O Bem Viver e as práticas de cuidado em saúde mental com mulheres em deslo(u)camento

  • Author
  • Simone Mainieri Paulon
  • Co-authors
  • Jéssica Carina Sulzbach Rodrigues , Élida Azevedo Hennington , Suellen Luz , Paula Dias Dornelas
  • Abstract
  •  

    Estima-se a existência de 1,3 milhão de migrantes internacionais residindo no Brasil, oriundos de países das Américas Central e do Sul e de África. Considerando-se o processo internacional de feminização das migrações, em suas inúmeras nacionalidades e origens étnico-raciais e culturais, que têm buscado reconstruir suas vidas no Brasil, observam-se fragilidades nas políticas públicas ainda pouco sensíveis às demandas dessa população. As sobreposições de opressões que incidem sobre mulheres migrantes e refugiadas exigem um olhar feminista, transcultural e interseccional que permita uma aproximação às especificidades que esses deslocamentos envolvem, superando fórmulas universais e biologizantes de se abordar uma realidade complexa. O presente estudo toma a questão da Saúde, Trabalho e Bem Viver como foco, objetivando construir uma proposta metodológica que favoreça a interculturalidade, a inclusão e participação dos sujeitos na produção de conhecimento e compreensão das estratégias de produção de saúde e resistência às opressões de gênero, raça e classe de mulheres migrantes e refugiadas de três cidades: Porto Alegre, Rio de Janeiro e Boa Vista. Sustentada no método da cartografia, essa Pesquisa-Intervenção Participativa parte da premissa ético-política de “planejar-executar-avaliar com”, instaurando processos gestionários coletivos. As estratégias e tecnologias incluíram: participação e produção de materiais informativos e questionários, até a construção de instrumentos de acompanhamento e avaliação da pesquisa, rodas de conversa, oficinas de produção audiovisual, dentre outras. O primeiro ano da pesquisa foi dedicado ao alinhamento teórico-metodológico por meio de leituras decoloniais que problematizam o uso do conceito de saúde mental, de sofrimento psíquico, e de “bem-estar”, mostrando suas aproximações e distanciamentos em relação à noção de “bem-viver”. A revisão bibliográfica narrativa apontou uma predominância de abordagens individualizantes com categorias psicopatológicas específicas para o migrante que, no caso das mulheres, reforçam estereótipos de gênero, classificando-as como deprimidas e ansiosas. Alguns estudos na perspectiva da psicologia social, psiquiatria democrática, sociologia e antropologia, entretanto, avançam no reconhecimento de que o “adoecimento” associado ao migrar compõe-se de atravessamentos sociais, econômicos e políticos. A compreensão do processo de desinstitucionalização da loucura ajuda a problematizar tradicionais dissociações entre físico e mental; individual e comunitário, clínica e política. A perspectiva do Bem Viver também pode auxiliar a pensar políticas de cuidado com migrantes, especialmente políticas de atenção à saúde, já que amplia a noção de bem estar, abrangendo o caráter político da insistência em viver e em buscar a vida boa. Talvez precisemos perguntar não apenas o que podemos ofertar de cuidado em saúde para essa população, mas como COM-viver de tal maneira que uma noção de saúde mais ampla do que aquela que pode ser objetivada em práticas de cuidado seja cultivada. Parte-se, pois, aqui do entendimento de que mulheres, em sua pluralidade e capacidade de expandir a vida, carregam consigo uma noção fluida e coletiva do cuidado, assim como as migrantes, em suas vivências de deslo(u)camentos, buscam novas moradas, não apenas no sentido geográfico, mas também ético. Tais considerações apontam à noção de interculturalidade como possível contributo às políticas públicas e aos processos de cuidado à saúde mental das mulheres que migram.

  • Keywords
  • Bem Viver; Decolonialidade, Violências de Gênero; Interseccionalidade, Saúde mental;
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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