Apresentação
Este trabalho aborda a construção da terceira edição do curso de Educação Popular em Saúde, EdPopSUS, uma das estratégias de implementação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (Pneps-SUS, 2013). O objetivo geral do EdPopSUS é contribuir com a implementação da Pneps-SUS, por meio da formação de trabalhadores, principalmente agentes comunitárias de saúde e agentes de controle de endemias, e lideranças comunitárias que atuam em territórios com cobertura da atenção básica do SUS.
Foram ofertadas de 2013 a 2018 duas edições do curso. A primeira foi coordenada pela Escola Nacional de Saúde Sérgio Arouca e a segunda pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), ambas unidades da Fiocruz. Com as duas edições foram formados mais de 20 mil trabalhadores e lideranças comunitárias em 15 estados brasileiros.
Com a retomada da Pneps-SUS em 2023, o EdPopSUS recuperou seu lugar estratégico no Ministério da Saúde (MS) que restabeleceu a parceria com a EPSJV para a construção de uma terceira edição do curso. Além da coordenação geral composta pelo MS e EPSJV, foi criada uma Coordenação Político-Pedagógica (CPP), composta por 13 membros, com a missão de conduzir a revisão curricular e a elaboração de novo material educativo, bem como a implementação do EdPopSUS em âmbito nacional.
Este relato tem por objetivo apresentar a revisão curricular que estrutura a terceira e atual edição do EdPopSUS.
Desenvolvimento
Ao longo de 2018, ano em que terminou a primeira parceria da EPSJV com o MS, foi realizada uma avaliação da experiência no contexto do projeto Saberes da experiência: sistematização do curso de aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde. A Avaliação foi feita mediante grupos focais com educadores e educandos dos quinze estados envolvidos, e apontou aspectos positivos, negativos e sugestões a respeito do currículo, trajetória formativa e material educativo.
Dos aspectos positivos, destacam-se aqueles referentes à organização em encontros presenciais mediados por atividades pedagógicas que incentivam: participação, construção compartilhada do conhecimento, valorização das experiências prévias, mediação entre saberes tradicionais, populares e científicos, vivência nos territórios, diálogo multicultural, integração teoria e prática, debate de conteúdos e perspectivas que enriquecem o olhar e alimentam o agir crítico no processo de construção do SUS e conquista do direito à saúde.
Dentre as críticas, ressaltam-se aquelas feitas à quantidade de atividades ao longo do curso, principalmente os 12 trabalhos de campo que intercalam os encontros presenciais com uma duração considerada pequena, de 2 horas cada. Alguns textos de apoio também foram avaliados, por alguns educandos, de difícil leitura e compreensão no tempo do curso. Com isso, foram feitas sugestões como: ampliar a carga horária do curso, promover mais tempo para que o debate dos temas seja aprofundado, elaborar textos mais curtos e com linguagem simples, acessível para que o conteúdo fundamental seja apreendido.
Uma análise mais recente do material educativo, feita pela equipe da EPSJV, apontou algumas inconsistências entre os temas centrais dos eixos, as atividades pedagógicas e as discussões apresentadas nos textos de apoio; além da necessidade de atualização do conteúdo diante das mudanças ocorridas nos últimos anos e de incorporação de outros temas como vigilância popular, agroecologia, questões de gênero e saúde mental, além de outras perspectivas, como interseccionalidade e decolonialidade.
A partir dessa avaliação e do processo dialógico estabelecido pela CPP, foi feita uma primeira proposta, partilhada em oficina com mais de 26 companheiras(os) que vivenciaram o EdPopSUS (coordenadores estaduais, educadores, educandos e apoiadores), e também outros que irão receber a oferta da terceira edição. Na oficina foi fechada a proposta curricular conforme apresentamos a seguir.
Resultados
Como na experiência anterior, o curso será implementado na modalidade presencial, intercalando encontros da turma com momentos de cartografia dos territórios.
Ao invés de eixos, propomos a organização do currículo em trilhas, buscando garantir maior autonomia na construção da trajetória educativa de acordo com as realidades e necessidades de cada contexto e experiência, atentando para uma produção desejante das turmas. Serão 17 encontros presenciais e 6 momentos de cartografias, de oito horas cada, um total de 184 horas de curso. A estrutura curricular foi desenhada da seguinte forma:
Ponto de partida, 16 horas presenciais e 8 horas de cartografia: Espaço de acolhimento e reunião para conhecer os companheiros e companheiras, refletir sobre a proposta pedagógica e os fundamentos da educação popular, estabelecer pactos de convivência, divisões do trabalho e o plano de travessia. Primeiro momento de reconhecimento do território por meio da identificação dos aspectos geográficos.
Trilha da memória, 16 horas presenciais e 8 horas de cartografia: Travessia que leva ao reconhecimento do passado e da história, que aflora nossos olfatos e afetos, nossas lembranças mais antigas, que nos faz perceber que carregamos valores da infância e juventude, de tudo que fomos e ainda somos. Caminho que nos compromete a cuidar do nosso futuro.
Trilha da cultura, 16 horas presenciais e 8 horas de cartografia: Caminho dos valores, dos costumes e formas de cuidar, dos mitos e folclores, dos contos populares, do canto e da poesia, da potência das artes. Esta trilha é repleta de coisas boas que ativam nossa criatividade e nossa imaginação.
Trilha da democracia, 16 horas presenciais e 8 horas de cartografia: Lugar onde encontraremos pessoas engajadas na luta pelo direito à saúde, abordaremos sobre as diferentes formas e instâncias de participação política dentro e fora do SUS e discutiremos a importância da equidade para saúde de todos.
Trilha da vigilância popular em saúde, 24 horas presenciais e 8 horas de cartografia: Percurso em que faremos a leitura da determinação social do processo saúde-doença e onde vamos explorar as ameaças e potências nos territórios.
Trilha da atenção e do cuidado, 32 horas presenciais e 8 horas de cartografia: Caminho dos bons encontros, que ativam as potências alegres, solidariedades, vínculos, acolhimentos e amorosidade. Percurso que requer reciprocidade e o fortalecimento da convivência e dos coletivos em torno da produção de territórios saudáveis e de um mundo melhor.
Ponto de chegada, 16 horas presenciais: Encontro das trilhas, momento de rever as encruzilhadas, fazer avaliação e sistematização da experiência, encerrar a travessia com a construção de uma mostra das aprendizagens, rodas de conversas e cuidado com a comunidade.
O currículo será mediado por materiais educativos que tem um livro que organiza cada um desses momentos, atividades pedagógicas que partem das experiências dos educadores-educandos e textos de apoio, elaborados para enriquecer o debate sobre os temas. Também estão sendo produzidos outros materiais educativos, como um livreto que apresenta o currículo desenhado (feito durante a oficina de construção compartilhada) e cartões com frases elaboradas pelos agentes de saúde e educadores populares.
Considerações finais
A revisão curricular realizada de forma dialógica e compartilhada foi muito importante para gerar maior organicidade na construção do EdPopSUS.
O currículo proposto como travessia foi muito bem recebido, por possibilitar a criação de diferentes percursos, do ponto de partida ao ponto de chegada, e dar abertura à criação e à adequação às diferentes realidades. A proposta das cartografias, que colocam o território como elemento central para a leitura crítica da realidade, foi um diferencial, por conduzir o processo de investigação, sistematização e ação sobre as memórias e ancestralidades, a cultura e as expressões artísticas, a democracia, a participação e a luta política, o processo saúde-doença e as práticas de vigilância popular, atenção e cuidado.