Apresentação: O objetivo deste trabalho é analisar na literatura elementos que contrastam as dificuldades do trabalho multidisciplinar no âmbito do SUS, além de verificar a influência de fatores sociais para a construção das equipes interdisciplinares.
Desenvolvimento: A práticas interdisciplinares nos contextos da saúde, surgem como um mecanismo crítico ao modelo biomédico. Desse modo, podemos considerar que estes fenômenos produzem um novo conceito de saúde, diminuindo os efeitos do paradigma sujeito-doença, e produzindo uma saúde integrativa e comunitária. Contudo, as intervenções tornam-se um desafio multidisciplinar, pois nas tentativas de construir propostas sob diferentes perspectivas encontram-se barreiras práticas, epistemológicas, de demandas do trabalho e sociais.
Existem desafios na interdisciplinaridade em organizar os processos de trabalho no setor da saúde, encontram-se obstáculos entre a formação dos profissionais em suas áreas de atuação e a capacidade de correlacionar as diferentes possibilidades da prática. Aliás, com o advento da pandemia, evidenciou-se a necessidade do trabalho multiprofissional em saúde, pois a carga emocional e física exigidas pelo contexto pandêmico tornou as intervenções mais complexas e distantes do estudado no percurso de formação dos profissionais da saúde.
Ao analisarmos dados referente aos profissionais da saúde observamos que existe um padrão bem delimitado para cargos de gestão em saúde, constata se que a maioria dos indivíduos que ocupam estes postos, são majoritariamente homens, brancos, com idade entre 54 a 60 anos que possuem ao menos uma pós graduação ou mestrado. Desse modo, com estes dados iniciais podemos compreender alguns fenômenos sociais, como as questões de gênero, raça e classe social no sistema de saúde.
Quando investigamos o perfil dos profissionais que atuam junto a rede correlacionado ao número de cargos ocupados, é possível observar que a maioria possuem formação em nível técnico e auxiliar de enfermagem, em seguida temos médicos, trabalhadores em serviços de promoção e apoio à saúde, e por fim em menor quantidade enfermeiros. Assim, pensar a interdisciplinaridade também é reconhecer o perfil de quem atua na área da saúde e de que maneira foi idealizado, estudado e se está realizando a prática profissional, quais são as ideologias de trabalho que seguem a maioria dos profissionais?
Ao agregar os dados percebemos que algumas barreiras da interdisciplinaridade fogem da esfera de formação educacional dos profissionais. Pois, existem fatores limitantes, ou delimitativos, antes desses profissionais entrarem no sistema. Logo, ao pensarmos as relações de gênero existe um número menor de mulheres na gerência dos sistemas, mesmo sendo a maioria dentro da rede, isso implica direta e indiretamente na posição que as mulheres ocupam e nas que poderiam ocupar dentro dessa lógica. Portanto, como poderiam ser reconhecidos e escutados os conhecimentos, quando por vezes não se valida que o gênero feminino tem condições para tal.
Isso fica evidente quando observamos as folhas salariais, pois as mulheres ganham 24% a menos que os homens no setores de saúde e auxílio. É interessante que mesmo com as propostas de ações multiprofissionais, ainda assim existe um tipo de profissional que é considerado mais capacitado, e remunerado, do que outros da mesma categoria. Outra questão importante, é sobre a relação da mulher no âmbito da saúde, pois historicamente o seu lugar era o da assistência e não do saber, logo essas marcas se repercutem na manutenção dos papeis de poder nas instituições de saúde.
Nessa lógica, quando exploramos também as dinâmicas raciais no trabalho em saúde às populações não brancas dificilmente aparecem, profissionalmente a maioria desses sujeitos tem extrema dificuldade de conseguir acessar a graduação de nível superior. Contraditoriamente, são estas as populações que mais dependem do sistema público para acessar o atendimento em saúde de qualidade. Nesse viés, quais são as possibilidades de se ter profissionais capacitados para atender e entender as diversas demandas dos pacientes, na medida em que o conhecimento da realidade, seja ela econômica, social e subjetiva de cada caso, dificilmente se transforma em uma temática para pensar uma intervenção direcionada.
