Os trabalhadores do Sistema Prisional desempenham um papel crucial no combate às doenças infectocontagiosas no sistema prisional brasileiro. Eles são parte integrante da comunidade carcerária, que inclui também profissionais de saúde, professores, familiares de pessoas presas, membros de igrejas, conselheiros de comunidade e membros do judiciário. Esses atores entram e saem das unidades prisionais diariamente, o que os coloca em posição estratégica para implementar e apoiar políticas públicas de saúde e educação, além de impactar no alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). Os trabalhadores do sistema prisional estão envolvidos em propostas que visam a ressocialização, segurança, redução de doenças infecciosas e aumento da qualidade da educação oferecida dentro do sistema prisional. Isso não impacta positivamente apenas na saúde dos apenados, mas também tem efeito cascata para a população geral e contribui para o alcance dos ODS. O ODS 3, “Saúde e bem-estar” visa o controle e prevenção de epidemias de doenças transmissíveis, tais como a tuberculose (TB) e a hepatite C (HCV) e o ODS 4 “Educação de Qualidade”, propõe educação inclusiva e de qualidade para todos, incluindo as pessoas privadas de liberdade (PPL). Nesse contexto, o Núcleo de Pesquisa e Extensão com Foco no Sistema Prisional da Universidade de Santa Cruz do Sul (NUPESISP/Unisc) busca o desenvolvimento de experiências no campo da vigilância em saúde para o enfrentamento da TB e HCV no sistema prisional. Objetiva-se relatar a experiência vivenciada por pós-graduandos em um projeto de comunicação em saúde para a eliminação da TB e HCV no sistema prisional. Trata-se de uma oficina piloto do projeto, realizada nas dependências da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em fevereiro de 2024. Participaram os servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e profissionais de saúde vinculados às equipes de atenção primária prisional da 8ª Delegacia Penitenciária Regional (DPR) que abrange 10 municípios da região central do Rio Grande do Sul. É um recorte do projeto de comunicação em saúde “Quebrando Barreiras”, o qual destaca a importância da intersetorialidade, cooperação e mobilização social na eliminação da TB e HCV no sistema prisional. A proposta geral compreende um ciclo de oficinas nas 10 regiões penitenciárias do RS, incluindo trabalhadores do sistema prisional, professores e Organizações da Sociedade Civil (OSC). O grupo de execução desta oficina foi composto por quatro pós-graduandos do Programa de Pós-graduação em Promoção da Saúde (PPGPS) da Unisc e demais integrantes do NUPESISP, entre mestres e doutores. Nas oficinas, empregamos recursos audiovisuais para fomentar a comunicação entre os participantes, proporcionando uma representação que os instigasse e os fizesse sentir representados. Nossa primeira oficina, em uma terça-feira à tarde, dia ensolarado com expectativas positivas em relação à presença e participação dos trabalhadores, optamos por uma sala grande, mas permanecíamos apreensivos. Precisávamos “ver para crer”. Estávamos adiantados, com a sala organizada, preparados para recebê-los. Aos poucos, os trabalhadores foram adentrando a sala até que a sala estava lotada. A maioria eram homens, alguns, nitidamente da segurança, que chegaram uniformizados, sérios e armados, outros com um ar mais despojado e sorridente. O primeiro desafio estava posto: precisávamos sensibilizar a todos para propiciar o diálogo entre os participantes. Começamos a oficina com uma rodada de apresentação e distribuímos uma caneta personalizada com o nome do projeto que por si só já era uma provocação para “quebrar barreiras”. A proposta da oficina incluiu temas como o reconhecimento dos sintomas comuns da TB e HCV e trocas de conhecimento e experiências sobre estratégias de detecção precoce e efetividade no tratamento no sistema prisional. Nós amarrados à teoria, eles com a bagagem da realidade. Houve momentos de diálogo e construção conjunta; foram momentos ricos, com relatos importantes sobre o cotidiano que propiciou um espaço de conversa intersetorial sobre as potencialidades, fragilidades e desafios entranhados às unidades prisionais. Os trabalhadores da saúde relatam estratégias como a triagem na “porta de entrada” para detecção precoce de doenças infecciosas. O acesso a testes rápidos e tratamentos adequados foi citado como garantia da saúde das PPL e, consequentemente, proteção da população em geral. O tratamento diretamente observado (TDO) foi relatado como uma estratégia realizada por um profissional de saúde ou um agente penitenciário que supervisiona a PPL tomando a medicação, garantindo a adesão, não interrupção do tratamento, quebrando a cadeia de transmissão da TB. Além disso, referiram que a PPL têm sido orientada e conscientizada sobre a doença, transmissão e seguimento do tratamento até o final para alcançar a cura. Diante disso, surgiram diversos relatos de experiências que evidenciavam, cada vez mais, a preocupação e o interesse pela oficina. Havia nas falas uma tendência de questionamentos acerca da TB. Entendemos que existia um sentimento de medo da contaminação pessoal e o impacto potencial em suas famílias, principalmente por parte dos agentes penitenciários. Percebemos também que a insegurança percorria em direção a falta de conhecimento, principalmente, sobre a transmissão, diagnóstico e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados nos casos de suspeita de TB, especialmente durante as escoltas da PPL. As narrativas enfatizavam a necessidade de orientação e treinamento adequados e contínuos para os agentes penitenciários se apropriarem de medidas preventivas eficazes para minimizar os riscos de contágio para a garantia de proteção social. Diversos atravessamentos foram apontados para descontinuidade do tratamento. Percebemos a necessidade de compreender as lacunas e os desafios vivenciados nas rotinas das instituições prisionais, através de disparadores para que o diálogo fosse estendido aos demais participantes. Muitas vezes os apenados enfrentam interrupções no acesso aos cuidados de saúde pela falta de informações na transferência, pela perda de segmento nos diversos níveis de atenção à saúde, nos casos de soltura da PPL, desconfiança, burocracias, entre outros fatores. Neste ponto reafirmamos que a educação em saúde pode ser uma potente estratégia para a implementação de políticas de saúde e para conscientização entre as PPL sobre o controle da disseminação de doenças, sendo os trabalhadores do sistema prisional, os protagonistas desse diálogo. Ao fornecer informações sobre saúde, incluindo a importância da higiene pessoal e a prevenção de doenças infectocontagiosas, a PPL é capacitada a tomar decisões informadas sobre sua saúde e a buscar cuidado precoce para a realização de testes de diagnóstico e tratamento adequados. Para o fechamento da oficina, propusemos a elaboração de uma nuvem de palavras através do site Mentimenter. A palavra predominante foi “conhecimento”, seguida por “trocas de experiências” e “informação”. Com esse recurso entendemos que, mesmo sendo uma ação pontual, houve um enriquecimento pessoal e coletivo tanto para facilitadores, quanto para os participantes. Notamos que todos tiveram a oportunidade de aprender mais sobre a temática abordada. A oficina proporcionou reflexões e empoderamento acerca do papel dos trabalhadores na vigilância em saúde para o enfrentamento da TB e HCV na comunidade carcerária. Este espaço promoveu troca de conhecimentos e experiências entre os participantes e pós-graduandos, formulação de propostas e soluções para questões específicas, estabelecimento de parcerias e redes de colaboração. Percebeu-se que os participantes que antes não se reconheciam como protagonistas da vigilância em saúde e da implementação de medidas de saúde pública, agora compreendem que fazem parte das estratégias de vigilância da TB e HCV dentro e fora das instituições prisionais de forma contínua e intersetorial para a garantia do bem-estar da população carcerária e da comunidade extramuros.