APRESENTAÇÃO:
O Sistema Único de Saúde (SUS) está pautado em três grandes diretrizes: a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade. A integralidade preconiza o atendimento integral aos cidadãos, considerando as múltiplas dimensões que envolvem a saúde. Nesse sentido, a interdisciplinaridade é apontada como uma abordagem essencial para a efetivação da integralidade no cuidado em saúde. É a partir da interdisciplinaridade que se permite a integração de diferentes saberes e práticas profissionais, possibilitando uma compreensão mais ampla e contextualizada dos problemas de saúde.
A interdisciplinaridade é o encontro de diferentes disciplinas para a construção de um novo saber. Em saúde, refere-se a uma abordagem que envolve a integração de diferentes áreas do conhecimento no contexto da assistência à saúde. Essa prática visa superar a fragmentação e a visão unidisciplinar, promovendo uma compreensão mais ampla e integrada dos problemas de saúde e das necessidades dos pacientes.
No contexto do atendimento à infância e adolescência, é essencial considerar não apenas aspectos relacionados à saúde de maneira ampla, mas também observar as normativas legais que regem o atendimento a esse grupo específico. Isso implica, frequentemente, na integralidade. O que caracteriza a interdisciplinaridade, neste caso, é a cooperação, a comunicação entre diferentes áreas e, sobretudo, a capacidade de adaptar conceitos e metodologias de pesquisa, visando alcançar um equilíbrio mais abrangente de abordagens.
Atualmente, o trabalho em saúde mental para crianças e adolescentes demonstra necessidade de tornar-se mais abrangente a partir de um olhar que ultrapassa a análise restrita do mundo psíquico do paciente. Contudo, alguns estudos apontam o trabalho em equipe como uma das principais dificuldades no trabalho da Psicologia com crianças e adolescentes, bem como as discrepâncias entre a teoria e a prática do trabalho interdisciplinar.
A partir dos pressupostos apresentados, a justificativa para este trabalho reside na necessidade premente de aprimorar a qualidade do cuidado oferecido a crianças e adolescentes no contexto da saúde pública. A infância e adolescência representam períodos críticos de desenvolvimento, nos quais intervenções eficazes podem ter um impacto significativo no bem-estar futuro desses indivíduos. No entanto, para garantir um cuidado abrangente e eficiente, é essencial adotar uma abordagem interdisciplinar que integre diferentes perspectivas e expertises. O presente estudo surge como um recorte de discussões realizadas no GrUBRNA (Grupo de Pesquisa e Intervenção à Juventude e Coletivos Periurbanos), grupo interinstitucional da Universidade Franciscana (UFN) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O objetivo deste estudo é, portanto, discutir a interdisciplinaridade no contexto da saúde mental de crianças e adolescentes, bem como seus benefícios e desafios no contexto do SUS.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO:
Este estudo adotou uma abordagem de revisão narrativa com o objetivo de explorar e analisar um amplo espectro de estudos relacionados à interdisciplinaridade no cuidado à saúde mental de crianças e adolescentes. A escolha por uma revisão narrativa foi motivada pela necessidade de abranger uma variedade de estudos e perspectivas, permitindo uma análise mais abrangente e aprofundada do tema em questão.
Inicialmente, realizou-se uma busca da literatura, incluindo bases de dados eletrônicas, periódicos científicos e outras fontes relevantes por meio dos termos e palavras chaves “interdisciplinaridade”, “saúde”, “saúde mental”, “infância” e “adolescência”. Os critérios de inclusão foram definidos de forma a garantir a seleção de estudos que abordassem diretamente a interdisciplinaridade no contexto do cuidado à saúde de crianças e adolescentes. Além disso, foram considerados estudos publicados em português, inglês e espanhol, sem restrição quanto ao ano de publicação.
Durante o processo de revisão narrativa, foram identificadas lacunas e desafios na literatura existente, bem como tendências e áreas promissoras para futuras pesquisas. Essas observações foram incorporadas ao desenvolvimento do trabalho.
