Entende-se que educação e saúde são setores diferentes, porém com grandes possibilidades interdisciplinares, que perpassam noções de bem estar e desenvolvimento biopsicossociais para além do que se compreende o viver e a vida dos indivíduos.
Neste contexto, o Programa Saúde na Escola (PSE) provém um marco na relação intersetorial em vários aspectos, entre eles os relacionados ao setor educação, como o próprio espaço físico da escola e a comunidade escolar (aqui representada por estudantes, seus pais e responsáveis, bem como professores, coordenadores, gestores e demais funcionários da escola), e ao setor saúde (equipes de Estratégia Saúde da Família, suas áreas comunitárias de atuação e profissionais de saúde). Tal programa objetiva a integração ensino, serviço e comunidade de modo contundente.
Para a política pública intersetorial em questão, há ações temáticas a serem realizadas nas escolas que foram pactuadas a cada biênio de sua atuação. Uma dessas ações versa sobre a promoção e avaliação de saúde bucal e aplicação tópica de flúor, que é o cerne principal deste trabalho.
Parte-se ao relato identificando o contexto no qual está inserido: o ano é 2021, nacionalmente ainda em um período de negacionismo acerca da pandemia de COVID-19, porém localmente, em Belém, Pará, iniciou-se uma gestão progressista, a qual fez diversas ações que foram diretamente de encontro ao preconizado pelo governo federal até então.
Além de organizar e promover a vacinação contra a COVID-19, a gestão municipal iniciou novas e continuou as já existentes ações de saúde, nas quais as do PSE também estavam inseridas.
No início de Abril de 2021, a Secretaria Municipal de Educação de Belém (SEMEC) recebeu cinco mil escovas e cremes dentais para ações de escovação supervisionada, via Secretaria Municipal de Saúde (SESMA), para serem distribuídos na rede municipal de ensino. Enquanto gestão do PSE no setor Educação, formou-se força tarefa para montagem de cinco mil kits de higiene bucal a partir dos insumos recebidos, além de organizar para quais escolas pactuadas os kits iriam ser distribuídos. Optou-se por distribuir em seis escolas de ensino fundamental e 14 escolas e unidades de educação infantil prioritárias por entre os oito distritos administrativos da cidade.
Com as escolas ainda em programações remotas emergenciais, a SESMA, em parceria com a SEMEC, confeccionou dois vídeos curtos para serem disparados nos grupos do aplicativo WhatsApp das escolas, a fim de orientar as práticas de escovação supervisionada, com as respectivas técnicas de escovação de modo a realizar as ações em conjunto com os responsáveis.
Por conseguinte, as 20 escolas contempladas com os kits de higiene bucal fizeram a distribuição dos mesmos. Porém, a partir da escuta das comunidades escolares, algumas escolas iniciaram projetos diretamente relacionados à temática. Iremos expôr dois deles, neste relato.
O primeiro, veio a partir de um convite para “momento de formação” junto à comunidade escolar (professoras, direção, coordenação, estudantes, pais e responsáveis) de uma Unidade de Educação Infantil. Iniciou-se, então, a articulação intersetorial, interdisciplinar e multiprofissional para que em 13 de maio de 2021, a representação do município de Belém, no setor Educação, junto à uma cirurgiã-dentista e estudantes de Odontologia convidados, pudessem interagir com a respectiva comunidade escolar de modo remoto, através do Google Meet.
No encontro online, a diretora da unidade educacional iniciou o momento com uma apresentação temática lúdica. Posteriormente, houve a explanação acerca do tema, com o uso de slides e macromodelos de boca, confeccionados com material de baixo custo (feito pelo técnico referência do PSE em conjunto com as convidadas). Abriu-se, então, dois momentos: um de perguntas e respostas por parte dos procedimentos de higiene bucal expostos; outro, específico para o corpo gestor e corpo docente, voltados à capacitação de como trabalhar a temática com os estudantes.
A partir deste momento, a professoras desta unidade educacional iniciaram um projeto voltado à escovação supervisionada pelos pais e responsáveis, através de vídeos curtos e encontros online com os mesmos, além de auxílio na confecção de “cabeças” de garrafa PET, as quais eram utilizadas como material de apoio no trabalho docente.
O segundo projeto foi estruturado inteiramente a partir das discussões da escola e comunidade escolar de outra unidade de educação infantil, em outro bairro. Nesta, através da Pedagogia de Projetos, as professoras montaram um evento de 24 a 30 de Maio de 2021, a Semana de Higiene Pessoal, dentro do Projeto “Cuidando do Meu Sorriso nas Atividades Remotas”.
Neste projeto, foram feitas acolhidas com músicas temáticas já existentes e inventadas junto com os estudantes, atividades de desenho, atividades de confecção de “dentes” e “cabeças” de garrafa PET, identificados como macromodelos com materiais de baixo custo, atividades de escovação supervisionada junto aos pais e responsáveis.
Em ambas as experiências, foi possível perceber a grande integração Escola e Comunidade, bem como a articulação entre SEMEC, SESMA e parceiros em prol da promoção da saúde bucal, no contexto do PSE. A utilização de materiais de baixo custo para a confecção de macromodelos e outros materiais de aprendizagem são resultados que remontam máximas freirianas de aprender fazendo.
Junto a isso, temos a autonomia das escolas em fazer suas próprias formas de intervenção, assumindo sua práxis pedagógica alinhada ao contexto pandêmico, de modo criativo e alternativo, são achados importantes nas concepções de integração ensino, serviço e comunidade.
Entretanto, cabe compartilhar, também, o que não correu bem neste ínterim: das 20 unidades educacionais, somente três buscaram ir além das diretrizes de SEMEC e SESMA (enviar os vídeos através do WhatsApp para as turmas que receberam os kits de higiene bucal), sendo que uma delas não fez nenhum registro, por isso não pôde participar deste relato. Sabe-se que esses tipos de intervenção tem impacto mais limitado no que diz respeito à mudança de hábitos na higiene bucal.
Neste contexto, os princípios do trabalho intersetorial, no PSE, são de difícil reconhecimento frente à usual fragmentação das ações de saúde na escola. Promover melhor comunicação e a própria educação em saúde, através de metodologias mais participativas, é fundamental para que os profissionais de ambos os setores possam trabalhar essas temáticas de modo sinérgico, alinhando, junto às necessidades da escola e sua gestão, ações posteriores e presentes na programação escolar, como no segundo exemplo do relato.