Apresentação:
O período gestacional representa uma fase única na vida de uma mulher, repleta de mudanças físicas, emocionais e psicológicas significativas. Desde as transformações hormonais até as expectativas sociais e culturais, a gravidez é caracterizada por uma complexa interação de fatores que podem influenciar o bem-estar emocional e psicológico da mulher. Neste contexto, a gestação emerge como um período de grande vulnerabilidade, onde as mulheres enfrentam uma série de desafios que podem afetar sua saúde mental e emocional. Mudanças físicas, como flutuações hormonais, juntamente com pressões sociais, preocupações com o futuro e relações interpessoais, contribuem para essa vulnerabilidade, tornando essencial uma compreensão profunda dos aspectos psicológicos envolvidos durante a gestação.
Durante o período gestacional, há também um estado de vulnerabilidade aumentado em relação à violência devido a uma série de fatores interligados. Primeiramente, as pressões sociais e culturais sobre as mulheres durante a gestação podem aumentar sua vulnerabilidade à violência. Expectativas tradicionais sobre a maternidade e o papel da mulher como cuidadora podem limitar a capacidade das mulheres de expressar suas necessidades, estabelecer limites saudáveis e buscar ajuda quando necessário. Essas normas sociais muitas vezes perpetuam dinâmicas de poder desiguais e podem reforçar comportamentos abusivos por parte de parceiros, familiares ou até mesmo profissionais de saúde.
Outro fator que contribui para a vulnerabilidade das mulheres à violência durante a gravidez é a dependência econômica e emocional. Muitas mulheres podem se encontrar em situações em que são financeiramente dependentes de parceiros ou familiares, o que pode torná-las mais propensas a tolerar ou permanecer em relacionamentos abusivos por medo de retaliação ou perda de apoio financeiro. Além disso, o medo de prejudicar o bebê ou de enfrentar estigma social pode levar as mulheres a permanecerem em situações de abuso, mesmo quando reconhecem a necessidade de sair.
Em especial, a violência obstétrica é uma forma específica de violência contra as gestantes, caracterizada por práticas abusivas, desrespeitosas ou negligentes por parte de profissionais de saúde. Isso pode incluir falta de informação, procedimentos médicos desnecessários e pressões durante o pré-natal, parto e pós-parto. Além de comprometer o bem-estar físico das mulheres, a violência obstétrica também tem sérias implicações para sua saúde mental e emocional.
Atualmente, há uma grande amplitude demonstrada por estudos nacionais sobre a prevalência da violência obstétrica, variando de variando de 25% a 62,% para mulheres de parto, e de 8% a 54% para mulheres em situação de aborto. Nesse contexto, a importância de estudar o impacto da violência obstétrica na psicologia não pode ser subestimada. Embora a violência doméstica tenha sido extensivamente pesquisada dentro da Psicologia, há uma lacuna significativa no entendimento dos efeitos específicos da violência obstétrica sobre o bem-estar psicológico das mulheres. Esta lacuna é preocupante, dada a prevalência da violência obstétrica e suas implicações de longo prazo para a saúde mental e emocional das mulheres. Assim, explorar essa dimensão negligenciada da violência de gênero é crucial para informar políticas, práticas clínicas e intervenções psicológicas destinadas a proteger e promover o bem-estar das mulheres durante a gestação. É com base no exposto que o presente estudo surge - como um recorte de discussões realizadas no GrUBRNA (Grupo de Pesquisa e Intervenção à Juventude e Coletivos Periurbanos), grupo interinstitucional da Universidade Franciscana (UFN) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) -, e com objetivo discutir o impacto psicológico da violência obstétrica durante o período gestacional.
Desenvolvimento do Trabalho:
O presente estudo classifica-se como uma pesquisa de revisão integrativa de literatura, que possui uma abordagem metodológica ampla, permitindo a inclusão de estudos experimentais e não-experimentais para uma compreensão completa do fenômeno analisado.
A coleta de dados foi efetuada nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PubMed. Os critérios de inclusão foram: artigos e textos disponíveis na íntegra e gratuitos em português e inglês, utilizando-se dos descritores: psicologia, gestantes e violência obstétrica, bem como o operador booleano AND. Assim, excluiu-se trabalhos que estavam fora da temática proposta por esta revisão e que haviam sido publicados há mais de 5 anos.
No total, foram encontrados 75 estudos sendo que destes, 61 foram excluídos por não corresponderem aos critérios de inclusão ou não atenderem ao escopo do presente estudo, sendo ainda retirado 1 material que estava duplicado. Ademais, 5 estudos foram selecionados por meio de título e resumo e 8 selecionados para realizar a leitura na íntegra. Por fim, foram incluídos 7 artigos para a presente revisão.
Resultados:
Os resultados da revisão integrativa sobre o impacto psicológico da violência obstétrica durante o período gestacional destacam a falta de conhecimento sobre o termo "violência obstétrica" e sua relação com as experiências negativas das mulheres. Muitas participantes não associaram suas vivências, como prolongamento de jejum ou invasão de privacidade por tecnologias médicas, com o conceito legal de violência obstétrica. Esta falta de consciência pode criar barreiras à identificação e denúncia das práticas abusivas durante a gestação, parto e pós-parto, dificultando a proteção dos direitos reprodutivos e o acesso à assistência adequada.
Ademais, a violência obstétrica pode ter implicações profundas no vínculo mãe-bebê e no desenvolvimento da criança até a idade adulta. O trauma causado pela falta de respeito, autonomia e dignidade durante o parto pode afetar negativamente a relação inicial entre mãe e filho. Essa ruptura no vínculo pode prejudicar o desenvolvimento emocional e social da criança, influenciando sua capacidade de estabelecer relações saudáveis e lidar com desafios ao longo da vida.
Estudos indicam que crianças que foram expostas a experiências traumáticas durante o nascimento têm maior probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental, comportamentais e de relacionamento na infância e na vida adulta. O ambiente familiar e as interações precoces entre mãe e filho desempenham um papel crucial no desenvolvimento infantil, e a violência obstétrica pode comprometer esse ambiente de cuidado e proteção.
Considerações finais:
O estudo buscou investigar, a partir da revisão integrativa da literatura, o impacto da violência obstétrica durante o período gestacional. Pôde-se perceber como a violência obstétrica experienciada possui relação à posteriori com a maternagem e tudo que a envolve. Além disso, notou-se que a violência obstétrica ainda é um assunto de pouco conhecimento para uma parcela significativa de mulheres e pessoas que gestam, e que acontece com grande recorrência no Brasil. A falta de conhecimento e conscientização pode perpetuar um ciclo de violações dos direitos reprodutivos das mulheres, comprometendo não apenas sua saúde física e psicológica, mas também o bem-estar emocional e desenvolvimento futuro de seus filhos.
Dessa forma, o estudo se mostra relevante ao abordar tal temática e abrir caminhos para se pensar, falar e discutir possíveis alternativas para atenuar tal mazela. Nesse sentido, pode-se destacar também que ao abordar sobre a violência obstétrica, pode-se falar também sobre o direito das mulheres e pensar em maneiras de tornar mães e futuras mães conscientes dos mesmos para reivindicá-los. Cabe destacar também que outras questões que transcendem o escopo do estudo, merecem futuras pesquisas como a relação de ser mãe e mulher com a violência obstétrica, e a violência obstétrica em casos onde a pessoa que gestante não se enquadra como mulher-cis.