Mal-estar social e a busca do bem viver em Belém do Pará

  • Author
  • Károl Veiga Cabral
  • Co-authors
  • Márcio Mariath Belloc , Ana Carolina Rios Simoni , Patrícia Miranda Mendes , Flávia Cristina Silveira Lemos , Martín Correa Urquiza , Ángel Martínez Hernéz
  • Abstract
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    Apresetnação: O presente trabalho é fruto da pesquisa intitulada “O mal-estar do laço social e a busca pelo bem viver”, cujo objetivo é criar espaço para o discurso das pessoas sobre o processo de sofrimento e conhecer as reais condições de enfrentamento do malestar cotidiano das populações acompanhadas, pensando em grupo estratégias de enfrentamento na busca de um bem viver. A pesquisa tem parecer CEP/ICS/UFPA de nº 6.186.452, tendo início em agosto de 2023. A metodologia etnográfica adotada permite uma intervenção horizontal, construida coletivamente e que coloca em circulação as narrativas dos prórpios informantes, sendo coerente com os principios e diretrizes do sistema único de saúde. A investigação acontece em parte na universidade, com os discentes dos cursos da UFPA, mas também com um grupo no espaço da cidade junto a uma equipe da Estratégia de Saúde da Família de Belém, neste momento com grupos direcionados a adultos e idosos. A intervenção se dá pela realização de quatro rodas de conversa nas quais são debatidas as questões relativas a sofrimento, estratégias e rede de apoio junto aos participantes. Para facilitar as narrativas nos valemos de dinâmicas que ajudam no processo de quebrar o gelo e falar. A aposta é criar espaços de reflexão, de compartilhamento do sofrimento dito comum, mas também das estratégias utilizadas pelos participantes para o enfrentamento do mal-estar. Um espaço para o encontro, de saberes, de apoio e suporte mútuos e de compartilhamento de experiências que possam servir de ancoragem aos participantes durante a execução do projeto.

    Como a pesquisa é realizada em parceria com os alunos selecionados no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e com os profissionais da equipe multiprofissional da Unidade Básica, utilizamos a educação permanente (EP) como ferramenta para compartilhar material sobre o tema e promover um nivelamento conceitual sobre saúde mental coletiva, atenção psicossocial, trabalho em grupo e pesquisa etnográfica. Junto à preparação da equipe de pesquisadores, iniciamos um mapeamento dos serviços e projetos existentes tanto na universidade quanto no território no qual a Unidade de Saúde atua, que possam servir como pontos de ancoragem as pessoas em sofrimento, operando como pontos de apoio.

    Desenvolvimento: Cabe destacar que em 2023 conseguimos iniciar apenas na universidade a implementação das rodas de conversa, pois os serviços de saúde da capital estavam passando por importantes alterações em função de novas contratações e alterações na política nacional de atenção básica. Assim, aproveitamos para estreitar o vínculo dos pesquisadores com o campo na unidade e realizar encontros de EP junto com os profissionais. Já no ano de 2024, a greve atrasou a retomada das rodas de conversa na universidade, mas seguimos com o trabalho de campo na unidade de saúde. Apesar da greve os encontros de orientação seguiram ocorrendo e seguimos desenvolvendo a escrita e análise do material oriundo da narrativa dos informantes, bem como traçando paralelos com outras pesquisas e artigos publicados.

    A pesquisa de campo é sempre cheia de possibilidades e desafios. Como esta pesquisa se desenvolve em dois territórios distintos, o espaço acadêmico e uma unidade de saúde de um bairro periférico, os desafios se multiplicam, associados ao fato de que a pesquisa é construída em parceria com alunos e profissionais do serviço de saúde nem sempre acostumados a desenvolver e implementar investigações científicas. A perspectiva de uma pesquisa construída em conjunto cria a necessidade de abrir espaços para o diálogo e reuniões entre os pesquisadores. Nestes encontros semanais, trocamos impressões sobre as narrativas que emergem nas rodas de conversa implementadas, nossas observações sobre o que vivenciamos e escutamos, compartilhamos dicas de leituras e as anotações de nossos diários de campo. Feito este processo de compartilhamento, realizamos um relatório conjunto destacando nas narrativas escutadas em categorias de análise.

