O Povo Cuidando do Povo: a formação de Agentes Populares de Saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Paraíba.

  • Author
  • Laura Gabryelle Fernandes de Medeiros
  • Co-authors
  • Ana Carolina Andrade Farias , Lucas da Silva Conceição , Dilei Aparecido Schiochet , Paulo Romário de Lima , Carolina Bezerra Cavalcanti Nóbrega , Sarah Barbosa Segalla , Felipe Proenço de Oliveira , Luciano Bezerra Gomes
  • Abstract
  • Apresentação

    Durante a pandemia do COVID-19, o Brasil, para além da destruição causada pelo vírus, vivenciou uma necropolítica que ganhou espaço através da intensificação das desigualdades sociais já existentes. Soma-se a isso, o abandono por parte de um (des)governo negacionista, que recai sobre a população mais vulnerável socioeconomicamente como um atestado de morte. Nesse contexto de negação aos direitos básicos, surgiram coletivos produzindo cuidado entre si, manejando as dificuldades através da solidariedade ativa e mediando os saberes pela Educação Popular em Saúde (EdPopS). Foi esse o caso do Mãos Fraternas, iniciativa conduzida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 2019 no município de Recife-PE.

    Através desses coletivos foram criadas várias Cozinhas Solidárias espalhadas pelo país, confecção e distribuição de máscaras, bem como a disseminação de informações voltadas à manutenção da saúde e redução dos riscos associados à COVID. Dessa forma, personalidades surgiram dentro das comunidades, valendo-se dos saberes tradicionais e populares para organizar a população e produzir cuidado, especialmente nos territórios onde o Estado possuía atuação incipiente. Essas lideranças do cuidado passaram a se identificar enquanto Agentes Populares de Saúde (AgPopS), que, diferentemente dos Agentes Comunitários de Saúde, não compõem o quadro profissional do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo compreendidos enquanto uma força instituinte do cuidado nas entrelinhas dos serviços de saúde. 

    Na Paraíba, esses coletivos, através de parcerias com a Fiocruz de Pernambuco e com médicos voluntários da saúde da família, realizaram uma primeira formação estruturada dos AgPopS, em 2020 no Estado, formando 50 Agentes voluntários espalhados pelo território do MST-PB. Contudo, mediante a persistência da pandemia e suas consequências, em 2022 surgiu a necessidade de novos(as) AgPopS, resultando em uma nova formação, contando agora com uma parceria entre a Escola de Saúde Pública da Paraíba (ESP-PB), o projeto de extensão O Povo Cuidando do Povo, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e o Setorial de Saúde do MST-PB. Assim, o presente resumo visa compartilhar a experiência dessa formação realizada e seus frutos.

     

    Desenvolvimento do trabalho

    A formação de AgPopS visa o levantamento de lideranças comunitárias, que vivenciam e conhecem as dificuldades e possibilidades de saúde no/do território que estão inseridos, a fim de criar espaços de promoção e informação em saúde, conexão com a rede e mobilização social. Assim, baseados na Educação Popular em Saúde e na compreensão da saúde enquanto bem comum produzido coletivamente, formularam-se os módulos do Curso e as metodologias a serem utilizadas nos encontros. Ao todo, foram desenvolvidos oito módulos e quatro encontros de formação, sendo três deles com 13 facilitadores - responsáveis pela mediação e multiplicação da formação, de mais 10 AgPopS cada, no seu território - e o último no formato presencial com os 130 AgPopS para a formatura e fechamento do programa. Os encontros aconteceram no Centro de Formação Elizabeth e João Pedro Teixeira do MST-PB, localizado no município de Lagoa Seca -PB.

    Inicialmente, teve-se como objetivo fomentar oportunidades de reflexão aos envolvidos na elaboração do curso, por meio de visitas aos assentamentos da região e debates relacionados à saúde da população do campo, junto aos assentados e participantes do projeto. Dessa forma, as atividades propostas para o curso de formação de AgPopS almejavam se articular diretamente com a realidade de vida dos agricultores e suas diferenças regionais. Foram realizadas duas visitas, uma ao pré-assentamento Wanderley Caixe e outra ao acampamento Arcanjo Belarmino, ambas em Pedras de Fogo - PB, com professores, extensionistas e colaboradores. Durante as visitas, houve discussões sobre a vivência no campo e as práticas de promoção e prevenção em saúde ligadas à realidade dos assentados.

