Apresentação:O passado segregacionista perpetuado nos discursos, nas relações colonizadas e, por vezes, no jeito de pensar do brasileiro é um problema, muitas vezes invisibilizado, pela falácia da democracia racial. Assim, existem três concepções de racismo, a individualista, a institucional e a estrutural. Na concepção individualista, o racismo é uma espécie de “patologia” ou “irracionalidade”, reprodução que reside principalmente em indivíduos racistas. Essa perspectiva enfatiza a responsabilidade individual pelos atos discriminatórios e propõe que eles devem ser combatidos por meio de leis e punições no campo jurídico. Já na concepção institucional, o racismo é um reflexo do funcionamento das estruturas e instituições de uma sociedade, estando incorporado nas políticas, práticas e normas dessa sociedade. Por fim, na concepção estrutural, o racismo é um processo político e histórico. Político porque, como processo sistêmico de discriminação que influencia a organização da sociedade, depende de poder político; caso contrário seria inviável a discriminação sistemática de grupos sociais inteiros. Histórico por ser um processo estrutural que se manifesta de forma circunstancial e específica; em conexão com as transformações sociais. Nesse sentido, realizou-se estudo e planejamento de vivências no curso de Medicina da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Passo Fundo e no Congresso Brasileiro de Educação Médico (COBEM), em Fortaleza - Ceará, como forma de proporcionar aos/às docentes e aos/às discentes de Medicina reflexão sobre situações de discriminação étnico raciais, muitas vezes invisibilizadas, silenciadas no ambiente de ensino, pesquisa e extensão, seja na universidade, nos cenários de práticas, sejam nos estágios, nos serviços com hospitais, na Unidades Básicas de Saúde, nos ambulatórios, e formas de enfrentamento e ressignificação que puderam experimentar. Desenvolvimento:A vivência “Os efeitos das discriminações étnico raciais na Medicina” foi uma atividade acadêmica realizada presencialmente, em três momentos: duas realizadas na UFFS, campus Passo Fundo, e uma vez no COBEM, no ano de 2023. Essas atividades foram realizadas no âmbito de um Projeto de Extensão: “Ações afirmativas e questões étnico raciais: diálogos entre universidades, escolas e comunidade”, que foi implementada em resposta a uma demanda dos(as) acadêmicos(as) do curso de Medicina da UFFS, campus Passo Fundo. As atividades foram realizadas com o objetivo de refletir, com os discentes, docentes e comunidade, sobre situações de discriminação étnico raciais, principalmente nas instituições médicas. No primeiro momento na UFFS, campus Passo Fundo, participaram 8 pessoas. No segundo momento, participaram 7 pessoas, entre docentes, discentes, bolsistas e voluntários do projeto de extensão. No terceiro momento, no COBEM, participaram 18 pessoas, incluindo médicos(as), enfermeiras, gestores públicos, discentes e docentes, totalizando 33 participantes. Para o desenvolvimento das atividades foi destinada uma hora de duração. Além disso, foram utilizados materiais como papéis coloridos, canetas e áudio. Com isso, antes do início da roda de conversa, foi reproduzido o trecho da música “AmarElo” do cantor Emicida que diz: “Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes. É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóiz sumir…Levanta essa cabeça.Enxugue essas lágrimas, certo?.Respira fundo e volta pro ringue. Cê vai sair dessa prisão. Cê vai atrás desse diploma…Faz isso por nóiz.Faz essa por nóiz. Te vejo no pódio..”.Essa música foi utilizada como referência porque não aborda apenas sobre a dor do racismo, mas, principalmente, conta histórias de resistências, empoderamento e sonhos das pessoas negras marginalizadas no país. Diante disso, a roda de conversa iniciou com um convite aos/ás participantes escreverem em papel uma experiência de discriminação étnico racial no ambiente de ensino médico, com 10 minutos destinados a esta estapa. Em seguida, essas escritas foram misturadas e compartilhadas, e outro/a participante foi designado/a para escrever uma solução de enfrentamento ou de ressignificação desse preconceito ou (micro)violência que pode ser implementada na prática, com 15 minutos destinados a esta outra etapa. Posteriormente, estas escritas foram embaralhadas novamente e lidas por outro/a participante, de modo que todos pudessem estar atentos/as às formas sutis de preconceitos e violências sofridas, se sensibilizando e se fortalecendo para serem agentes de mudança para uma Medicina anti racista, com 35 minutos destinados à leitura e debate sobre essas escritas. Após esta última etapa, foi realizado o encerramento com agradecimentos e opiniões dos participantes referente à experiência de ter participado desta vivência. Diante dessa vivência, é importante destacar os principais relatos de racismo, como: “Em uma situação de estágio ouvi tanto de pacientes como de médicos discursos racistas, frases, até mesmo quando era uma fofoca sobre alguém que não estava ali. Mas na semana passada, um paciente muito conversador, chamou atenção ao falar de um médico negro, dizendo que apesar de ser preto, ele era bom.”, “Me lembro quando em um processo de inscrição para o ENEM havia um campo no qual deveria informar a opção de cor. E neste momento fui confrontado por um colega no qual me disse que eu não tinha característica para tal opção. Afro-descendente.” e “A minha família buscou se “branquear” através de casamentos e conseguiram. Com isso eu escutei repetidas vezes que deveria agradecer a x pessoa por eu ser branca e ter nascido com traços bons, e não com os traços da minha mãe.” Quanto às estratégias de enfrentamento do racismo, é importante ressaltar: “Atualmente, manifestar-se nestas situações não é uma tarefa simples, pois ficamos com receio de repressão e até mesmo sofrer uma violência. Mas não podemos aceitar que estes comentários racistas se perpetuem e devemos tentar manifestar a nossa opinião, dialogando e reforçando nosso posicionamento antirracista.” e “Concientizar a população sobre o que é ser negro(a) e o quanto isso não se limita a um determinado traço facial, curvatura de fio de cabelo, tom de pele “muito” escuro, mas sim a questões socioculturais, autopercepção e experiências de vida, além de fisionomia.”. Resultados: A universidade têm sido um lugar de sofrimento racial institucional, respondente as estruturas vigentes de poder e colonização, que precisa se repensar principalmente com o ingresso de um contingente maior de estudantes negros(as) e indígenas. Os efeitos do racismo e colonialidade no cotidiano acadêmico abastecem o processo de empobrecimento sócio cultural afro-brasileiros, que produzem falta de representatividades e formas subliminares que privilegiam o pacto da branquitude, eurocêntrico, que valoriza os conhecimentos produzidos no norte do mundo, por homens brancos. Assim, esse tema é de extrema relevância para Educação Médica, uma vez que tal vivência trará reflexão sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos de Graduação de Medicina, ou seja, a formação médica preconizada no senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, permitindo a construção de acadêmicos humanizados, críticos e reflexivos. Além disso, essa vivência permitiu que profissionais sejam conscientizados/às acerca do papel no combate ao racismo, bem como da importância de sua disposição para atuar em atividades de política e de planejamento em saúde que visem o combate das discriminações que afetam diretamente a saúde da população. Por fim, o propósito de seguir as DCNs almeja incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo atitudes e valores orientados/as para a cidadania. Considerações finais:Assim, reconhecer e valorizar as múltiplas perspectivas e conhecimentos tradicionais é fundamental para construir um ambiente acadêmico e profissional inclusivo e representativo. Uma abordagem antirracista na educação e na prática médica não apenas combate o racismo estrutural, mas também melhora a qualidade do ensino e dos cuidados de saúde, garantindo que todos as comunidades sejam atendidas de maneira justa e adequada.