Apresentação: as Residências Multiprofissionais em Saúde da Família (RMSF) surgem como uma alternativa para superar a fragmentação do cuidado dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), ao facilitar a integração entre a prática interprofissional e a educação em saúde. Nesse cenário, elas incentivam a colaboração entre os trabalhadores locais e os residentes, buscando aprimorar os serviços de saúde de acordo com as necessidades de cada território. Ao se inserirem na Atenção Primária em Saúde (APS) como ambiente de formação, as RMSF concentram-se em uma atuação focada nos serviços, o que colabora para uma aprendizagem significativa. Assim, considerando as trocas embasadas na experiência real do cotidiano de trabalho, as RMSF acabam instigando mudanças no sistema que as acolhe. Visto que, no contexto da formação em saúde, os residentes podem ser expostos ao Planejamento Estratégico Situacional (PES) como uma ferramenta de trabalho e aprendizado, sendo incentivados a investigar a realidade em que estão inseridos e a propor soluções por meio de ações e pactuações com os trabalhadores dos serviços. Logo, para que essas estratégias sejam eficazes, é importante operacionalizar o trabalho interprofissional, que não apenas promove a colaboração entre todos os agentes, mas também garante a formação integral do residente. Surge então a questão de como os trabalhadores percebem as práticas interprofissionais com os residentes, considerando o PES como um instrumento norteador, ressaltando a relevância de estudos sobre o tema. Assim, o objetivo deste resumo é descrever as possíveis práticas interprofissionais impulsionadas pela RMSF. Desenvolvimento do trabalho: trata-se de um recorte dos dados gerados em um estudo qualitativo relacionado à pesquisa intitulada “Residência Multiprofissional em Saúde da Família e as repercussões no processo de trabalho na Atenção Primária à Saúde”, parte da dissertação desenvolvida no Mestrado Profissional em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Destaca-se que a pesquisa envolveu 11 trabalhadoras da APS de um município do interior da Bahia, sendo a coleta de dados realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e a análise do material coletado conduzida utilizando-se a Análise Temática de Conteúdo. As entrevistas ocorreram entre os meses de julho e setembro de 2023, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UEFS sob o CAAE nº 69574623.2.0000.0053. Resultados: a partir das falas das participantes, percebeu-se que a adoção das reuniões, como um momento para a construção do planejamento, proporciona a interação entre os trabalhadores e residentes, sendo esses encontros identificados como ocasiões lideradas pelos residentes para planejar, executar, avaliar e dar continuidade às atividades. Algumas trabalhadoras compartilharam suas percepções sobre a condução do planejamento, revelando que, embora executem juntos as ações planejadas, alguns trabalhadores não participam de outras etapas de planejamento com os residentes. Outro aspecto apontado é que durante as reuniões os residentes lideram a discussão, compartilham a pauta e distribuem responsabilidades entre os membros da equipe. Nessa perspectiva, ressalta-se que o apoio matricial emergiu nas falas das participantes em dois contextos distintos: um clínico e outro coletivo. No aspecto clínico, as participantes mencionaram sua utilização para fornecer suporte especializado em casos específicos como consultas conjuntas e discussões de casos complexos entre trabalhadoras de diferentes áreas, já nos momentos coletivos, o apoio matricial surgiu como uma ferramenta importante para a capacitação e o desenvolvimento de atividades, conforme enfatizado em um contexto específico em que o matriciamento foi adotado como uma etapa preliminar, já que, antes da execução da ação em si, foi realizada uma fase de planejamento e matriciamento na unidade entre trabalhadoras, residentes, enfermeira e médica, que juntas identificaram a demanda específica a ser atendida. As participantes também destacaram a consulta interprofissional com os residentes como prática comum dentro das unidades, dado que as falas revelaram a importância atribuída a essa ação na promoção da saúde, já que essas interações garantem a integralidade do cuidado e aumentam a capacidade de atender às demandas. Além disso, durante a execução das atividades do Programa Saúde nas Escolas, ocorre outro momento de interação entre os residentes e as trabalhadoras, e, conforme mencionado pelas participantes, os residentes as apoiam na organização e execução dessas atividades, demonstrando uma postura colaborativa. As salas de espera e as atividades de hiperdia também oportunizam um cenário para a interação entre as trabalhadoras e os residentes. E sobre essas ações, destacaram-se dois aspectos que enfatizaram a importância da abordagem colaborativa e interprofissional no planejamento e na execução das atividades. As observações feitas pelas participantes ressaltaram a relevância da participação dos residentes nessas atividades, evidenciando sua disposição para ajudar e seu engajamento como parceiros no processo. Entretanto, surgiram algumas preocupações em relação à falta de diálogo e planejamento colaborativo na definição dos temas e realização dessas atividades. Diversas falas destacaram as ações dos grupos operativos, bem como o envolvimento e a participação tanto dos trabalhadores quanto dos residentes nas atividades coletivas de educação em saúde. Foi observado, a partir das falas, que os residentes também desempenham um papel na coordenação dos grupos operativos nas unidades, evidenciando que, embora alguns desses grupos já fossem conduzidos pelos trabalhadores do município, a presença dos residentes contribuiu consideravelmente para aprimorá-los, tornando-os mais dinâmicos e eficientes. Inclusive, alguns participantes apontaram que os residentes possuem um conhecimento mais aprofundado do território em comparação com alguns trabalhadores locais. Além disso, uma participante ressaltou que a residência a envolveu diretamente nas atividades educativas, ampliando consideravelmente seu conhecimento sobre o assunto e proporcionando uma visão mais abrangente das práticas realizadas dentro da unidade de saúde. Apesar dos vários momentos interprofissionais destacados pelas participantes, foi mencionado a falta de oportunidade para vivenciar certas experiências com os residentes, especialmente relacionadas às tecnologias leves, a exemplo da construção de Projeto Terapêutico Singular. Considerações finais: os resultados da análise destacam a implementação de práticas interprofissionais entre trabalhadores e residentes, alinhadas aos princípios do PES, que se manifestam em reuniões, atividades clínicas e coletivas. Embora os residentes tragam consigo estratégias de planejamento que atendam aos requisitos do curso, as discussões revelam as tensões geradas no cotidiano do serviço, devido à sua abordagem. A interação entre os residentes e os trabalhadores das unidades de saúde, aliada ao seu engajamento no território e ao suporte da Instituição de Ensino Superior associada ao programa, os qualifica para identificar quais ações e temas são necessários para abordar nas equipes. Entretanto, isso sugere que os trabalhadores possam se envolver mais na execução das ações do que nos processos de planejamento, refletindo na atuação interprofissional. Vale ressaltar que o planejamento parece contribuir para a eficiência das práticas, contudo, a ausência de diálogo e cooperação no processo de definição dos temas das atividades pode comprometer a relevância e colaboração dos trabalhadores nas ações executadas, evidenciando a necessidade de um processo decisório mais participativo e transparente. Como possíveis caminhos para superar as adversidades observadas, é recomendável adotar estratégias que promovam uma abordagem mais horizontalizada, com incentivo à participação ativa dos trabalhadores na construção do PES, fortalecendo a colaboração e contribuindo para a melhoria das atividades, além de assegurar a institucionalização do trabalho interprofissional, visando potencializar a formação dos residentes