Introdução: A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entrada do usuário no Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como finalidade coordenar e ordenar o cuidado por meio do ponto de atenção principal: a Estratégia Saúde da Família (ESF). Esta visa atender a todas as necessidades, condições e questões de saúde dos seres viventes adscritos, portanto de toda a comunidade, com base na longitudinalidade e territorialidade. Diante de um modelo de saúde historicamente construído na lógica individual, pensar a atenção à saúde alicerçada na prática colaborativa e interprofissional, pode se configurar como uma importante ferramenta para a efetivação do cuidado integral. Propostas dessa natureza, revelam uma possibilidade de atuação conjunta e de forma compartilhada entre os diferentes profissionais que compõem a equipe de saúde, com o intuito de possibilitar a mobilização das mais diversas tecnologias, habilidades e conhecimentos, em prol da atenção oferecida ao usuário e da potencialização do cuidado. Destarte, há uma produção intersubjetiva de saberes que se conecta, de forma potente, entre as diferentes áreas de atuação para a edificação de um planejamento de ações e intervenções individuais e/ou coletivas. Apesar dos aspectos elencados possuírem características positivas para a organização do processo de trabalho no âmbito da APS, a colaboração entre múltiplos núcleos de saberes e práticas ainda é um desafio para os sujeitos atuantes nos serviços de saúde. Conforme a literatura, entre outros dilemas, as matrizes curriculares dos cursos de graduação em saúde apresentam propostas que não instrumentalizam adequadamente os estudantes para atender às necessidades dos cidadãos no contexto da Saúde Pública devido a experiência adquirida por meio de componentes curriculares fragmentados que dificultam a construção de ações interprofissionais, de forma articulada e com base na territorialização, conforme as orientações dos princípios e diretrizes do SUS. Em consequência desta realidade, há uma formação inadequada e os processos formativos existentes não têm dado conta de resolver esta questão. Portanto, isto pode ser elencado como uma barreira para a concretização da interprofissionalidade, sendo, deste modo, um obstáculo para a produção e promoção do cuidado integral e longitudinal no contexto da APS. Objetivo: Discutir as barreiras existentes nos processos formativos e as estratégias utilizadas no seu enfrentamento na busca da efetivação do cuidado integral na APS sob a perspectiva da interprofissionalidade. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória e de campo com investigação pautada no materialismo histórico-estrutural-dialético. O campo de estudo foi um município de pequeno porte localizado na Região de Saúde Centro-Leste do Estado da Bahia. Participaram da pesquisa 18 pessoas, sendo estas trabalhadoras da Equipe de Saúde da Família e da equipe multiprofissional. Como critério de inclusão, estabeleceu que participariam aqueles que prestassem serviços na localidade pelo período mínimo de seis meses. Utilizou-se como técnica para a produção de dados uma entrevista semiestruturada que foi aplicada após o convite e assinatura do participante no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para análise dos dados, guiou-se pela Análise Temática. Inicialmente, com o intuito de organizar os dados, as entrevistas que foram gravadas em um IPhone 11 foram transcritas de forma literal associada a leitura flutuante e exaustiva do material na busca de sentidos e significados. Por conseguinte, reuniu-se os sentidos em núcleos e formou-se uma categoria empírica “Barreiras e estratégias na formação profissional para o cuidado interprofissional”. Após isso, houve o tratamento dos resultados em um instrumento denominado Trilha Interpretativa, construída em uma planilha que teve como finalidade a interpretação dos dados mediante a elaboração de uma síntese horizontal. Observou-se as convergências, divergências, diferenças e complementaridades das falas dos entrevistados e em seguida as informações foram correlacionadas com o referencial teórico da pesquisa. Este estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado da Bahia, por meio do parecer consubstanciado no CAAE 72938923.7.0000.0057. Ademais, foram seguidas as normas éticas de pesquisa com seres humanos, conforme as Resoluções nº 466 de 2012 e nº 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde. Resultados e Discussão: Comumente os profissionais de saúde assumem suas funções no SUS alicerçados por uma formação uniprofissional, direcionada pelo modelo biomédico, a qual se constitui com consultas individuais e sem intervenções articuladas com outros trabalhadores. Esta prática reflete de forma negativa na integralidade e na resolutividade do cuidado, sobretudo pelo fato da equipe não dispor em seu cotidiano de ferramentas e estratégias apreendidas previamente para atuar de forma conjunta em razão de uma matriz curricular que não oferta esta possibilidade na maioria dos cursos de graduação deste campo específico. Isso se transforma em um obstáculo para a efetivação do trabalho interprofissional e dificulta a execução das atividades direcionadas de acordo com a clínica ampliada, bem como a concretização das diversas políticas de saúde existentes no SUS. Nas entrevistas, os trabalhadores revelarem que há o afastamento entre alguns núcleos de saberes em detrimento do poder estabelecido pela figura do médico consolidada na centralidade das ações. Isso revela que apenas a característica multiprofissional não supre as demandas e necessidades que atravessam o contexto da APS, portanto é fundamental que haja a interprofissionalidade para que a produção e continuidade do cuidado sejam garantidas. À vista disso, um dos caminhos para o fortalecimento e qualificação do trabalho no SUS se dá através da reorientação do aprendizado em serviço. Posto isso, a Educação Permanente em Saúde (EPS) e a Educação Interprofissional (EIP), se destacam enquanto estratégias para dirimir a fragmentação do cuidado, visto que ambas contribuem para o aprimoramento do processo de trabalho por meio da produção de saberes compartilhados e o rompimento da desintegração do cuidado em saúde. A EPS, enquanto política do SUS e ordenadora para a qualificação coletiva, favorece a formação contínua no trabalho em saúde através da partilha e interação entre os atores que o compõem, e respeita a lógica do trabalho, do cotidiano de cada trabalhador. Em consonância a isto, a EIP objetiva que membros de duas ou mais profissões da mesma equipe de saúde intervenham conjuntamente e de forma interativa em prol da qualidade do serviço oferecido aos usuários e da resolutividade do cuidado, deste modo, a EPS se configura como um instrumento para EIP. Diante disso, a inserção de ambos os modelos no contexto do trabalho em saúde pode ser uma estratégia eficaz para a ruptura do cuidado uniprofissional e fragmentado que circunda a atuação na APS e contribuir para um processo de trabalho coeso, integral, longitudinal e resolutivo. Conclusão: Compreender as demandas desencadeadas por uma formação profissional alicerçada pelo modelo biomédico pode corroborar para a superação de algumas barreiras para a condução do trabalho na APS e fortalecer a comunicação entre os trabalhadores do serviço. Portanto, a qualificação da equipe com um olhar na EIP e com ações voltadas na EPS expressam o compromisso com a transformação das práticas de saúde no contexto do SUS através do enfrentamento da histórica fragmentação do trabalho em saúde e predomínio do saber biomédico. Tendo em vista as contribuições do trabalho pautado na interprofissionalidade, é importante a realização de pesquisas em prol de identificação dos entraves que transitam a formação profissional dos trabalhadores da saúde como forma de incentivar discussões e ações voltadas para dirimir esses obstáculos, favorecer o trabalho colaborativo e, por conseguinte, fortalecer o sistema de saúde público.