APRESENTAÇÃO
O Apoio Institucional (AI) é uma função estratégica que tem na co-gestão uma importante ferramenta para democratização da gestão no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir da Função Paideia essa perspectiva vem se estruturando enquanto uma postura crítica diante das tendências tradicionais de gestão, as quais centram-se frequentemente em formas estabelecidas, para produções burocráticas de protocolos e programas, não havendo um olhar sobre as diversas implicações e contingências sociais e subjetivas que se desdobram pelos/pelas profissionais e os/as usuários/as .
Há de se considerar que o processo de trabalho em saúde se constitui por interações intersubjetivas, mediadas entre as estruturas instituídas (organizações/estabelecimentos/normas) e os instituintes sociais (equipes, usuários e seus territórios). Nesse encontro, pode ocorrer uma experiência coletiva, que dá notícias de modos distintos de ser e de saber. Desse modo, preza-se por um modelo de atuação que, para além de uma lógica normativa, contribua para construção de uma clínica que se aproprie dos interesses e dos distintos papéis estabelecidos pelos sujeitos que lhe constituem.
Na Atenção Primária à Saúde (APS), a inserção do AI se deu, sobretudo, para fortalecer a incorporação da Política Nacional de Atenção Básica nos processos de regionalização e descentralização da Saúde. Parte-se, portanto, de uma perspectiva pela qual a intervenção do AI promove mudanças nas práticas clínico-institucionais, contemplando o envolvimento de coletivos, voltados tanto à produção de bens e serviços, como ao processo de Educação Permanente e Popular em Saúde, através de uma relação transversal, pautada nas necessidades da população.
Dito isto, o presente trabalho objetiva compartilhar os atravessamentos decorrentes da mudança da ênfase da Gestão para a APS e as reverberações sentidas por uma estagiária da Coordenação do AI na Paraíba que também era extensionista do projeto de extensão da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) “Devires da Clínica: Transversalidade, Clínica Ampliada e o Apoio às práticas de cuidado nas Redes de Atenção à Saúde”.
DESENVOLVIMENTO
O presente trabalho caracteriza-se enquanto um relato de experiência, resultante de uma confluência das vivências de um corpo-aprendiz que ocupou dois espaços instituídos, um corpo-estagiário-aprendiz na coordenação do AI e um corpo-extensionista-aprendiz no projeto Devires da Clínica. De ambas as vivências, emergiu um entrelaçamento de possibilidades que operaram - no campo prático da ação - atividades transversais de Apoio Institucional, Matricial e Articulador de Rede. Fundamentaram esta escrita, os diários de campo produzidos e as supervisões clínico-institucionais que aconteciam coletivamente com os demais integrantes da extensão.
RESULTADOS
O AI chegou na Paraíba em 2014 através de um curso de qualificação dos/das gestores/as. Sua atuação, embora pautada nas necessidades emergentes dos municípios, manteve-se próximo à Gestão, até que, em meados de junho de 2023, por uma demanda da Secretaria Estadual de Saúde (SES), passou a apoiar APS, especialmente nas políticas voltadas à primeira infância. Com isso, a coordenação do Apoio reorientou seus processos educativos para esse nível de atenção, utilizando-se de diversos recursos para a aproximação dos/as apoiadores/as às equipes das Unidades de Saúde da Família (USF) e demais trabalhadores/as da APS.
Enquanto corpo-estagiário-aprendiz foi possível construir reuniões, momentos formativos, facilitações, mediações, rodas de conversas, produções textuais e gráficas, revisão de formulários e conversas com os apoiadores, dentro e fora do espaço instituído. A partir dessas relações pudemos internalizar os conceitos próprios do campo e a finalidade do AI no SUS. Algo que a princípio pareceu abstrato e de difícil compreensão passou a se materializar quando significado às forças dos processos relacionais.
