Uma experiência de organização e participação de uma qualificação da Gestão Autônoma da Medicação (GAM) em pesquisa e extensão

  • Author
  • Fernanda dos Santos Cavalheiro
  • Co-authors
  • Ana Luiza Ferrer
  • Abstract
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    Trata-se de uma experiência acerca da organização e realização de uma qualificação de um grupo de pesquisa e extensão, envolvendo um grupo composto por professores, residentes multiprofissionais, estudantes, usuários, profissionais da rede de atenção psicossocial e grupos de militância. A ação de qualificação fez parte do projeto “Apoio e fomento de estratégia da GAM e outras práticas emancipatórias em saúde mental na região central do Rio Grande do Sul”, que tenciona redes de saberes e trocas de experiências entre usuários, profissionais e servidores dos serviços de saúde, a partir dos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), juntamente com os princípios da cogestão e da corresponsabilização presentes na estratégia GAM, a fim de potencializar a participação dos sujeitos nas decisões e incentivando-os ao reconhecimento de direitos e o impacto dos medicamentos em suas vidas.

    A estratégia GAM foi criada por usuários e familiares dos serviços alternativos de saúde mental no Canadá, voltada para pessoas com transtornos mentais, busca dar visibilidade à pluralidade de escolhas em face da medicação e afirma o direito ao consentimento livre e esclarecido para utilização de psicofármacos e a necessidade de compartilhar as decisões, considerando que tratamento em saúde mental é mais do que o uso de medicamentos e que as pessoas são mais do que uma doença. Para tanto, utiliza-se de um dispositivo, o guia GAM, que é trabalhado a partir da grupalidade, aliada a seus princípios de cogestão, autonomia e corresponsabilidade.

    As políticas públicas estão direcionadas para um cuidado humanizado, integral, territorial, equitativo, e a GAM chama atenção por complementar aspectos que, por vezes, não questionamos, como a forma tutelar como olhamos e tratamos os usuários dos serviços, restringindo-os, em muitas situações, pelos seus diagnósticos. Diante do projeto de pesquisa e extensão, a ação da qualificação teve como objetivo apresentar como operar os modos e princípios da estratégia GAM em uma qualificação de saúde.

    Como se desenvolveu a qualificação GAM

    O grupo se reúne semanalmente na universidade para formar pactuações, se aproximar da rede, interagir e integrar mais com usuários e profissionais. Nesses encontros foi articulada a proposta de realização de uma terceira qualificação, intitulada “A GAM e o Apoio às Práticas Emancipatórias no Cuidado em Saúde Mental”, para provocar reflexões a respeito da clínica psicossocial e fomentar discussões sobre a rede do município e qualificar os usuários acerca de temas no âmbito da saúde mental, que corroboram com as Políticas Públicas e da RPB, essa mobilização carrega na cogestão, um dos princípios GAM, onde cada um contribui para o movimento da rede de saúde.

    Os encontros iniciaram em agosto e a finalização foi em novembro de 2023, a inscrição foi por meio digital, em um total de 56 inscritos. A duração foi em média de 4 horas por encontro, com um acolhimento inicial e a fala de um convidado, após, fazíamos uma roda de conversa entre os participantes. Em cada encontro do ciclo de debates houve a participação de uma multiplicidade de serviços como os CAPS, AB, Serviços Comunitários, Ambulatoriais e Equipes de Atenção Primária Prisional.

    Alguns assuntos foram: Clínica Psicossocial, Territórios, Drogas, RAPS, Controle Social, Garantia de Direitos, Protagonismo em Saúde Mental. Ao final da qualificação foi disponibilizado um questionário para que os participantes pudessem inferir suas avaliações dessa qualificação.

    Os efeitos percebidos dessa experiência

    Os próprios temas puderam ser parte do resultado, pois o modo de operar da estratégia GAM, pode elencar algumas importantes discussões de cada encontro contribuindo para a experiência de qualificação.

