APRESENTAÇÃO
A Educação Popular em Saúde (EdPopSaúde) é uma forma de se conduzir o processo educativo. Ela formula o aprender-ensinar, nos processos de trabalho em saúde, sob um eixo basilar atrelado aos interesses das classes populares. Trata-se de uma concepção Freireana que surge como um movimento em defesa de uma concepção histórico-crítica de saúde, ganhando força em 1970 junto à Reforma Sanitária Brasileira.
A EdpopSaúde, entre outros objetivos, almeja a inclusão de diferentes atores sociais no processo de fazer saúde, mediante a articulação entre os profissionais e as organizações sociais de base popular. Enquanto método, ela propõe formas permanentes de diálogos de todos com todos o tempo todo, a emancipação dos sujeitos e a visão crítica e criativa, que torna possível a formação de novos modos de cuidado pautados pela integralidade e a formação de vínculos.
Essa articulação é fortalecedora da Atenção Primária à Saúde (APS), uma vez que dá notícias de um modo de cuidado ligado ao território e à vida comunitária. Conforme a Política Nacional de Educação Popular em Saúde, às ações de EdpopSaúde promovem a co-gestão, bem como qualificam os territórios enquanto espaços para a criação de políticas públicas voltadas à população adscrita.
Neste trabalho, discutimos as contribuições da EdPopSaúde, na atuação dos/as integrantes do projeto de extensão da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), “Devires da Clínica: Transversalidade, Clínica Ampliada e o Apoio às práticas de cuidado nas Redes de Atenção à Saúde” e suas reverberações em uma Unidade de Saúde da Família (USF), através da atuação dos/as extensionistas.
DESENVOLVIMENTO
Essa discussão se dará por meio de uma escrita implicada, que traduz o que foi absolvido das experiências, diálogos e percepções diante das relações vivenciadas e, posteriormente, processadas. Também utilizamos os registros dos diários de campo e das reflexões oriundas das supervisões clínico-institucionais realizadas em conjunto com os/as participantes do projeto de extensão.
RESULTADOS
Através da EdPopSaúde, concebeu-se a ideia de realizar um momento de facilitação com os/as usuários/as e profissionais de uma USF em João Pessoa. Nesse contexto, o projeto de extensão "Devires da Clínica", que havia sido solicitado pela USF para realizar uma palestra sobre a valorização da vida e a prevenção do suicídio, como parte da campanha do Setembro Amarelo, buscou colaborar aproximando-se dos ideais da EdPopSaúde.
Esse método pedagógico busca estimular a progressiva ampliação da capacidade de análise crítica da realidade por parte de grupos de indivíduos. Assim, à medida que eles participam ativamente de questões e processos que dizem respeito a si, seja em quais áreas forem, eles se tornam protagonistas de suas próprias histórias.
Nesse sentido, buscamos, coletivamente, construir maneiras de não cairmos no verticalismo que, por vezes, opera nas relações de saber-poder dentro dos serviços de saúde. Assim, realizamos uma roda de conversa com três momentos: um sobre como os/as usuários/as do serviço cuidam da sua saúde mental; outro sobre o uso terapêutico de plantas comuns à região; e o terceiro com sessões de auriculoterapia realizadas por duas extensionistas.
Somando forças à esse momento, convidamos um Agente Popular em Saúde, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), com vasto conhecimento sobre o uso de plantas para fins terapêuticos. É importante ressaltar que o convidado não caracteriza-se enquanto profissional de saúde, mas alguém que se apropriou dos saberes tradicionais para multiplicar práticas de cuidado em saúde. Sua formação de Agente Popular deu-se pautada na EdPopSaúde, voltada para a atuação nos espaços mais vulneráveis ao processo de adoecimento e/ou com a população não adscrita da APS.
Inicialmente, dispostos em círculo, uma pergunta-chave serviu de guia: “Como você cuida de sua saúde mental?”. A partir disso, com o auxílio de cartões em branco e lápis, os/as usuários/as foram convidados/as a escrever suas respostas. Após suas escritas, uma das extensionistas mediou um momento de exploração dessas respostas, convidando os/as presentes a falarem sobre o local ou a forma de cuidado escolhida, de modo que esses arranjos no cuidado consigo fossem partilhados entre os membros daquele território.
As respostas foram diversas, desde dispositivos públicos de cuidado da saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial, Centros de Práticas Integrativas, aos arranjos da cidade, como praia, praças e igrejas. Estas respostas reforçam a importância da produção de um cuidado no território atento às práticas de valorização e cuidado em/na vida, como formas de promoção de saúde e prevenção dos agravos do sofrimento, inclusive do suicídio.
Em um segundo momento, dispomos no centro da roda alguns itens levados pelo convidado, como: sementes de abacate; folhas de mangueira; cravos; sabonetes de babosa; romãs etc. Destaca-se que, antes do encontro, foi repassado para ele as principais demandas da USF, no intuito de afunilar quais plantas medicinais seriam trabalhadas. Contudo, para além das queixas relacionadas à diabetes, hipertensão e insônia, discutiu-se, a partir do que foi trazido no encontro, pelos/as usuários/as e trabalhadores/as, outros temas, como a ansiedade e a menopausa.
Com efeito, quando as pessoas reconheceram as plantas dispostas, iniciou-se no ambiente uma partilha de conhecimento sobre a utilização delas. As próprias Agentes Comunitárias de Saúde, pensando em casos que acompanham no território, apropriaram-se desses saberes e afirmaram que seria algo a ser repassado com as/os demais usuárias/os.
Um simbólico analisador ocorreu quando, ao final da roda, o porteiro da USF se dirigiu ao Agente Popular para solicitar informações sobre uma questão de saúde. Esse movimento revelou o lugar que os saberes tradicionais assumem na representatividade social das formas de cuidado da população. Em geral, são saberes que já circulavam entre seus familiares e amigos/as e que foi “validado”, por ter sido dado em um espaço instituído pela verticalização da relação saber-poder.
Simultaneamente, oferecemos sessões de auriculoterapia. Essa Prática Integrativa e Complementar em Saúde, não deve ser lida enquanto uma fria técnica, mas como viabilizadora de momentos de encontro com os/as usuários/as, aprimorando o entendimento de suas queixas e afunilando os vínculos. Isso se evidenciou com uma das mulheres que, durante o acolhimento para a aplicação das sementes, trouxe uma realidade banhada por sofrimentos sociais, traduzindo-o enquanto ansiedade. Contudo, no decorrer da conversa, foi possível perceber que tratava-se não de uma ansiedade patológica, mas de um cansaço físico e mental causado pelo excesso de trabalho.
Nesse caso específico, ao mesmo tempo que se tratava de dores pontuais no corpo, pôde-se desempenhar uma psicoeducação sobre os tipos de sentimentos e emoções. Observamos com isso uma experiência muito cara à atuação na saúde, pois é na micropolítica das relações que o vínculo é estabelecido e as ações de intervenção, promoção em saúde e prevenção de agravos são realizadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou salientar a importância da promoção de espaços abertos e atentos às práticas plurais de cuidado desenvolvidas na APS. Assim, verificou-se, nas experiências compartilhadas e discutidas, uma mobilização dos grupos comunitários do território da USF e o aumento de sua implicação diante da formação da roda, quando os saberes partilhados encontravam referência na realidade local.
Portanto, concluímos reforçando a necessidade da ampliação dos arranjos construídos conjuntamente à população assistida pelo serviço, de promoção, prevenção e vigilância em saúde, através de diálogos e práticas voltadas à valorização da vida, do dito e dos saberes populares e tradicionais.