Apresentação: O presente estudo apresenta uma aproximação da interculturalidade e a pesquisa em saúde, no contexto de um grupo de pesquisa, ensino e extensão. A interculturalidade tem sido bastante explorada no campo da Educação, são raras as investigações que tratam deste assunto na área da Saúde. Entretanto, acreditamos que seus pressupostos contribuem, especialmente no desenvolvimento das pesquisas em saúde. Entre os vários conceitos existentes acerca da interculturalidade, há aquele em que a compreende como relações horizontais entre duas ou mais culturas, que almejam enriquecê-las simultaneamente e contribuir para uma plenitude humana maior. Assim, objetivamos descrever a potencialidade da interculturalidade no desenvolvimento das pesquisas em saúde, a partir da experiência de um grupo de pesquisa. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um relato de experiência desenvolvido entre março de 2023 e março de 2024, a partir das atividades do Grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem - Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão Práticas de Cuidado nos Cenários da Saúde (PraCCeS), vinculado ao Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Santa Maria – RS, que há mais de 15 anos desenvolve investigações e ações sobre as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) com ênfase em hipertensão e diabetes, e nas doenças transmissíveis com ênfase na tuberculose e sífilis, principalmente no cenário da Atenção Primária à Saúde (APS). O PraCCeS é composto por docentes e discentes da graduação e pós-graduação em enfermagem, bem como enfermeiros(as) da APS, psicólogo e terapeuta ocupacional. Os encontros do grupo acontecem quinzenalmente com atividades planejadas e conduzidas por professores e estudantes. A interculturalidade presente neste grupo é aquela que como participantes nos tratamos como cidadãos de uma sociedade compartilhada, que requer respeito mútuo; quando nos sentimos livres para discordar e reconhecemos que não temos todas as respostas, independentemente, da formação acadêmica que se tenha, e necessariamente nos colocamos a disposição para escutar, dialogar e aprender com o outro. O coletivo do PraCCes reconhece a importância de articular e combinar diferentes ideias, pensamentos, práticas, garantindo um diálogo de confiança e respeitando as diferenças e particularidades, que provocam pluralidades de visão de mundo, sem que nenhuma prevaleça. As categorias de análise da experiência foram estruturadas a partir da observação participante utilizada nos encontros do referido grupo, as quais foram: características interculturais percebidas e interculturalidade e o fortalecimento das pesquisas em saúde. Resultados: No campo da saúde, vários são os desafios no desenvolvimento das pesquisas, entre alguns podemos citar a visão produtivista e o modo de se fazer pesquisa, que por vezes carregam práticas de competitividade por produções e aprisionam pesquisadores em uma bolha cultural. Nesse estudo, apresentamos características interculturais do PraCCes e como estas têm contribuído no fortalecimento das pesquisas em saúde. Percebemos características da interculturalidade no PraCCeS quando identificamos não somente a abertura para acolher membros de diferentes níveis de formação, como também de áreas disciplinares diversas (enfermeiros, psicologia, terapia ocupacional, fisioterapia) e de atuação (docência, assistência e gestão). No entanto, além de acolher, há um esforço de valorizar essa diversificação de pessoas e estimular a integração, garantindo o direito de voz a cada um(a) dos(as) participantes. Importante acrescentar a presença de membros de diferentes regiões do País, a exemplo da estagiaria de pós-doutorado da região nordeste. Essa integração regional é potencializada pela participação de pesquisadores de outros estados (Espírito Santo e Ceará) assumindo atividades de coorientação, como também de examinadores em bancas de tese de doutorado e mestrado. Vale destacar a parceria em uma pesquisa multicêntrica que conta com pesquisadoras de todas as regiões do Brasil e com cooperação de universidades de Portugal e da China. Ainda, uma das professoras do PraCCeS atua ministrando aulas e coorientando estudantes no programa de mestrado e doutorado em Saúde Pública da Universidad Católica Redemptoris Máterda (UNICA) na Nicarágua. A essas características atribuímos o fortalecimento do grupo no desenvolvimento de estudos, com abordagens metodológicas inovadoras. Vale dizer que essa experiência contribuiu para a formação e qualificação de novos(as) pesquisadores, com ideais que prevalecem a união, integração, solidariedade, parceria, que faz o grupo evoluir no quesito técnico-científico e consequentemente obter reconhecimento acadêmico. Além disso, a aproximação com a realidade, tão necessária no planejamento dos projetos de pesquisa, é possibilitada pela presença dos profissionais da assistência que sentem as reais necessidades dos serviços de saúde e dos usuários, e estão disponíveis para dialogar, criticar e propor investigações que possibilitem solucionar os problemas dos serviços de saúde e dos usuários. Desse modo, essa experiência nos faz perceber que as questões culturais não podem ser ignoradas pelos pesquisadores, sob risco de estagnar no tempo, nos saberes limitados, e de se distanciar da realidade, ao ponto de produzir conhecimento sem possibilidade de alcance na mudança da prática. Por isso, é de suma importância a inter-relação de membros pesquisadores de diferentes grupos socioculturais. Nessa perspectiva, a interculturalidade tende a romper com visões deterministas das culturas e identidades culturais e passa a conceber as culturas em contínuo processo de elaboração, desconstrução e reconstrução. Assim, os pesquisadores, independentemente do seu nível de formação, podem se permitir a mudar seu padrão cultural no contexto dos grupos de pesquisa. Acreditamos ser importante tomar para si uma sensibilidade humana quanto a olhar todos os participantes como sujeitos sociais, culturais, cognitivos e éticos, provocando influências significativas nas inter-relações e consequentemente no desenvolvimento das pesquisas em saúde, que deve abarcar também questões subjetivas do processo saúde-doença. Sendo assim, professores coordenadores dos grupos de pesquisa devem ter um olhar ampliado para os sujeitos participantes, considerando a trajetória acadêmica e profissional. O fortalecimento de um grupo de pesquisa perpassa pela capacidade de superar estigmas, preconceitos e visões estereotipadas dos saberes técnicos-científicos e culturais de seus membros, e passa a reconhecer em sua essência a possibilidade de aprender com as fragilidades e identificar possibilidades. Considerações finais: A Universidade é um espaço de compartilhamento de vivências que ultrapassa a sua função de formar profissionais, e contribui verdadeiramente na formação cidadã e no desenvolvimento social. A interculturalidade é um caminho possível numa sociedade democrática e práticas relacionadas a esta devem ser incorporadas no âmbito da pesquisa. Nesse trabalho foi apresentada a experiência de um grupo de pesquisa que adotou características da interculturalidade no modo de desenvolver pesquisa e obteve êxitos. Acredita-se que seja necessário expandir a compreensão acerca da interculturalidade na pesquisa, pois prevalece o monoculturalismo em algumas instituições. Desse modo, sugerimos que esse assunto apareça como pauta a ser discutida no âmbito das pós-graduações. Recomendamos que professores(as) pesquisadores(as) estejam sensíveis a conceber a interculturalidade como possibilidade de transformação de si e dos outros, com vistas a mudanças positivas no desenvolvimento de pesquisas em saúde. Ressaltamos a importância de que outros estudos possam ser desenvolvidos e divulgados acerca deste assunto, de modo que possamos ampliar outras possibilidades da interculturalidade em diferentes contextos.