A formação médica com a incorporação de conteúdos inerentes à saúde coletiva, políticas públicas de saúde e Sistema Único de Saúde (SUS), além de ser uma determinação da Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Medicina (DCN), é de extrema relevância na perspectiva de inserir no mercado de trabalho profissionais capazes de lidar com os complexos problemas da população brasileira. Na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB, o curso de Medicina, iniciado em 2009, passou por mudanças estruturais em 2011, no intuito de se adequar às DCN, sendo o Projeto Pedagógico do Curso revisado. A partir disso, em todos os anos do curso tem se empregado metodologias ativas de ensino- aprendizagem, como problematização, aprendizagem baseado em problemas e simulações. Os conteúdos especificamente voltados à saúde coletiva são abordados nos módulos Práticas de Integraçãode Ensino Serviço Comunidade (PIESC) I, II, III e IV, compreendendo os quatro primeiros anos; estes módulos são desenvolvidos em unidades básicas com equipes de saúde da família. Depois disso, já no sexto e último ano do curso, os discentes retornam a essas unidades para realizar o Estágio Curricular Supervisionado em Saúde Coletiva (Internato de Saúde Coletiva). Sendo assim, o objetivo deste trabalho é relatar a experiência do Internato de Saúde Coletiva no curso de graduação em Medicina, UESB, campus Jequié-BA, de 2021até o presente momento.
O módulo tem carga horária total de 420h (360h práticas, 60h teóricas), para uma turma de até 30 alunos que estão divididos em grupos de, no máximo, cinco discentes; os grupos cumprem a carga horária de oito horas diárias em oito semanas ininterruptas. Depois de 2021 a quantidade de docentes foi aumentando, o que permitiu mudanças no formato do módulo; atualmente são quatro (três médicos e uma enfermeira). O objetivo geral é o conhecimento de temas relevantes para a saúde coletiva e o treino de habilidades específicas da medicina na atenção primária; sendo os conteúdos organizados em: gestão em saúde, saúde do adulto, saúde da criança e mulher. Cada discente realiza o estágio em uma unidade específica e são acompanhados pelos médicos das próprias unidades que assumem o papel de preceptores. Osdocentes também estão periodicamente nas unidades realizando supervisão de todas as atividades práticas desenvolvidas. Em sala de aula, na universidade, são realizadas atividades teóricas. Os recursos e técnicas empregados são, principalmente: problematização, a partir da vivência dos discentes nas unidades; teorização das temáticas motivadas por questões norteadoras; estudos de caso com aplicação da medicina baseada em evidências, fazendo a relação com publicações científicas de interesse; discussão de vídeos afins; participação em espaços de controle social como os conselhos e conferências de saúde; participação em instâncias gestoras como a Comissão Intergestores Regional; visitas técnicas a unidades de saúde de atenção especializada. As avaliaçõessão diversificadas, individuais e incluem: avaliação formativa, que é realizada de maneira processual com critérios pré-estabelecidosindo desde o relacionamento interpessoal até, por exemplo, proatividade; avaliação cognitiva, em formato de prova, na qual são utilizadas e referenciadas questões de residência, da área de medicina preventiva; apresentação da Análise da Situação de Saúde do território adscrito à unidade, realizado com relatórios dos sistemas de informação disponíveis, especialmente o e-SUS APS-PEC; Estudos de Casos reais, de usuários atendidos nas unidades de saúde; Check List, que corresponde a uma descrição de atividades ligadas à gestão e à gerência da unidade; resenha de seriado relativo a atenção básica, com foco na atuação do profissional médico.
Um dos grandes diferenciais deste internato é que foi planejado e está sendo conduzido de forma a não restringir o discente ao consultório médico da unidade;ao contrário, ele realiza atividades que são de competência de toda a equipe e se insere na educação em saúde, atendimentos domiciliares, análise de indicadores de saúde, reuniões de equipe, dentre outros. Para além da unidade de estágio, o discente tem a possibilidade de compreender a rede de atenção à saúde e os pontos cruciais da gestão municipal e regional. Além disso, os problemas de sáude são debatidos em momentos de discussão teórica sob o escopo da epidemiologia clínica, com interpretação de artigos científicos e debates embasados em revisões sistemáticas e conceitos de medicina baseada em evidência. Durante a maioria do tempo, os discentes estão nas atividades práticas, e essas são otimizadas porque compreende-se que todas as vivências são matéria-prima para as teorizações, isto é, para a articulação teoria e prática que é mediada pelo professor. Ressalta-se ainda que neste módulo as avaliações são oportunidades de aprendizado. Para tanto, são realizados os devidos feedbacks, momentos onde são discutimos em detalhes os resultados das avaliações, com uma linguagem clara e direta com os discentes. Aproveita-se ainda para realizar a avaliação em todos os sentidos: auto-avaliação, avaliação interpares, do docente para o aluno, e do aluno para o docente. Com isto, tem-se verificadoque os discentes apresentam bastante interesse pelo módulo, cumprem com as atividades previstas e principalmente estão incorporando os conteúdos de forma significativa. Este retorno positivo também é observado nos egressos do curso que no cotidiano de trabalho tem informado aos discentes a adesão de práticas que foram apreendidas durante o internato.
Sabe-se que, no geral, a formação médica com a incorporação de conteúdos inerentes à saúde coletiva tem sido um grande desafio. Em muitas instituições estes temas são transmitidos como um modelo bancário, apenas para atender ao disposto nas DCN. Contudo, na UESB, campus de Jequié-Ba, é notório que o formato do Internato de Saúde Coletiva, que considera a os docentes como mediadores de aprendizagem e a utilização de metodologias ativas, tem levadoos discentes a cumprirem as etapas do processo de aprendizagem, ou seja, além de realizar as alterações cognitivas, mudam comportamentos e demonstram práticas compatíveis com o conteúdo apreendido.