Introdução: O câncer de colo uterino é uma das mais neoplasias mais frequentes e uma das principais causas de mortalidade entre as mulheres em todo mundo. O rastreamento do câncer de colo uterino é uma ação da saúde pública no Brasil que envolve a detecção precoce das alterações precursoras causadas pelos tipos oncogênicos do Papilomavírus Humano (HPV). Apesar do programa de rastreio, cerca de 80% dos casos são diagnosticados tardiamente, gerando impacto na vida das pessoas e nos serviços e sistemas e saúde. Esse resultado é uma consequência multifatorial causada pela dificuldade de acesso e adesão aos programas de rastreio/controle da doença por questões culturais, financeiras e geográficas, bem como redução de trabalhadores da assistência e diagnóstico, precarização dos trabalhos, baixa capilaridade dos programas e deficiência na educação em saúde, que beneficiaria tanto os usuários, como os trabalhadores. No Brasil, o controle da doença é realizado conforme as diretrizes do Ministério da Saúde (MS), que inclui o exame citopatológico para identificação de casos suspeitos ou positivos para lesão intraepitelial e malignidade, com seguimento para colposcopia com biópsia ou exérese em casos mais avançados. A abordagem citopatológica, que compreende a etapa inicial de atendimento às mulheres, apesar da eficácia no controle da neoplasia, foi alvo de críticas devido às taxas de diagnósticos falso-negativos. Em 2023, o MS, acompanhando a atualização internacional da recomendação para erradicação do câncer de colo uterino, lançou a proposta de incorporar o teste molecular de HPV no programa de controle e prevenção da doença. Permanecem como desafio, para o setor da saúde e para a população, o acesso e a adesão ao programa de prevenção e controle do câncer do colo uterino para garantir tratamento adequado às pessoas com diagnóstico de HPV ou lesões precursoras do câncer.
Objetivo: Analisar a estratégia do Ministério da Saúde (MS) quanto à prevenção e eliminação do câncer do colo uterino no Brasil.
Metodologia: Revisão narrativa com enfoque crítico. As referências foram levantadas em abril/2024, sendo selecionados artigos e documentos em Português, publicados entre 2016 e 2024. Foram utilizados os termos: câncer de colo uterino, exame citopatológico, teste de HPV-DNA e teste molecular RT-PCR. As buscas ocorreram em bases de dados bibliográficas de acesso livre: Google Acadêmico, Scielo e Portal de Periódicos da CAPES. Os resultados permitiram pensar criticamente sobre a detecção precoce do câncer de colo uterino, considerando as novas estratégias do MS.
Desenvolvimento: O exame citopatológico, desde a sua implantação no programa de rastreio das lesões precursoras do câncer de colo uterino, colaborou com a qualidade de vida e o acesso das mulheres aos serviços de saúde. O sucesso diagnóstico está associado à coleta do material e variabilidade na interpretação citomorfológica durante a análise microscópica. Trata-se de uma rotina de trabalho que exige concentração para identificar critérios de atipias nas células anormais presentes na lâmina. Em 2023, o MS lançou a Estratégia Nacional de Eliminação do Câncer do Colo de Útero, ampliando, com essa medida, o Projeto “Útero é Vida”, resultado da cooperação entre a secretaria de Saúde de Pernambuco e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), para todo o Brasil. Além do incentivo à vacinação contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do HPV, indicada para meninas e meninos de 9 a 14 anos de idade, o MS disponibilizará, pelo SUS, a inclusão do teste molecular para detecção do HPV, principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de colo uterino, em substituição ao teste citopatológico. O rastreio será realizado pelo teste RT-PCR, um teste molecular mais eficaz para identificação do HPV-DNA. Em caso de resultado positivo, a confirmação deve ser realizada pelo exame citopatológico com encaminhamento para tratamentos específicos. Em caso de resultado negativo, o teste deve ser repetido em cinco anos. Essa mudança está prevista para que ocorra nas dependências do SUS, após observação de testes pilotos em Recife (Pernambuco). O teste é capaz de detectar cepas de HPV de alto risco, que causam quase todos os tipos de câncer de colo uterino. Essa técnica é objetiva e não abre margem para dúvidas no processo de interpretação dos resultados, como pode ocorrer com o exame citopatológico, que é observador-dependente. A coleta da amostra para o teste é semelhante à coleta de citologia, porém o teste HPV-DNA previne mais pré-cânceres e cânceres do que a inspeção visual ou o exame citopatológico, sendo, nesse caso, mais custo-efetivo. A amostra poderá ser coletada por profissionais de saúde, bem como pelas próprias pessoas. Em algumas situações, as mulheres se sentem mais confortáveis fazendo a própria coleta, em casa. Nesse caso, precisam receber orientações adequadas para realizarem adequadamente o processo de coleta e conservação da amostra. A estratégia parece promissora. Cabe, porém, entender o câncer de colo uterino como uma doença multifatorial, que extrapola, portanto, uma compreensão apenas biologicista. Essa patologia permanece há décadas sendo um problema de saúde pública não apenas pela relação entre vírus e corpo, mas pela vulnerabilidade e problemas de estruturação dos serviços de saúde que potencializam o adoecimento. Além disso, as mudanças na rotina e nos fluxos de atendimento exigem capacitação dos profissionais de saúde na perspectiva da educação em saúde. Esse processo também deve viabilizar a participação da população para que possa ser orientada quanto a autocoleta, caso contrário, as amostras podem ser perdidas. A nova estratégia também deve priorizar a adesão ao programa de rastreio e controle do câncer de colo uterino, superando dificuldades culturais e sociais e barreiras geográficas. Deve-se também manter como preocupação a qualificação profissional para o desempenho das atividades durante as etapas de trabalho e o adequado seguimento dos casos positivos para HPV.
Conclusão: O desafio com a nova estratégia de rastreio permanece superar a baixa cobertura da testagem registrada com o exame citopatológico, bem como garantir eficácia no diagnóstico de alterações causadas por HPV com a implantação da nova ferramenta de trabalho de trabalho, superando as falhas da técnica citopatológica. As mudanças também devem qualificar os serviços da Atenção Básica, que permanece ordenadora do cuidado e porta de entrada ao SUS. A gestão do cuidado deve incluir um arranjo tecnológico que inclui mais escuta, mais acesso aos recursos de diagnósticos, com pontos de coleta complementares para atender as diversidades culturais e territoriais, diminuindo dificuldades de deslocamento com risco de atraso ao acesso, diagnóstico e cuidado.