    Resultados: Os principais resultados parciais encontrados até o momento nas rodas realizadas na universidade e na unidade básica de saúde são que a principal rede de apoio apontada pelos informantes é a familiar e o sofrimento mais referido diz respeito a perdas e sobrecarga. Em ambos os grupos também foi constatada a dificuldade inicial de perceber suas estratégias e as possíveis redes de apoio para lidar com o sofrimento. Foi através do exercício de grupo que puderam perceber e compartilhar muitas das estratégias utilizadas, assim como identificar as redes de apoio que são acionadas frente a uma situação de sofrimento.

    Cabe destacar que as relações familiares, que aparecem como principal estratégia em ambos os grupos e destacada por sua função protetora e de reconexão com um equilíbrio que eles julgam necessário para cumprir sua rotina. Apontam principalmente a família nuclear, mas também a família ampliada que inclui pessoas com as quais convivem cotidianamente e mantêm vínculos importantes, como amigos e vizinhos. Ainda que alguns participantes tenham relatado situações conflitivas vivenciadas na casa familiar, revelando-se assim o paradoxo relativo as redes familiares e de apoio na vida deles. Este é um analisador interessante, pois se para a maioria a família e a casa familiar aparece como um espaço de proteção e apoio emocional, em alguns discursos a família e a casa aparecem como elemento estressor e de sofrimento também. Na modernidade a casa familiar é apresentada a sociedade como lugar de proteção e de cuidado enquanto a rua é o lugar do perigo. Este movimento vai ter duas consequências diretas: mascarar os problemas e as violências vividas dentro das casas, dado corroborado pelos altos índices de distintas formas de violência identificadas em pesquisas e publicações e, a segunda, é reter as pessoas em casa impedindo a vida pública, ou seja o exercício pleno da cidadania, sob o argumento do perigo. Este alerta é importante para que a casa familiar não seja tomada de forma idílica, pois nela também acontecem muitos problemas e violências, muitas vezes silenciados e afastados da vista pública.

    Em relação ao principal sofrimento relatado nos grupos da universidade e da unidade de saúde encontramos as narrativas de perdas e sobrecarga. As perdas incluem desde o afastamento do território de origem e a perda da infância, a perdas referentes a saúde e a entes queridos. Já a sobrecarga refere-se as rotinas impostas pela vida atual e pelos encargos que compreendem como obrigações cotidianas em um espaço curto de tempo, gerando muitos sentimentos contraditórios. Em muitas narrativas os sofrimentos são apontados como tarefas individuais que devem cumprir, o que justamente aumenta o mesmo, pois percebem que por muito que se esforcem não conseguem enfrentar sozinhos. Neste ponto aparecem estratégias de autocuidado que também foram referidas pela maioria dos informantes.

    Considerações finais: Com o desenvolvimento das rodas de conversa e o compartilhamento das narrativas os informantes vão percebendo as muitas estratégias que adotam, assim como as redes de apoio que acionam cotidianamente. Percebem também que o próprio grupo das rodas é uma estratégia e uma rede de apoio importante, tanto que lamentam o final e manifestam o desejo de seguir se encontrando. Ensinar e aprender a fazer pesquisa tem sido o cotidiano desta investigação, tanto no espaço da universidade quanto na unidade de saúde. Os primeiros resultados de campo nos permitem afirmar que a aposta na grupalidade é um caminho importante para o enfrentamento do mal-estar e a construção de um bem viver.

     

  • Keywords
  • Saúde mental coletiva; Promoção e prevenção em saúde; Trabalho em território; Bem viver.
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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