O trabalho tem por objetivo apresentar uma revisão bibliográfica acerca da temática interdisciplinaridade na Atenção Básica, seus benefícios e dificuldades de implementação efetiva no cotidiano de trabalho. A interdisciplinaridade tem por fundamentação a aplicação de diferentes disciplinas, ou seja, áreas de atuação em um contexto. No âmbito da saúde, a interdisciplinaridade é utilizada como ferramenta de atuação a fim de atingir um nível de cuidado integralizado do sujeito. Prática priorizada na Atenção Básica a fim de compreender os princípios que norteiam o cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS): Universalidade, Equidade e Integralidade [1].
O trabalho foi desenvolvido metodologicamente como uma revisão de literatura, em que foram utilizados como base de dados livros, dissertações, artigos selecionados nas plataformas digitais SciELO e LILACS. Os trabalhos utilizados como referência foram selecionados a partir da aproximação temática por meio do uso das palavras-chave “interdisciplinaridade”; “Atenção Básica” e “Saúde Coletiva”, que tenham sido publicados no período dos últimos 10 anos. Foram encontrados 30 trabalhos, e foram utilizados 6 artigos na construção desse resumo, sendo incluídos trabalhos escritos na língua portuguesa.
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem por pilares de ação a Universalidade, Equidade e Integralidade [2]. A interdisciplinaridade entra como ferramenta de produção do cuidado e promoção de saúde integral na Atenção Básica, unindo saberes de diferentes áreas e possibilitando a visão integralizada do paciente. Essa construção baseada na visão integral do paciente, vai de encontro ao modelo tradicional de medicina, chamado de modelo biomédico, em que o cuidado do paciente é baseado no tratamento de um problema por um médico especialista [3].
Partindo do conceito de que a disciplina é uma categoria organizadora dentro do conhecimento científico, a partir dela é possível construir uma divisão e especialização do saber ou trabalho [4]. Logo, a interdisciplinaridade é compreendida como a interação e integração de diferentes áreas do saber em um objetivo comum, tornando essa relação entre as diferentes disciplinas uma relação horizontal, sem a perspectiva de hierarquização de saberes. É possível ressaltar que a interdisciplinaridade é aplicada como uma ferramenta teórica e metodológica, não tendo por objetivo reduzir diferentes saberes como uma fórmula em seu interior [5].
Na saúde pública, a interdisciplinaridade é centrada na realização de um trabalho onde o foco é o cuidado integral, humanizado e de qualidade para a população. A realidade dos atendimentos de uma Unidade Básica de Saúde é diversificada e complexa, incluindo processos de prevenção, de cuidado e de tratamento de indivíduos com diferentes contextos sociais, culturais e psicológicos. Ao levar em consideração o nível de complexidade encontrado a nível de Atenção Básica, foi necessária a criação de estratégias que dessem conta do cuidado aos pacientes de forma humanizada, retirando de foco o processo de adoecimento, criando possibilidade de pensar na inclusão de todos os níveis de atenção demandados no processo saúde/ doença, como é preconizada pelo SUS e pela Política Nacional de Humanização (PNH) [6].
Entretanto, é importante perceber um dificultador da interdisciplinaridade no espaço da saúde pública: a visão de que o médico é detentor de todos os saberes. Dessa forma, se propõe que sejam tomadas medidas que visam a horizontalidade nas relações e condutas entre os diversos profissionais de saúde, com o objetivo de complementar os saberes, e desta forma atender a população [7]. Faz-se necessária a modificação de valores do sistema, não quanto a sua aplicação à comunidade, mas focando nas equipes formadas, afim de fomentar nos profissionais propósitos de cooperação e integração, em contraste aos propósitos de competição e individualidade.
Além disso, outro desafio [8] que pode ser pontuado na prática da interdisciplinaridade no ambiente de saúde pública é a formação acadêmica dos profissionais, que muitas vezes optam por seus conhecimentos técnicos adquiridos ao longo do processo de graduação, e acabam por não considerar os saberes populares e a história cultural do local onde estão inseridos, prejudicando o processo integral de promoção à saúde e ao cuidado.
Diante do exposto, fica evidente que, apesar dos esforços para a criação de uma política de saúde integrativa e humanizada, ainda são diversos os entraves referentes à consolidação dessa forma de trabalho no ambiente da Atenção Básica do SUS [6]. Questões como as supracitadas na análise manifestam debates já muito antigos, como a hegemonia do modelo biomédico de saúde [3]: individualista, curativo e centrado no médico.
Partindo do pressuposto de que a interdisciplinaridade promove a união de conhecimentos ampliados em saúde e a necessidade de novas configurações para que se ofereça um serviço integral e de qualidade, se destaca a urgência de elaborações teóricas e metodológicas também adequadas às individualidades que formam cada espaço, levando em consideração seus diferentes processos históricos e sociais.
Para isso, são necessárias ações que integrem também as equipes, como forma de promover um ambiente comunicativo, que possa permitir o livre compartilhamento de informações entre os diversos profissionais que atuam na Atenção Básica, visando essa união em prol da saúde integral do paciente [9]. Entretanto, essa prática requer níveis de confiança, tolerância e respeito mútuo, características de certa forma intrínsecas e muitas vezes difíceis de serem exercidas por profissionais que já não a praticam de maneira individual. Portanto, para além da aplicação prática relacionada à relação médico paciente, o alinhamento dentro das equipes é essencial, dando ênfase à cooperação e integração.
REFERÊNCIAS
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______. Lei n.º 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de setembro de 1990.
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