A condição de “ser trabalhador” tem sido elemento central na constituição de subjetividades e identidades na sociedade capitalista. Alijadas do mundo do trabalho, pessoas com sofrimento mental foram historicamente estigmatizadas. De outro modo, a Reforma Psiquiátrica valoriza as contribuições do trabalho para a reabilitação psicossocial. O objetivo deste trabalho é compreender possíveis relações entre o trabalho e o processo de reabilitação psicossocial a partir da narrativa de pessoas com transtornos mentais graves atendidas em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O estudo descritivo envolveu a escuta ampliada de dez pessoas com sofrimento mental atendidas em CAPS do estado de Minas Gerais – Brasil. A análise de conteúdo das entrevistas resultou em cinco categorias: Trabalho precoce e impactos na escolaridade; Trabalho Adoecedor; Adoecimento e as mudanças no cotidiano; Significados do trabalho; Trabalho doméstico. A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética. O trabalho precoce com impactos na escolaridade foi relatado tanto na divisão de tempo entre o trabalho e a escola, quanto no abandono dos estudos. As trajetórias de trabalho adoecedor antes do diagnóstico revelaram a precarização do mundo do trabalho. O diagnóstico desdobrou-se em diversas dimensões da vida, especialmente no afastamento dos estudos, do trabalho e da vida social. Cotidianamente os entrevistados enfrentam efeitos colaterais de medicamentos; perda de autonomia, de independência financeira, redução da capacidade para o trabalho e de confiança. Verificou-se uma variedade de atividades laborais permeadas pelo trabalho autônomo (vendedora) e de prestação de serviços eventuais. Os (as) trabalhadores atuam no cuidado pessoal (cabeleireira/maquiadora), em cuidados com domicílio (cozinheira e jardineiro) e em atividades relacionadas à produção cultural e artística (produtor de mídias sociais, crochê, bordado e artes plásticas). Dentre os participantes temos seis aposentados (quatro por invalidez), um beneficiário do Programa Bolsa Família e um em afastamento por motivos de saúde. A produção artística e de artesanato e o trabalho doméstico também se fazem presentes. Os significados do trabalho se relacionam à complementação de renda e autonomia financeira, dignidade, satisfação pessoal e possibilidade de se manter ativo, indicando que o trabalho apresenta repercussões nas subjetividades e nas relações coletivas das pessoas com sofrimento mental. É necessário aos serviços comunitários de saúde mental tratar destes valores, expectativas e desejos, posto que estes elementos tanto podem incidir na agudização do sofrimento psíquico quanto contribuir para a reabilitação psicossocial. A amplitude dos significados do trabalho expressos pelos participantes acena para sua importância no processo de reabilitação psicossocial. Todavia, para potencializá-lo há que se investir na mitigação dos efeitos de estigmas, em qualificação profissional, sedimentação dos direitos sócio assistenciais e ampliação do poder de contratualidade das pessoas com sofrimento mental. No âmbito dos CAPS é fundamental implantar iniciativas de geração de renda com enfoque da economia solidária.