Ao pensarmos a compreensão epistêmica dos profissionais da saúde, vemos que existem diferentes formas de avaliar a saúde do sujeito. Antes, o que estava em vigor era a lógica biologicista e biomédica, em que o paciente era visto a partir da sua doença e a noção de saúde era o oposto, a ausência de patologias. Atualmente, observamos que a compreensão da doença é mais voltada às noções biopsicossocial, pois compreende-se que o adoecimento é causado por uma série de fatores, que alguns deles estão para além do corpo físico do sujeito.
Ademais, é importante destacar que o trabalho multiprofissional não é sinônimo de atuação interdisciplinar. Entende-se por multidisciplinaridade a ação simultânea envolvendo várias áreas de conhecimento em torno de uma temática comum, porém não existe cooperação entre essas disciplinas e a relação entre elas não é explorada. Em contraponto, a realização do trabalho interdisciplinar está relacionada ao reconhecimento de espaços de interação profissional, onde a complexidade das adversidades em saúde exige uma atuação em conjunto das diferentes categorias profissionais.
Nessa perspectiva, esse novo modelo de percepção de saúde contribuiu para o fortalecimento das equipes multiprofissionais e para a construção da interdisciplinaridade. Contudo, os elementos sociais citados anteriormente, o gênero, raça e classe, são fontes que moldam a percepção do mundo e também dos sujeitos. Dessa forma, além da dificuldade de correlacionar os conhecimentos teóricos, existe a necessidade de destituir algumas percepções sobre o mundo, e que cada profissional constitui para si durante sua vida.
Metodologia: O presente trabalho configura-se como uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo e exploratório, baseada na revisão da literatura. Foram pesquisadas nas bases de dados SCIELO e PEPSIC artigos científicos com os seguintes como descritores “interdisciplinaridade”, “trabalho em saúde” e SUS" considerando os últimos 5 anos.
Resultados: Os desafios do trabalho interdisciplinar em saúde transpassam questões que envolvem a valorização do trabalho de forma hierárquica entre os profissionais, o que impossibilita uma comunicação integral e igualitária entre os trabalhadores do serviço para com os usuários.
A colaboração interdisciplinar resulta em uma intensa troca de conhecimentos, instrumentos e técnicas, permitindo que os profissionais se qualifiquem para atuar em equipes interdisciplinares. No entanto, um dos desafios enfrentados são os ‘muros institucionais’, que surgem ao produzir conhecimento e especificidades em cada área, muitas vezes fechadas em teorias especializadas, sem uma base comum que possa servir a outras disciplinas.
Nesse sentido, torna-se necessário produzir um ambiente de compartilhamento de saberes especializados de cada área, para que se construa uma interdependência nas práticas de atuação. Porém, esse método não está incluso na maior parte dos espaços de formação, o que dificulta a aderência na realização dos atendimentos.
Considerações finais/conclusões: Por conseguinte, é perceptível a existência de obstáculos para desenvolver e aprimorar esse trabalho interdisciplinar. Contudo, nota-se a possibilidade de realizá-lo, mesmo diante dos desafios de comunicação e compreensão que possam surgir, visto que a interdisciplinaridade e sua complexidade proporcionam experiência e novas perspectivas relacionadas ao trabalho no âmbito da saúde.
Outrossim, existem políticas que foram desenvolvidas com o intuito de aumentar e incentivar a interdisciplinaridade como a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), contudo é fundamental o desenvolvimento e o estudo contínuos a fim de garantir o acesso à saúde. Dessa forma, a interdisciplinaridade é convidada a refletir sobre o conhecimento e a sociedade, com o objetivo de observar, de comparar e de integrar diferentes saberes.