APRESENTAÇÃO
A categoria de Agente Comunitário de Saúde (ACS) surgiu com a institucionalização do Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS), lançado em 1991, objetivando reduzir os indicadores alarmantes de morbimortalidade infantil e materna, inicialmente no Nordeste do Brasil. Mais tarde, o PNACS, passou a ser chamado de Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS), sendo que os ACS não tinham qualificação, escolaridade definida, e regulação profissional, apesar de serem supervisionados por enfermeiros.
A profissão só foi regulamentada em 2006, pela Lei no 11.350/2006, que estabeleceu regras para contratação dos profissionais, além de definir suas atividades. Trata-se de uma categoria predominantemente composta por mulheres, que trabalham com o objetivo de garantir a continuidade do cuidado, melhorar a compreensão dos problemas dos usuários, além propiciar uma melhor adesão terapêutica.
Esses profissionais são responsáveis por mediar a construção de vínculos entre as famílias e as equipes de saúde, tendo a visita domiciliar como sua maior expressão de presença dentro do território. Além disso, por residirem no território de atuação, possuem grande conhecimento das condições sociais e de saúde da população, apoiando na resolução dessas demandas junto aos demais membros da equipe.
A partir da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), de 2017, os ACS podem realizar alguns procedimentos, como: aferir a pressão arterial, realizar a medição da glicemia capilar, realizar técnicas limpas de curativo, entre outras atribuições. Além disso, o documento traz uma indefinição no número mínimo desses trabalhadores por equipe de saúde, seja pela sua não obrigatoriedade na composição das equipes, seja pela reconfiguração da natureza do seu trabalho, designando ao gestor municipal a determinação do seu quantitativo.
Sendo assim, busca-se realizar uma pesquisa em duas fases: a primeira consiste em uma revisão narrativa com o objetivo de investigar na literatura o impacto das mudanças no processo de trabalho dos ACS ao longo dos anos e verificar a repercussão na saúde mental dos mesmos; e na segunda fase busca-se realizar uma pesquisa de abordagem qualitativa com os Agentes Comunitários de Saúde, atuantes em um Centro de Saúde (CS) do Município de Florianópolis, Santa Catarina, através de uma entrevista semi-estruturada, perseguindo o mesmo objetivo.
DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO DO TRABALHO:
Trata-se de um estudo qualitativo sobre o processo de trabalho dos ACS partindo de uma revisão narrativa de literatura, a fim de realizar síntese do conhecimento produzido sobre o assunto pesquisado sob a perspectiva de diferentes abordagens metodológicas. Após a revisão, será realizada uma pesquisa de natureza qualitativa, com a intenção de aprofundar-se nos significados das ações e relações humanas, respondendo questões muito particulares em um nível de realidade que não pode ser quantificado.
A pesquisa obteve aprovação para coleta de dados no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), sob o protocolo nº 77400624.0.0000.0118. Com isso, após a revisão narrativa, serão realizadas as entrevistas semi-estruturadas, aplicadas individualmente, de forma presencial e individualizada, no período entre abril e agosto de 2024.
Como critérios de inclusão da fase qualitativa foram estabelecidos: ser ACS atuante no Centro de Saúde definido há no mínimo 5 anos, sendo excluídos da pesquisa aqueles que se encontrem em licença médica, férias ou ainda que não assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e/ou o Termo de Consentimento para Gravação de Áudio.
Após a transcrição das entrevistas, será realizada uma análise temática das respostas, relatando as perspectivas de cada profissional. Essa se configura como um método para identificar, analisar e relatar padrões dentro dos dados coletados, contando com uma abordagem teoricamente flexível para analisar dados qualitativos.
Neste presente estudo serão respeitados os princípios éticos, conforme a Resolução n° 564 de novembro de 2017, que dispõe sobre o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, capítulo III, artigo 89, 90 e 91, das responsabilidades e deveres e, artigo 94 e 98, das proibições. Além disso, o estudo respeitará as normas da Resolução Nº 466/2012, bem como a Nº 510/2016, que orientam o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos no Brasil.
RESULTADOS PRELIMINARES :
O processo de trabalho dos ACS é marcado pelas demandas de cuidado da população, sobrecarga e o desgaste físico e mental, pouca autonomia e baixa remuneração. Além disso, com as modificações ocorridas ao longo dos anos na PNAB e na atuação dos ACS, vem se tornando cada vez mais comuns a realização de tarefas de apoio administrativo e burocratização, descaracterizando o papel de um trabalhador comunitário no território.
Através dessa problemática de descaracterização, surgem implicações na saúde mental relacionadas à dinâmica do trabalho do ACS, tendo como prejuízos sintomas depressivos e/ou ansiosos, que muitas vezes são banalizados ou entendidos como inerentes à profissão, mas repercutem em um cenário de insatisfação profissional, e do desmonte de uma profissão com a especificidade do cuidado embasado no território dentro da APS.
Em muitos municípios, por conta do déficit de servidores técnicos administrativos, os ACS têm sua atuação voltada a ações administrativas, onde realizam atividades como informar via canais de comunicação o agendamento de consultas em especialidades, serviços na recepção por meio de escala e recepção dos pacientes nas equipes, onde o paciente é acolhido e direcionada na agenda de atendimentos dos demais profissionais.
Apesar das tarefas burocráticas não descaracterizarem completamente o papel do ACS, uma vez que possa haver conciliação das suas atividades específicas com esse ambiente de saúde, o atual cenário contribui para diminuição do tempo disponível para boa parte do processo de vigilância de território, que só pode ser realizado in loco. Sendo assim, em alguns municípios, esses profissionais reduziram ou suprimiram ao máximo as visitas domiciliares, bem como, atividades voltadas para o território e para comunidades, além da baixa participação em ações de prevenção e promoção de saúde.
Além disso, há uma defasagem expressiva no serviço, sem reposição desses profissionais por aposentadorias, afastamentos e desligamentos. A partir disso, amplia-se a desqualificação do trabalho do ACS, encarregado de desempenhar funções que o aproximam de um auxiliar genérico dos demais profissionais, projetando sua força de trabalho à uma vertente biomédica, medida por monitoramento de produtividade, e não da qualidade da produção de saúde e cuidado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Observa-se através da revisão de literatura que o ACS está perdendo suas características primárias, passando a ser um profissional com atuação voltada a tarefas administrativas e burocráticas. Com isso, há um grande impacto na saúde mental desses profissionais que se relacionam com o processo de trabalho.
Espera-se que a pesquisa em andamento possibilite o aprofundamento do processo de trabalho atual dos ACS em uma capital, a fim de demonstrar os impactos que as mudanças na PNAB produzem na saúde mental dos ACS, levando em conta a perspectiva desses profissionais, fomentando estratégias de mudança de paradigmas, visando o fortalecimento de um sistema de saúde justo e igualitário, na lógica do cuidado territorial, dentro dos princípios do SUS.