Apresentação: Fasciíte necrotizante (FN) é um quadro raro de infecção bacteriana de partes moles, de rápida evolução, associado à trombose vascular local e necrose tecidual extensa. Acomete sobretudo fáscia e subcutâneo, poupando inicialmente as camadas superficiais da pele, muitas vezes, dificultando o diagnóstico. O processo inflamatório necrotizante agudo afeta, a princípio, o tecido subcutâneo profundo e a fáscia. Os tecidos mais superficiais e a pele são acometidos secundariamente, em decorrência da lesão vascular, trombose e isquemia - resultantes da ação das citocinas pró-inflamatórias, proteinases e endotelinas. A FN acomete adultos e idosos e, em seu estágio inicial, apresenta-se como uma infecção superfcial das partes moles, como celulite ou erisipela. Na continuação, manifesta-se com dor intensa, edema grave e rápida progressão, com ausência de resposta a antibioticoterapia isolada, dificultando também o diagnóstico clínico. O uso da terapia com Papaína associada aos ácidos graxos essenciais (AGE) tem grande relevância no tratamento de feridas complexas, sendo efetivo no manejo das lesões provocadas pela Fasciíte Necrotizante. A Papaína é uma enzima proteolítica presente no látex do vegetal Caricapapaya (mamão-papaia), com ação bactericida, bacteriostática e anti-inflamatória, assim, estimula o crescimento tecidual uniforme, promove o desbridamento enzimático do tecido necrótico e diminui a formação de queloides. A mesma tem indicação no tratamento de úlceras abertas, infectadas e no desbridamento de tecidos desvitalizados ou necróticos em diferentes concentrações conforme o ferimento. Para a úlcera necrótica, deve ser utilizada a papaína a 10%, em casos com exsudato purulento, de 4 a 6% e 2% em tecido de granulação. Os Ácidos Graxos Essenciais (AGE) são necessários para manter a integridade da pele e barreira de água, não são sintetizados pelo organismo, não há contraindicação de uso concomitante com outras coberturas, pode ser aplicado diretamente no leito da úlcera ou em gaze para manter meio úmido até a próxima troca. Embora sua aplicação não seja complexa, o conhecimento adequado do seu mecanismo de ação e das suas principais indicações podem otimizar e racionalizar seu uso, levando a resultados mais efetivos e colaborando para melhorar a qualidade de vida dos
usuários. O objetivo é apresentar um relato de caso do manejo de um portador de lesão do tipo Fasciíte Necrotizante por obstrução arterial, após o uso da cobertura tópica com Papaína em diferentes concentrações conforme a evolução da lesão, associada aos Ácidos Graxos Essenciais em gaze de Rayon. Metodologia: Estudo tipo relato de caso, descritivo e documental, realizado no município de Lagoa Bonita do Sul/RS, com início em janeiro de 2024. As avaliações e os curativos da lesão e os registros fotográficos foram realizados semanalmente na Estratégia da Saúde da Família ESF1 Centro, até a atual situação da lesão, garantindo assim um maior conforto e vínculo ao paciente. Resultados: Paciente, sexo masculino, 49 anos, branco, portador de diabetes tipo II, tabagista, hipertenso, cardiopata e obeso; fazendo uso de metformina 500 mg, jardiance 25 mg, enalapril 10 mg, espirolactona 25 mg, digoxina 0,25 mg, sinvastatina 20 mg e rivaroxabana 20 mg, procurou a Unidade de Saúde, pós internação hospitalar de 45 dias por tratamento de oclusão arterial importante. Apresentava lesão profunda atingindo fáscia muscular e tendões, em membro inferior esquerdo (MIE), que acometia toda extensão da perna com sinais sistêmicos de dor e desorientação, sem conseguir deambular e sem uso de antibióticos. Em 27 de dezembro de 2023 realizou angioplastia intraluminal de vasos das extremidades (com stent não recoberto) por apresentar claudicação intermitente crônica há uma semana, com piora da dor, edema em MIE, calor, rubor lesões tipo bolhas evoluindo para necrose. Em 10 de janeiro de 2024 realizou desbridamento cirúrgico do MIE por apresentar extensa área de necrose tipo escara em toda extensão de perna esquerda, recebendo alta hospitalar em 16 de janeiro de 2024. Em 17 de janeiro de 2024 quando procurou a Unidade de Saúde apresentava lesão extensa onde o processo necrótico invadia planos profundos, incluindo fáscia, músculos e tendões com grande quantidade de secreção purulenta de cor amarelo esverdeado, odor fétido, grande quantidade de tecido necrótico gangrenoso úmido, bordas irregulares, perilesão com dermatite ocre e edema +++. Foi iniciado tratamento tópico com Papaína 10% associada aos ácidos graxos essenciais (AGE) e tratamento sistêmico com Ciprofloxacino, Metronidazol VO e Dipirona para dor. A assepsia era realizada com soro fisiológico 0,9% e água oxigenada. Os curativos foram realizados a cada 24 horas ou a cada 12 horas quando muito saturado, sendo realizado desbridamento instrumental diário enquanto permanecia tecido inviável, além de colocação de dreno de penrose em alguns pontos para drenagem. A cobertura com papaína 10% + AGE em gaze de Rayon foi mantida enquanto a lesão possuía tecido inviável. Posteriormente foram introduzidas as concentrações menores 6 e 2% de acordo com a resposta clínica da lesão. Com o uso da Papaína em diferentes concentrações associada aos AGE em gaze de Rayon, foi possível observar gradualmente a redução das medidas da ferida, melhora na neovascularização, na redução do edema, do exsudato e na formação de tecido de granulação. Considerações finais: Constatou-se que a Fasciíte Necrotizante é uma ameaça à vida do indivíduo, e o paciente necessita de avaliação e cuidados criteriosos com base na sintomatologia e agravos da doença. Agrega o tratamento, o desbridamento amplo da região acometida e cobertura tópica adequada. Além deste, a associação à antibioticoterapia imediata proporciona melhora no prognóstico, diminuindo as taxas de morbimortalidade. A realização deste estudo foi positiva para todos os envolvidos. Foi gratificante contribuir com a melhora na qualidade de vida do paciente, vê-lo recuperar a sua estima e inserção social. No momento, ele encontra- se bem e continua sendo acompanhado pela sua unidade de saúde do município, pois a lesão continua na fase de formação de tecido de epitelização. Foi orientado com relação a importância do estilo de vida saudável e do controle das suas comorbidades. Para os serviços de saúde, fica uma mensagem da necessidade de novas articulações no sentido de estruturar a rede e fornecer coberturas para o tratamento de feridas crônicas mais complexas. O uso da papaína e AGE como tratamento tópico mostrou-se eficaz, sem causar nenhum tipo de complicação, com resultado principal de desbridamento, granulação e epitelização da lesão.