Apresentação: No Brasil, a Estratégia de Saúde da Família (ESF) surgiu como uma resposta às necessidades de reorganização da Atenção Básica à Saúde, buscando superar o modelo tradicional centrado na doença e na assistência curativa, e promover uma abordagem mais integral e voltada para a promoção da saúde e a prevenção de doenças. Com isso, espera-se que a Equipe Saúde da Família, que é composta por multiprofissionais, possa atuar em uma território adscrito, para desenvolver ações de promoção de saúde, prevenção de doenças, tratamento de enfermidades e reabilitação, além de acompanhar o desenvolvimento das famílias e indivíduos sob sua responsabilidade. Uma das principais características da ESF é o vínculo que se estabelece entre a equipe de saúde e a população assistida, favorecendo o conhecimento das realidades locais e a construção de uma relação de confiança e proximidade entre profissionais da saúde e usuários(as) do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso possibilita uma atuação mais efetiva e adequada às necessidades de saúde da comunidade, contribuindo para a melhoria dos indicadores de saúde e a redução das desigualdades. Nesse contexto, tem-se como objetivo, possibilitar que estudantes exerçam a prática da Visita Domiciliar (VD), através da aproximação da realidade social na formação médica e vivenciam o funcionamento do SUS nos territórios, via uma das estratégias fundamentais da Atenção Primária à Saúde, e uma prática essencial da ESF. Essa ação consiste na ida de profissionais de saúde até as residências dos(as) usuários(as), permitindo um contato mais próximo com a realidade e o contexto de vida das pessoas. Por meio da VD, é possível realizar uma avaliação mais ampla da saúde do indivíduo e de sua família, identificando não apenas as questões clínicas, mas também as sociais, econômicas e ambientais que influenciam o seu bem-estar. Assim como, a VD é uma ferramenta importante para a construção de vínculos entre os profissionais de saúde e a comunidade, favorecendo a confiança e a adesão aos tratamentos propostos. Possibilita também a identificação precoce de situações de risco e vulnerabilidade, permitindo a intervenção adequada e o encaminhamento para outros níveis de atenção em saúde quando necessário. Nesse contexto, o curso de Medicina da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Passo Fundo, no estado Rio Grande do Sul, está adotando um currículo integrado na disciplina de Saúde Coletiva, com base em metodologias ativas de aprendizagem, com o objetivo de formar profissionais com visão ampliada das necessidades de saúde da população. Esse modelo curricular pressupõe que o aprendizado ocorra a partir da experiência da prática profissional, incluindo visitas domiciliares realizadas pelos(as) acadêmicos(as). A proposta deste currículo está alinhada com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos de Graduação de Medicina, promovendo a formação médica preconizada no senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, permitindo a construção de acadêmicos humanizados, críticos e reflexivos. Desenvolvimento: Os(as) estudantes de Medicina iniciaram as visitas domiciliares como parte do currículo das disciplinas de Saúde Coletiva III e IV, que ocorreram ao longo de dois semestres. As visitas foram realizadas nas residências de famílias indicadas pelas agentes comunitárias de saúde da ESF do Bairro São Luiz Gonzaga, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Após o consentimento das famílias, o objetivo inicial foi estabelecer um vínculo, explicar a realização de visitas domiciliares quinzenais, discutir questões de saúde e aplicar questionários, elaborados pelos docentes da disciplina, e testes de saúde. No final do período de acompanhamento familiar, elaborou-se um Plano Terapêutico Singular, com o intuito de promover o cuidado individualizado de acordo com as necessidades específicas de cada família. Antes de iniciar cada visita, os(as) acadêmicos(as) foram orientados(as) a se identificar e estabelecer um vínculo com a família em acompanhamento, estendendo a atenção a todos os membros do núcleo familiar. No semestre seguinte, os(as) acadêmicos se debruçaram no estudo de como as políticas públicas estão sendo aplicadas nos territórios das suas imersões, através de instrumentos específicos . O Questionário Saúde da Mulher, incluiu perguntas para compreender as características sociodemográficas, saúde reprodutiva, menopausa e climatério, planejamento familiar e contracepção, atendimento pré-natal e assistência ao parto no ciclo gravídico-puerperal, além de questões sobre os exames preventivos de câncer de mama e colo de útero e violência contra a mulher. O Questionário Saúde do Homem abordou diversas áreas, como características sociodemográficas, vínculo empregatício, histórico de saúde, experiência com acidentes de trabalho, realização de exames preventivos de câncer de próstata, prática de autocuidado e envolvimento em situações de violência urbana, como brigas, acidentes de trânsito e violência doméstica. O Questionário Saúde do(a) Idoso(a) abordou características sociodemográficas e hábitos de vida, como alimentação, consumo de álcool e tabaco, atividade física, sono e repouso. Além disso, o instrumento avaliou a capacidade funcional e a saúde mental dos(as) idosos(as), bem como seu estado geral de saúde e/ou presença de doenças. O Questionário Assistência Farmacêutica teve como objetivo analisar quais medicamentos os pacientes estão usando, quem os prescreve, se estão utilizando fitoterápico, se praticam automedicação e se estão aderindo ao tratamento. Além disso, o instrumento observa se há polifarmácia e como ocorre a distribuição desses via SUS. O Questionário Saúde do(a) Trabalhador(a) contou com dois blocos de perguntas, as primeiras eram destinadas para a caracterização da situação empregatícia de toda a família e a renda. Outras questões apresentadas foram sobre o local de trabalho, satisfação com a equipe e como a saúde do(a) entrevistado(a) era afetada pelo ofício. Por último, aplicou-se o Questionário Saúde da Criança e do Adolescente, as perguntas foram direcionadas ao responsável em questão. As primeiras perguntas foram feitas para caracterização sociodemográfica e condições gerais de saúde. O instrumento foi direcionado para crianças com até 12 anos incompletos. Ao final deste semestre, a turma foi dividida em grupos, cada um responsável por agrupar as respostas dos questionários e apresentar os resultados para a turma, juntamente com informações sobre a Política Nacional de Saúde relacionada ao tema do questionário abordado. Resultados: A partir das VD foi possível estabelecer vínculo entre a comunidade e estudantes, surtindo neles a vivência da aproximação e da escuta qualificada e da territorialização das famílias e acesso às políticas de saúde em vigência. Nessas ocasiões foi oportunizado a todos que pudessem experimentar a relação profissional-usuário/a de forma integral , se deslocando até o local de habitação daquele a ser cuidado e se inserindo na sua realidade por inteiro. Os discentes puderam ouvir anseios e inseguranças salutares e utilizar do raciocínio clínico, a fim de conferir o melhor plano terapêutico possível aos que a eles confiaram suas necessidades. Considerações finais: Durante a formação médica, é comum que os alunos se atenham a estudar condutas clínicas e doenças que possam acometer a maior parte da população. Contudo, parte importante a ser exercitada é a capacidade de ouvir com paciência e empatia, visto que a escuta se estenderá por toda a carreira daquele futuro profissional. A atividade desenvolvida a partir das VD proporcionou exatamente isso, o exercício de se colocar na posição de outrem, com todas as suas condições sociais, culturais, econômicas, até mesmo, psicológicas e realmente aprender com isso não somente como médico(a) em formação, mas como ser humano.