Há muitas décadas o conceito de vigilância de base comunitária (VBC) é conhecido e trabalhado em algumas áreas mais remotas, porém, com a situação pandêmica instaurada pelo COVID 19, em 2020, esta nomenclatura, enquanto estratégia se evidenciou. Esta evidência se deu, principalmente, pelos diferentes movimentos de diversos grupos sociais em prol da manutenção da saúde de suas comunidades, em especial em territórios logisticamente distintos, onde o acesso aos serviços de saúde nem sempre é viabilizado de forma simples e, entre sociedades etnicamente diversas, como povos tribais, no continente Africano e povos indígenas na América Latina. Algumas destas estratégias sendo fomentada e construída a partir, também, do apoio da Organização Mundial de Saúde. Esta aproximação e participação da sociedade civil dos processos de vigilância portanto já foi observado como estratégia capaz de trazer impactos positivos em relação a manutenção da saúde de populações e, considerando sempre o olhar da própria sociedade para seus problemas e a implementação de ações realmente eficazes voltadas a promoção da sua saúde e da prevenção de agravos. Nas fronteiras amazônicas algumas especificidades caracterizam este território como espaço importante de vigilância em saúde, como a alta rotatividade de pessoas e, também a diversidade de sistemas de saúde que regem estes lugares, pensando os distintos países que compõem estas fronteiras e como estas estão dispostas, geralmente limítrofes por uma rua ou um rio. A partir destas experiências e, ainda, pensando as especificidades instauradas nas fronteiras Amazônicas foram desenvolvidas oficinas que tinham como um dos objetivos elaborar, a partir da construção coletiva e de forma transfronteiriça, um conceito de vigilância de base comunitária e aproximar a sociedade civil, destes territórios, dos processos de vigilância considerados formais, estimulando a autonomia do cuidado e a participação nas tomadas de decisões, fortalecendo esta ideia e sua importância, também junto aos profissionais e gestores da saúde. Estas oficinas foram realizadas inloco, pensando sempre a participação dos sistemas formais de vigilância em saúde e da sociedade civil, representada de diferentes formas e, abrangendo todos os países que compunham as fronteiras integrantes do estudo. Foram desenvolvidos entre três e quatro encontros distintos, em cada área de fronteira, entre os anos de 2022 e 2023, nos municípios de Tabatinga, Oiapoque e em Saint Georges de L’Oyapok, na Guiana Francesa. A participação se dava, nos dias iniciais, em momentos separados, pensando não trazer desconfortos e ir construindo diálogos entre os grupos da sociedade civil representada e, em um segundo período com os serviços formais de vigilância, o que caracterizamos pelos profissionais e gestores que desenvolvem papéis de vigilância em saúde atribuídos pelos sistemas de saúde em cada país. No caso do Brasil tínhamos sempre, o serviço de vigilância em saúde representado pelas vigilâncias epidemiológicas, sanitária, ambiental e do trabalhador; pela atenção básica; serviços de vigilância hospitalar; Centros de Informação Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) fronteira; representantes de Casas de Saúde Indígena (CASAI) ou Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI); Laboratórios de Fronteira (LAFRON) vinculados aos Laboratórios Centrais (LACEN) dentre outros serviços que estivessem presentes nestas fronteiras; incluídos, neste caso os representantes equivalentes a estes serviços dos países vizinhos: Guiana Francesa, Peru e Colômbia. Geralmente, no último dia, após trabalhar temas e atividades comuns com os grupos em momentos distintos, nos reuníamos e buscávamos agrupar as ideias, buscando consensos e construindo aproximações conceituais necessárias para o entendimento dos processos de vigilância já instaurados nestes territórios, sejam eles no âmbito formal ou no informal – como assim acabamos por caracterizar os processos de vigilância instituídos pelas populações presentes nestes lugares e que não estavam devidamente institucionalizadas. Como resultado, tivemos o envolvimento de cerca de cem pessoas, participando das oficinas realizadas, nas fronteiras binacional (Oiapoque-Guiana Francesa) e tríplice (Tabatinga-Colombia-Peru); dentre elas representantes de diferentes espaços como quilombos, terras indígenas, colônia de pescadores, associações e cooperativas, lideranças comunitárias, conselheiros de saúde, organizações não governamentais, de todos os países; incluindo, também, neste diálogo, profissionais e gestores representantes dos serviços formais de vigilância em saúde, como explicitado anteriormente. Percebemos que o conceito de VBC não era conhecido pelo grupo com o qual trabalhamos, mas conseguimos observar que, apesar de não haver um trabalho específico e organizado, envolvendo a participação social e esta aproximação dos sistemas formais e informais, existem ações pontuais que direcionam para um potencial e necessário desenvolvimento de estratégias de VBC nestes territórios. Diferentes experiências foram relatadas ao longo das oficinas envolvendo, principalmente, momentos de epidemias como de Malária, Zika e Chikungunya, Oropouche e outros agravos foram descritos, assim como as doenças de veiculação hídrica e alimentar que tem se evidenciado em algumas comunidades específicas; ou mesmo na pandemia com a COVID 19. Como conceito construído o grupo produziu algo muito próximo do pautado pela literatura o qual orienta que “A vigilância de base comunitária e participativa em saúde é o processo contínuo de comunicação e compartilhamento de informações partindo da comunidade para a detecção, monitoramento e mapeamento de rumores e alertas de eventos de vigilância em saúde a partir da participação da sociedade civil.” É visível que o desenvolvimento do trabalho de vigilância em saúde com base apenas nos sistemas formais não dá conta dos problemas. Sem o apoio, colaboração e participação da comunidade, de maneira geral, não somente gerando rumores, mas apoiando o desenvolvimento de estratégias de implementação de ações, em um formato regulado, organizado e institucionalizado é imprescindível para buscar desvencilhar os desafios que envolvem as práticas de vigilância em saúde em regiões fronteiriças, em especial as amazônicas. O envolvimento de outros setores na formulação destas estratégias é ação pensada durante o processo de construção conceitual como suporte ao desenvolvimento de uma saúde de qualidade nestes territórios, vislumbrando as diferentes necessidades e peculiaridades que envolvem estes contextos. E isto precisa ser instituído a partir da inclusão da sociedade civil nos processos formais de vigilância, elaborando fluxos para a disseminação da informação, os quais precisam ser comunicados de maneira transfronteiriça, e elegendo pessoas chave dentro das comunidades que possam exercer este papel; neste sentido a construção conceitual foi apenas o primeiro passo para o desenvolvimento desta estratégia nestas regiões. As reflexões a partir da elaboração do conceito possibilitarão a construção destas novas estratégias de vigilância em saúde nestas fronteiras, colaborando com a melhor resposta a emergências em saúde e impactando na saúde destas populações, a partir da participação comunitária.