Residência Multiprofissional de Saúde da Família com ênfase na Saúde da população do Campo (RMSFCampo) é uma pós-graduação Lato-sensu, com dedicação exclusiva realizada na forma de educação-trabalho (formação em serviço) sob supervisão.
Cabe destacar que os programas de residências consistem em uma estratégia fundamental para a formação de profissionais verdadeiramente qualificados para o trabalho no SUS. Sendo assim, o objetivo deste relato é discorrer sobre o histórico de construção do Programa de Residência, seu funcionamento e estruturação, destacando vivências e potencialidades.
Nesse sentido, é importante pontuar, que a ideia da construção de uma Residência no campo e para o campo, surgiu a partir de uma experiência de Estágio Estratégico realizado por residentes dos programas de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Saúde Mental da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) e do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Pernambuco em 2012.
A partir da experiência de Estágio, foi desenvolvido um projeto de extensão e posteriormente iniciada a implementação do projeto de Residência no campo, diante da necessidade de se considerar os diversos determinantes e condicionantes de saúde e com o intuito de que cada profissional residente pudesse conhecer a realidade, especificidades e potencialidades de cada território.
Surgiu também como uma estratégia de implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e Floresta (PNSCF), considerando que até então a população das águas não fazia parte da PNSCFA, vindo a incorporar-se em 2013. Em seu estado germinal, o PRMSFCampo objetivava compreender, analisar e refletir o processo saúde-doença de trabalhadores do Assentamento Jaboatãozinho do MST, localizado no município de Moreno na região metropolitana do Recife.
Este cenário foi pensado visando diminuir as vulnerabilidades a que essas populações estão expostas e qualificar os residentes em nível de pós-graduação na Atenção Básica, que pudessem atuar sob uma perspectiva transformadora, desenvolvendo um olhar diferenciado para cuidado, implicado com as especificidades das populações e territórios. É importante trazer esse relato histórico uma vez que foi a partir dessa experiência que se construiu o PRMSFCampo, uma iniciativa potente que em 2024 completa 10 anos de existência e resistência no estado de Pernambuco.
Em 2019 foi implementado o 2º Programa de Residência do país com a especificidade do campo, na Fiocruz Brasília. Atualmente a 5ª turma está em formação, já tendo formado até 2024, 55 profissionais. Em Brasília é realizado através do Programa de Promoção à Saúde, Ambiente e Trabalho e da Escola de Governo Fiocruz-EGF em parceria com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Sendo assim, os residentes atuam em Unidades Básicas de Saúde rurais localizadas na região Norte e Leste do Distrito Federal, especificamente nas regiões administrativas de Sobradinho, Planaltina e Paranoá. A formação tem duração de 02 anos e inclui 08 especialidades sendo elas: Educação Física; Enfermagem; Farmácia; Fisioterapia; Nutrição; Odontologia; Psicologia e Serviço Social.
A metodologia da Residência está enraizada nos princípios da Educação Popular, Educação do Campo e Educação Permanente em Saúde, abordagens que buscam promover o desenvolvimento humano e social. Combinando-as com a Pedagogia da Alternância, a qual preconiza a alternância entre períodos de aprendizado teórico e prático, tais abordagens contribuem significativamente para a promoção da saúde, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), o desenvolvimento sustentável e para uma atuação implicada com a realidade das populações do campo e suas especificidades.
Ressalta-se que o Programa está organizado em 5.760 horas, sendo 1.152 horas teóricas, correspondentes a 20% das atividades do programa,4.608 horas de atividades práticas em serviço, correspondentes a 80% das atividades do programa. Como forma de distribuir o total de horas a serem cumpridas, foram sistematizados e organizados os Tempos Educativos. Sendo assim, os residentes cumprem expediente (segunda a sexta-feira, de 08h às 17h) no território, período esse denominado de Tempo Comunidade, que corresponde a 70% da carga horária. Durante uma semana no mês, ininterrupta, estão de modo presencial na sede da Fiocruz Brasília, no período denominado de Tempo Escola que corresponde a 30% da carga horária. O Tempo Escola contempla atividades teóricas, teórico-práticas e didáticas, complementares, incluindo disciplinas básicas, seminários, estudos de caso, apresentação de casos clínicos, aulas expositivas, etc.
Outros Tempos são previstos para dar conta do total de carga horária, que podem ser desenvolvidos durante o Tempo Escola e o Tempo Comunidade, como por exemplo o Tempo Reflexão Escrita, onde os residentes sistematizam diariamente os aprendizados e vivências através do registro em Portfólio; O Tempo Núcleo de Aprendizagem e Estudo,é um tempo protegido para trocas entre os residentes inseridos na mesma UBS, envolvendo tarefas de organicidade do curso, estudos e tarefas no território. O Tempo Leitura é destinado à realização de leituras dirigidas, para aprofundar e despertar o gosto e a fluidez da leitura. O Tempo Estudo consiste em um espaço garantido para o aprimoramento da formação de cada sujeito,destinado à realização de pesquisas, sistematizações e escrita de relatórios.
As atividades do PRMSFCampo tem demonstrado grande relevância na formação dos residentes para atuarem no SUS DF. Assim como, as ações realizadas pelos profissionais residentes, embasadas no fortalecimento da Rede de Atenção à Saúde, em especial, aquela inscrita na área rural de abrangência onde está a população a partir de uma abordagem integral do processo saúde-doença com um olhar no sujeito de forma ampla na atenção básica.
Na conjuntura da pandemia de Covid-19, os residentes estiveram defronte nos cuidados. Diversas ações foram desenvolvidas por eles, como busca ativa e cuidado individualizado dos casos confirmados e suspeitos; ações de Vigilância em Saúde nos Territórios; Apoio aos grupos vulneráveis por sua situação de saúde ou social e continuidade dos cuidados rotineiros da APS. Além disso, participaram ativamente das ações de testagem em massa e posteriormente das campanhas para vacinação contra o vírus. Frente às ações desenvolvidas foi possível identificar a importância da inserção da equipe multidisciplinar durante e pós pandemia no cuidado e atenção integral.
Os residentes precisaram se reinventar nas estratégias, buscando formas de promover saúde nos territórios, ainda que com as inúmeras dificuldades inerentes à dinâmica do campo. A multidisciplinariedade dos residentes foi um fator primordial, já que haviam profissionais de 08 especialidades o que contribuiu significativamente para o cuidado estendido do usuário no campo. Destaca-se a atuação dos profissionais da psicologia e fisioterapia no cuidado às complicações pós-covid, realizando atendimentos em domicílio, sendo fundamentais nesse período diante das angústias crescentes e também no acompanhamento das famílias enlutadas.
Com a 5ª turma em formação atualmente, pode-se afirmar que o Programa de Residência cumpre um papel fundamental, por promover espaços de construção de conhecimento considerando as especificidades da população do campo, bem como, busca romper com a lógica biomédica qualificando profissionais para uma práxis que garanta a autonomia da população frente ao seu processo de saúde-doença, bem como, promovendo o fortalecimento do Sistema Único de Saúde brasileiro em um cenário repleto de singularidades.
O Programa de Residência busca contribuir para o fortalecimento da rede de atenção à saúde do campo, desenvolvendo linhas de cuidado voltadas para essa população e promovendo uma atuação interdisciplinar e crítica conectada com saberes populares, movimentos sociais, fomentando processos participativos, cooperação e organização comunitária que contribuem para o desenvolvimento do campo, soberania e segurança alimentar.
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