Apresentação: Neonatos e crianças de risco são definidos, pelo Ministério da Saúde brasileiro, como aqueles que por algum fator intrínseco, relacionado à gestação, nascimento, ou extrínseco, relacionado ao ambiente, possuem maior chance de um desfecho desfavorável relativo à sua saúde. Para este grupo a possibilidade de mortalidade e morbidades estão acima da média. Estes bebês de risco demandam uma atenção especial e prioritária e necessitam de um acompanhamento com maior frequência nos primeiros anos de vida, pela Atenção Primária à Saúde (APS) e por outros serviços da rede de assistência do Sistema Único de Saúde - SUS. Para as crianças atingirem seu potencial máximo de crescimento e desenvolvimento são necessários a garantia de alguns atributos denominados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018 como Nurturing Care Framework - NCF (Estrutura dos Cuidados de Criação). Trata-se de um modelo teórico organizado em cinco domínios: boa saúde, nutrição adequada, proteção de ameaças, oportunidade de aprendizagem precoce e cuidados responsivos. Portanto partimos da premissa que a continuidade de cuidados ofertada às famílias de neonatos e crianças de risco, apoiada pelo Nurturing Care Framework da OMS, poderá contribuir com a qualificação da assistência a este grupo. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi compreender como é a continuidade do cuidado, ofertada pela APS, às famílias de neonatos e crianças de risco tendo como referência o Nurturing Care Framework. Entendemos que os resultados deste estudo poderão apoiar profissionais e gestores a qualificar a oferta de cuidados direcionados às famílias de neonatos e crianças de risco. Desenvolvimento: Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética da instituição proponente sob parecer 6.430.537. Estudo qualitativo orientado pelo modelo teórico Nurturing Care Framework. O cenário foi a APS de um município do Centro-Oeste de Minas Gerais que possui uma população de aproximadamente 231.091 habitantes e um total de 43 serviços que comportam 61 equipes de Saúde da Família (eSF) e cinco equipes de Atenção Primária (eAP). Participaram da pesquisa profissionais da APS: enfermeiros, médicos, gerentes, agentes comunitários de saúde (ACS) e técnicos de enfermagem. A coleta dos dados foi realizada entre dezembro de 2023 e março de 2024 através de uma entrevista semi estruturada. As entrevistas foram transcritas na íntegra e submetidas a análise temática indutiva. Resultados: Participaram da pesquisa 95 profissionais da APS, sendo 46 enfermeiros, 02 médicos, 51 ACS, 01 técnico de enfermagem, 03 gerentes, de 36 unidades. A análise indutiva dos dados permitiu identificar as potencialidades e desafios referentes aos 5 domínios dos cuidados de criação e como se dá a continuidade do cuidado das crianças de risco na Rede de Atenção à Saúde (RAS) do município cenário. Em sua totalidade os participantes não conheciam a proposta dos Cuidados de Criação. Sobre o domínio “boa saúde” foi possível identificar dificuldades em dar seguimento ao acompanhamento das crianças que são encaminhadas aos serviços de atenção secundária, devida a ausência de contra referência, sendo em muitos casos a família a única fonte de informações sobre a situação da criança. Identificamos que a maioria dos profissionais afirmam ter um conhecimento limitado em relação às reais necessidades de saúde das famílias de sua área de abrangência, que existem casos de crianças de risco que não realizam o seguimento na APS e há dificuldade de identificar o risco como algo a ser acompanhado de forma precoce. Foi reportado que em situações específicas há falta de profissionais como fonoaudiólogo e neurologistas para atendimento das demandas das crianças e isso tem dificultado a resolutividade de alguns casos. Em contrapartida há experiências de vínculo entre os profissionais e as famílias, mostrando-se um fator que contribui para a continuidade dos cuidados. Com relação à “nutrição adequada” há relatos de dificuldade de adesão de algumas mães ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses, seja por ausência de conhecimento sobre a sua real importância ou por dificuldades pessoais em mantê-lo. Nota-se em alguns casos a ausência da profilaxia e tratamento com sulfato ferroso para crianças prematuras. A análise apontou que em situações de maior vulnerabilidade socioeconômica, há uma baixa oferta de alimentos saudáveis e nutritivos o que reflete em quadros de crianças com baixo ou elevado peso. Quanto aos “cuidados responsivos” identifica-se desafios em compreender de forma ampliada o bem-estar e o pleno desenvolvimento infantil como algo além do tratamento ou do atendimento de uma situação aguda. Os profissionais afirmam que é frequente a resistência da família em aceitar ou compreender as orientações direcionadas quando estas envolvem a prevenção e a promoção da saúde. Ademais, a sobrecarga da mulher, a baixa escolaridade dos pais e as extensas cargas horárias de trabalho destes são apresentados como questões que interferem na responsividade dos cuidados à criança. As “oportunidades de aprendizagem precoce”, são interpretadas como mais relacionadas ao aprendizado escolar. A análise aponta que o domicílio e a comunidade não foram identificados como espaços que favorecem a aprendizagem precoce. As escolas, que costumam receber a participação da equipe da APS, para ações em saúde, e as creches e os Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEIS) são mencionados como espaços de aprendizagem precoce e essenciais para atender à necessidade de pais e mães de trabalharem fora do domicílio. Há relatos também da estimulação cognitiva e motora como algo essencial desde a primeira infância, citando por exemplo a importância do serviço ofertado pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), mas há pouco aprofundamento nesses quesitos, sendo essa área identificada como algo de responsabilidade dos profissionais da atenção secundária. Por fim, sobre a “segurança e proteção”, identificamos duas principais interpretações, uma sobre o local externo aos domicílios e outra em relação à situação interna dos mesmos. Sobre as áreas externas, é posto que a maior parte das casas possuem acesso a água potável e encanada, há saneamento básico na maioria dos locais, mas as regiões mais carentes ainda enfrentam problemas com a rede de esgoto exposta. Há relatos e experiências de violência e insegurança, principalmente em relação ao tráfico de drogas, e também a ausência de espaços próprios e destinados ao lazer e à convivência comunitária. No que diz respeito à estruturação interna desses lares, não só a forma física é levada em conta, alguns entrevistados também trazem a rede de apoio como um fator essencial. Porém, quando identificam a presença de algum processo de abandono do serviço ou um problema nas condições do ambiente domiciliar, foi mencionada por alguns participantes a realização da busca ativa destas crianças e suas famílias. Considerações finais Identificamos diferentes desafios na continuidade do cuidado de crianças e neonatos de risco considerando os domínios do Nurturing Care Framework. Apesar dos participantes não conhecerem esse referencial em seu formato teórico, eles trazem experiências que reportam aos diferentes domínios considerando sua prática assistencial diária. Entre os desafios estão a ausência de referência e contrarreferência na rede assistencial, compreensão e ações limitadas dentro da aprendizagem precoce, cuidados responsivos e da segurança e proteção. Dentre as potencialidades apresentadas identificamos a constituição de vínculo dos profissionais de saúde, principalmente dos ACS, que possuem maior contato com as famílias e realizam a busca ativa incentivando a continuidade do cuidado. Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG pela concessão de financiamento (APQ-03978-22) para desenvolvimento desta pesquisa.