A apropriação desse saber deu-se mediante impasses surgidos do confronto da teoria apática que a formação em Psicologia por vezes promove, com a rede viva das relações e dos processos de trabalho. Especificamente, o estágio no AI requer, qualitativamente e quantitativamente, mais atividades e saberes do campo em detrimento dos saberes do núcleo. Assim, por esse estágio ser precedido por uma atuação desse corpo-aprendiz em uma USF, a mudança dos cenários provocou uma desterritorialização.
Um analisador que se manifesta é a abrupta passagem sentida no corpo-aprendiz, especialmente pelo AI estar trabalhando nessa aproximação da APS. Assim, caminhando no sentido contrário, saindo da APS para a Gestão, encontro-os saindo da Gestão para a APS. No ponto culminante, acontece o encontro e a relação entre essas forças, resultando na ressignificação desses caminhos percorridos, diluindo os pontos de chegada e de partida, e intensificando a vivência do caminho, do/no processo.
Assim, o corpo-extensionista-aprendiz, vinculado a diferentes cenários - uma USF e o Centro de Cidadania LGBT e de Igualdade Racial - passou a visualizar os acontecimentos através da indissociabilidade entre gestão e atenção. O saber que atravessa o corpo, o acompanha nos lugares que este ocupa no mundo. Desta forma, ao impregnar o modo AI nas minhas atuações em diversos cenários, ele se espalhou através da micropolítica das relações entre extensionistas e serviços, de modo a internalizar a indissociabilidade entre gestão e atenção focalizando a primeira infância, direcionamento este que a princípio era da coordenação do Apoio.
Logo, pode-se inferir, a partir do exposto, uma internalização pelos/as extensionistas do Devires da Clínica da função Apoio enquanto uma diretriz e dispositivo que amplia o raciocínio reflexivo, o entendimento e a análise de coletivos, podendo qualificar as intervenções e a capacidade de produzir mais e melhor saúde com os outros.
Em decorrência disto, estabeleceu-se diálogos entre as agendas de puericultura na USF e na coordenação do AI; a análise institucional do instituído no Centro de Cidadania LGBT e de Igualdade Racial, promovendo formas instituintes de intervenção; e a valorização dos saberes populares em detrimentos de demandas enrijecidas solicitadas por alguns trabalhadores da APS.
As ações mencionadas são exemplos palpáveis da reverberação dessa movimentação para a APS, contudo, para além destas, elenca-se enquanto ganho principal a incorporação, pelos/as extensionistas, do manejo clínico-institucional usuário-centrado. Portanto, desde as ações da coordenação do AI, passando pelas atividades realizadas na USF e indo até as escutas e propostas de acolhimento grupal feitas no Centro de Cidadania, o que se encontra são extensionistas, mais especificamente estudantes de Psicologia, que através da possibilidade de inserção nas estratégias do Apoio, potencializaram ações de cuidado em saúde, visando sua integralidade, universalidade e equidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este relato apresenta os efeitos da aproximação com os campos teórico e prático do AI no âmbito do SUS pelo ponto de vista de um corpo-aprendiz em dois espaços instituídos. Buscou-se transmitir os atravessamentos provocados por meio das experiências causadas pelo estágio na Coordenação do Apoio Institucional na Paraíba, particularmente após a mudança de orientação de ações da Gestão para a APS, e pelo projeto de extensão Devires da Clínica, através das supervisões clínico-institucionais e trocas entre aqueles que compõem o coletivo em torno do projeto.
As experiências vivenciadas nestes espaços apontaram para a transversalidade, incorporando atenção e gestão às ações e reflexões deste corpo-aprendiz, bem como também, dos demais participantes do projeto Devires da Clínica. Sob esse prisma, teceram-se intervenções transversais que refletiam a indissociabilidade de gestão e atenção e valorizam os saberes e práticas populares, contribuindo para a melhoria na qualidade da assistência em saúde e para a consolidação dos princípios do SUS.