RESULTADOS:
Os estudos analisados apontam para uma variedade de benefícios e importâncias da interdisciplinaridade. Em primeiro lugar, um dos fatores citados é a possibilidade da discussão de casos e da contribuição de colegas para situações que fogem à especialidade de determinado profissional.
Para o trabalho com crianças e adolescentes, alguns estudos identificaram que há maior possibilidade de atuação interdisciplinar do que com outros públicos, sendo essa uma vantagem para a atuação integral na saúde. Na maioria dos participantes das pesquisas selecionadas, houve uma atribuição de sentimentos de valorização e satisfação diante do trabalho em equipe.
Entretanto, os estudos ressaltaram também diversos desafios para a interdisciplinaridade no cuidado de crianças e adolescentes. Inicialmente, alguns autores alertam sobre a interpretação equivocada de interdisciplinaridade como mera junção de profissionais diferentes. A literatura ressalta a necessidade de haver uma finalidade específica e a presença do diálogo para o trabalho em equipe na função de construir um novo conhecimento e não apenas compreender o objeto sob múltiplos olhares.
Nesse sentido, muitos profissionais carecem do entendimento teórico da interdisciplinaridade, tornando essa postura de trabalho ainda mais difícil na prática. A confusão entre papéis e atuações de diferentes profissionais da saúde também é um fator que surge como desafio para implementação efetiva da interdisciplinaridade.
Por fim, há também limites institucionais para a articulação entre profissionais. Ainda existe uma falta de espaços institucionais para a promoção da interação entre diferentes áreas da saúde de forma a superar a mera discussão de caso pontual e fragmentada. Dessa forma, ainda são enfrentados obstáculos na efetivação da abordagem de atendimento integral aos jovens, com uma equipe interdisciplinar devidamente preparada para esse propósito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O presente trabalho destaca a importância da interdisciplinaridade no contexto da saúde mental de crianças e adolescentes, visando aprimorar a qualidade do cuidado oferecido a essa população no âmbito do SUS. A partir desta pesquisa, compreendeu-se que a interdisciplinaridade possibilita a integração de diferentes saberes e práticas profissionais, promovendo uma compreensão mais ampla e contextualizada dos problemas de saúde enfrentados por crianças e adolescentes. No entanto, apesar dos benefícios evidentes, o trabalho interdisciplinar também enfrenta desafios significativos.
Os estudos revisados destacam a necessidade de uma compreensão teórica sólida da interdisciplinaridade por parte dos profissionais de saúde, bem como a importância de espaços institucionais adequados para promover a interação entre diferentes áreas. Além disso, a confusão de papéis e atuações, juntamente com limites institucionais, podem dificultar a implementação efetiva da interdisciplinaridade.
Diante desses desafios, é essencial investir em estratégias que promovam a capacitação e a formação interdisciplinar dos profissionais de saúde, bem como a criação de espaços institucionais propícios para a colaboração entre diferentes áreas. Somente assim será possível superar as barreiras existentes e garantir um atendimento integral e de qualidade para crianças e adolescentes no contexto do SUS.
Além disso, estudos que explorem os efeitos das políticas públicas e estratégias organizacionais na facilitação ou impedimento do trabalho interdisciplinar podem fornecer insights valiosos para informar práticas futuras. Portanto, embora este estudo tenha contribuído para ampliar a compreensão sobre a interdisciplinaridade no cuidado à saúde mental de crianças e adolescentes, há espaço para pesquisas adicionais que abordem essas limitações e avancem o conhecimento nessa área crucial da saúde pública.
Portanto, conclui-se que a interdisciplinaridade desempenha um papel crucial na promoção da saúde mental de crianças e adolescentes, embora ainda represente um desafio nas redes públicas de saúde. Assim, faz-se necessária a discussão e elaboração de sugestões para o aprimoramento de tais fragilidades na interdisciplinaridade, de forma a aperfeiçoar o cuidado oferecido a essa população tão vulnerável e de extrema importância para o futuro da sociedade.