/11 - RAPS) juntamente com o CAPS, analisamos a articulação entre estes dois pontos da rede.

     

                O CAPS escolhido para esta pesquisa era do tipo III e participaram desta pesquisa as coordenações estadual e municipal de Saúde Mental, a coordenação do CAPS à época, e a equipe técnica deste. Investigar a situação do Apoio Matricial na saúde mental no estado do Pará e município de Belém, verificar quais as práticas e ações que estavam relacionadas ao Apoio Matricial que foram indicadas pelos sujeitos da pesquisa e identificar os desafios e as resoluções que estes profissionais apontaram para o diálogo com a atenção básica e, portanto, o Apoio Matricial em saúde mental norteou a consecução desta pesquisa.

     

                Quando se decide pesquisar algo é pela razão de que este algo movimenta uma inquietação que merece ser olhada mais longe. Algo do cotidiano próprio, algo do cotidiano alheio, algo do cotidiano comum que passa pelos olhos e deixa várias interrogações pelas quais vale arriscar as certezas do saber e, porque não dizer, as do não saber.  E não adianta tentar burlar: o desejo pelo conhecimento do que se supõe saber é sempre mais desafiador e mais inquietante. Foi o que nos levou a realizar esta pesquisa. Ao decidirmos estudar as razões pelas quais tantas pessoas chegam aos serviços de saúde mental de média e alta complexidade já tão adoecidas e aquelas que estão no nível básico tão desamparadas, sabíamos que as hipóteses previamente pensadas poderiam se confirmar tendo em vista o cenário em que se encontrava a Saúde Mental no município de Belém naquele ano. Mas não foi fácil. Partimos do “micro” porque afinal, não é possível e nem há tempo suficiente para que se deixe que a “síndrome do polvo” oriente a pesquisa, tendo em vista que saber sobre o “macro” nos instiga a cada vez buscar mais.

     

                Pois bem, toda esta introdução foi necessária para dizer que: fazer uma pesquisa sobre saúde mental onde se pinça um ponto dentro de uma rede que se supõe “não funcionar” para fazer análise do que pode ser um problema é um desafio e tanto, pois corremos o risco de querer generalizar o problema. O objetivo desta pesquisa era aparentemente uma questão muito simples: analisar a relação do CAPS com a atenção básica através do Apoio Matricial. O que havia de simples era, como já dito, a suposição da resposta dados os fatos do cotidiano vivenciados principalmente enquanto residente em alguns serviços de saúde mental: a relação entre estes dois pontos da rede era extremamente frágil.

     

                Utilizar a via da metodologia do Apoio Matricial foi como colocar “uma pimenta” a mais nesta discussão. Para começar, nos interessamos em saber o que os entrevistados conheciam sobre o Apoio Matricial. A gestão estadual, municipal e a coordenação do CAPS demonstraram estar inteiradas sobre o tema, o que nos levava a crer que poderíamos encontrar ações voltadas para este tipo de trabalho. Já os trabalhadores do CAPS em sua grande maioria desconheciam sobre o Apoio Matricial, a não ser pelo que ouviam falar as pessoas que diziam realizar este trabalho dentro do próprio serviço. Observamos nas entrevistas e no acompanhamento do dia-a-dia do serviço que não havia cursos de capacitação ou sequer reuniões sobre o tema para que se pudesse discutir sobre esta metodologia incluindo quando utilizá-la.

     

                Para realizar o matriciamento não basta ser um serviço especializado, aliás, o matriciamento nem se propõe a exaltar especialidades, mas sim utilizar o que cada profissional da equipe tem para contribuir na cogestão do cuidado. Pelos relatos, o que verificamos é que existia uma subutilização da metodologia do matriciamento no CAPS. Embora a maioria dos técnicos reconhecessem que atuar junto à atenção básica era importante, principalmente pela questão da promoção e da prevenção em saúde mental, a ação em si visava o seu próprio serviço; de uma forma geral:  para que os seus usuários de alta continuem seus tratamentos, sem precisar voltar para o CAPS em caso de nova crise, para que as UBS soubessem o que é o CAPS e o que ele faz, e como trabalha.

     

                O Apoio Matricial deve visar a comunidade e, é um novo modo de produzir saúde de maneira compartilhada entre duas equipes para que se crie a possibilidade da clínica ampliada. E, apesar de que cabe às equipes matriciadoras a educação em saúde como estratégia principalmente nas questões relacionadas aos estigmas à portadores de transtornos mentais, é a equipe de referência quem solicita o matriciamento, tanto para condução de casos em saúde mental quanto para apoio referente às necessidades do próprio serviço. Reconhecemos que ainda que não fizessem o matriciamento extraíndo todas as suas possibilidades, o CAPS realizava ações na atenção básica do seu território que não os deixavam de todo desamparados, o que justificava o relato de alguns entrevistados sobre experiências exitosas de aproximação entre estes serviços, como por exemplo as visitas institucionais, as orientações para a adesão ao tratamento aos usuários que recebiam alta do serviço e as oficinas de educação em saúde.

     

                Os resultados desta pesquisa evidenciaram algumas questões que justificaram a falha na rede de amparo à saúde mental em Belém do Pará. Dimensionaram a necessidade da ampliação da discussão sobre as relações entre os serviços da RAPS e indicaram razões pelas quais é importante se utilizar o Apoio Matricial como uma via de estabelecimento de comunicação e diminuição da distância entre eles para fins também de promoção à saúde mental. Fortalecer as ações de educação permanente e o diálogo sistemático entre as equipes também pode ajudar na ampliação do uso do matriciamento.

     

  • Keywords
  • Matriciamento, Residência multiprofissional, Atenção Básica, CAPS, Saúde mental
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
Back