    Durante a abertura da qualificação percebemos a potência das discussões sobre uma clínica psicossocial ético-política voltadas para atender o usuário, o relato de um usuário possibilitou pela sua narrativa as experiências de internamento e tratamentos em serviços de saúde culminando com suas considerações sobre cuidado que recebeu das equipes de saúde e família. Percebemos que a estratégia GAM opera nos circuitos de saúde mental, mais diversos e que valoriza e valida também a postura e opinião do usuário diante do manejo que recebe em seu cuidado em saúde.

    Apresentamos o Observatório Internacional da GAM aos participantes para dar visibilidade às pesquisas e extensões pelo Brasil, percebemos que na extensão universitária há essa dificuldade de capturar formas possíveis de uma saúde mental de qualidade, mas que é viável abrir fissuras por dentro dos serviços. Foi potente a discussão sobre territórios, junto ao Ateliê Griô, um grupo de pessoas que promove saúde e educação popular dentro de uma área comunitária no município, não só pela promoção, mas pela resistência e visibilidade das vidas invisíveis.

    Aprofundamos a temática de Drogas e a rede, que demarcaram essa discussão sobre conhecermos mais da Política de Redução de Danos (RD), que torna importante adquirirmos conhecimento sobre uso de substâncias e a construção de espaços mais democráticos de fala para pensar o lugar que a medicação e a droga ocupam na vida do sujeito, temos dificuldades em lidar com esse tema, vindo à tona a desarticulação e falta de comunicação entre serviços para produzir uma rede conectada de cuidados à saúde.

    Na necessidade dos usuários buscarem seus direitos enquanto cidadãos, foi constatado a valorização dos serviços nas oficinas de geração de renda, entendendo que dá para fazer controle social e resistir às formas de cuidado mais tutelares. Tivemos uma ampla representatividade de membros do Observatório de Direitos Humanos e da liderança negro-africanos e indígenas, promovendo um diálogo de saberes e potencialidades da cultura popular na garantia de direitos. Os serviços da rede puderam reconhecer que, para além das falhas e faltas da rede do município, formamos um grupo de pessoas e associações que podemos contar e produzir novas relações com o cuidado.

    No Protagonismo em Saúde mental, fortaleceu-se as práticas emancipatórias de saúde mental, possibilitando a todos presentes expressarem sua forma de cuidado, foi possível sensibilizar os participantes da importância do processo de cogestão e inclusão que não somente a estratégia GAM, mas que toda a rede de saúde pode proporcionar.

    Sobre o questionário, mostrou que a qualificação foi efetiva para muitos profissionais e significativa para os usuários, a luta e resistência por uma construção de rede de saúde mental segue pela cidade, mas o que se produziu nestes meses reverbera na forma como estamos pensando as estratégias de cuidado dentro do grupo condutor GAM, com princípios mais cogestivos, participativos e humanizados.

    Considerações finais

    A qualificação possibilitou a criação de espaços plurais com diálogos e trocas que fomentaram discussões sobre as políticas, articulação das redes, ampliação das ações e visibilidade dos usuários manifestarem o cuidado que vivenciam na rede de saúde. Esses ciclos de debates possibilitaram a potência de elencar o compromisso que a pesquisa e a extensão tem em conjunto com a comunidade e com os que utilizam destes serviços, os usuários.

    Nosso intuito foi fomentar novos olhares e dar visibilidade para que os profissionais possam reconhecer os sucessos e os fracassos que envolvem o cuidado em saúde. Além disso, que os usuários possam obter informação para construir uma saúde mental tecida em uma rede de cuidados. A estratégia GAM é uma das muitas formas possíveis de operar nesta lógica de cuidado, mais horizontal e que inclua todos os saberes envolvidos visando um olhar humanizado e ético-político sobre saúde mental.

     

     

  • Keywords
  • Gestão Autônoma da Medicação, Qualificação, Saúde Mental
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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