    No decorrer do projeto, buscou-se articular os aprendizados das vivências à teoria em saúde e educação popular. Compreendendo que a EdPopS é promoção de autonomia e valorização do pensamento crítico, mesmo com o planejamento de aula e atividades educativas elaboradas, a aplicação estava aberta a novos encaminhamentos e descobertas de infinitas possibilidades do saber em saúde. De modo que, priorizou-se o uso de metodologias ativas, através de rodas de conversa, uso de recursos audiovisuais, oficinas e dinâmicas. 

    Em um dos módulos trabalhados coletivamente, a partir do tema Métodos de Educação em Saúde, foram feitas oficinas de lambes, cartazes e meios digitais de divulgação, na intenção de discutir o planejamento de atividades educacionais que ampliassem o acesso da população às informações de saúde e incentivassem maior mobilização social. A discussão se iniciou a partir do levantamento das principais dificuldades e potencialidades em saúde de cada território e apresentação das etapas que constituem a elaboração dessas ações.

    Com isso, cada AgPopS elaborou um planejamento de ação voltado para uma necessidade de saúde do seu território. Para isso, foram utilizados diferentes materiais, como papel, cartolinas, canetas e tintas. Após a produção dos materiais educativos, cada AgPopS apresentou sua proposta ao coletivo onde foi incentivada a reflexão sobre a ação e discutidas possibilidades de aperfeiçoamento. 

     

    Resultados

      Ao longo do processo formativo, foi evidente o engajamento por parte dos facilitadores nas práticas propostas pelos extensionistas, na medida em que as atividades se relacionam diretamente com a realidade de vida experimentada, seus desafios e possibilidades,  permitindo a circulação da fala e a consideração dos diferentes saberes. O fato dos participantes serem de regiões distintas do Estado, possibilitou a articulação dos temas debatidos com as particularidades de cada território, desde os diferentes biomas e florais até os principais agravos de saúde percebidos por eles na atuação. 

    Vale destacar o saldo positivo observado na atividade referente aos métodos educativos em saúde, onde obtivemos como resultado diferentes materialidades educativas, desde zines, cartazes, planejamento de rodas de conversa e propostas de intervenção elaboradas pelos/as AgPopS a partir de demandas de seus territórios. Posteriormente, com a partilha e discussão em coletivo de cada produto, novas elaborações de sentido e possibilidades de inserção nas diferentes regiões foram desenvolvidas.

    A proposta de atividades descentralizadas norteou a facilitação no território, onde foi possível aos AgPopS reproduzirem as práticas nas comunidades, tendo a autonomia de adaptá-las às especificidades territoriais. Infelizmente, devido a questões de orçamento e logística, o acompanhamento e avaliação das atividades descentralizadas por parte do projeto foi diretamente afetada, sendo um ponto a ser considerado em experiências futuras.

     

    Considerações Finais

    Os acampamentos e assentamentos que atuam na luta por uma reforma agrária popular, se vêem às margens da atenção à saúde institucionalizada, seja por fatores geográficos, políticos ou mesmo sociais. O controle social também se faz pela elaboração de práticas autônomas por parte da sociedade civil organizada, neste sentido, o fortalecimento de ações de solidariedade e coletividade se mostram como possibilidades de superação às adversidades impostas a este contexto.

    A formação de AgPopS surge como uma forma de garantia do direito à saúde, que reforça as estratégias territoriais de cuidado, individual e coletivo, do povo pelo povo, além de promover a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS. Ademais, é uma ferramenta ética e política de propagação de conhecimentos e informação, fortalecendo a cultura popular regional e a luta dos movimentos sociais pela emancipação coletiva.

     

     
  • Keywords
  • Educação Popular em Saúde; Agentes Populares em Saúde; Movimento Social
  • Subject Area
  • EIXO 4 – Controle Social e Participação Popular
Back