Devires da clínica: Políticas de sociabilidade para e com a população LGBTQIAPN+ em rodas de conversa de promoção à saúde

  • Author
  • Camila Gabriel Lima Carneiro
  • Co-authors
  • Jonas Messias Junior , Rayssa Medeiros dos Santos Cavalcante , Ayrton de Queiroz Alves Barros , Sasha Abigail Alves dos Santos , Lidhya Maria Barbosa Gondim , Odara Alves Moraes , Alessandra do Nascimento Costa , Anselmo Clemente
  • Abstract
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    Apresentação

    A extensão “Devires da Clínica: Transversalidade, Clínica Ampliada e o Apoio às práticas de cuidado nas Redes de Atenção à Saúde” trata-se de uma iniciativa de criação de oportunidades para a inserção das pessoas ligadas ao curso de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba em diferentes pontos das redes de atenção à saúde e intersetoriais. Entre seus vários parceiros, destaca-se a Coordenadoria de promoção à cidadania LGBT e igualdade racial (Centro LGBT+), entidade vinculada à prefeitura de João Pessoa que tem como objetivos o estímulo ao desenvolvimento de políticas públicas para este recorte populacional, assim como oferecer entrada qualificada e segura para esta população que, muitas vezes, encontra obstáculos no seu acesso a direitos e cidadania plena, tantas vezes dificultada ou mesmo impossibilitada.

    O centro LGBT+ realiza, ainda, em suas dependências, algumas ofertas como o acesso a serviços de saúde e o acompanhamento psicológico.Tal configuração favorece uma concepção ampliada da clínica psicológica, em que o trabalho não se encerra em dispositivos bi-pessoais, mas de fato se expande para estabelecer relações com outras especialidades, levando em consideração a integralidade da concepção de saúde. Nesse sentido, as participantes da extensão, que possui diferentes entradas como as de alunes, residentes e egresses do curso de Psicologia, encontram em suas vivências possibilidades de atuação que, com frequência, levam em consideração não apenas diferentes profissionais e especialidades mas também diversos pontos e dispositivos das redes de saúde e atenção, assim como parcerias para além das mesmas. É nesse sentido que chegamos à intenção deste texto, que é o relato das experiências de participação em algumas dessas ofertas partindo do ponto de vista ampliado da clínica.

     

    Desenvolvimento

    Nos foi demandado conduzir agendas ligadas às campanhas de setembro amarelo, com a temática da prevenção ao suicídio, e do dezembro vermelho, que se refere ao mês da prevenção ao HIV, ambas as ações realizadas no centro LGBT+. De maneira coletiva na extensão Devires da clínica, discutimos o que mais teria sentido em nossa oferta. A partir de uma perspectiva mais ampla do que a proposta inicial de ação de conscientização e prevenção, optamos por proporcionar um espaço onde fosse possível acolher es usuáries, promover encontros, fazer circular afetações, ideias e curiosidades. Nos direcionamos, assim, para a realização de uma atividade englobando também a promoção em saúde, que pudesse acessar o território existencial dos sujeitos. De tal modo, objetivamos não nos restringir às enfermidades ou questões específicas, mas sim promover produção de vida e implicação em um atravessamento de integralidade do cuidado com es usuáries.

    Os encontros foram, então, facilitados pelas estagiárias, residentes, extensionistas e dois representantes de uma ONG referência em ações de educação em saúde e de defesa dos direitos humanos. O público presente foi majoritariamente composto por mulheres trans e travestis, o que nos dá notícias tanto da situação vulnerável dessa população na cidade quanto de seu comprometimento com as possibilidades diante do oferecimento de um espaço específico, seguro e especializado. Após a introdução da temática, as usuárias foram convidadas a falar sobre seus modos e práticas de cuidado, bem como elencar quais serviços se apresentam como receptivos e parceiros na garantia de cuidado nas redes de atenção do SUS e no acesso à cidade.

     

    Resultados

    De maneira mais geral, na roda de conversa do setembro amarelo, foi possível observar que iniciar a discussão sobre promoção de vida e saúde para a população LGBTQIAPN+ despertou a participação coletiva des usuáries, fazendo-os se sentirem livres e acolhides para compartilharem suas histórias de vida. A grande maioria se utilizou do momento como um espaço de desabafo e encontro de experiências, o que fez surgir também discussões interessantes a partir de uma relação transgeracional des participantes e implicações das diferenças da vivência enquanto identidade LGBTQIAPN+ quanto aos avanços no acesso a serviços de direito.

    Já o outro momento, da roda de conversa com a temática do dezembro vermelho, proporcionou uma oportunidade segura de trocas de informações, experiências e saberes, bem como de compartilhamento das violências vivenciadas nos equipamentos de saúde, pela enorme estigmatização que tal população ainda sofre relacionada ao vírus HIV. Além disso, a suscetibilidade à ideação em decorrência não apenas da violência e exclusão enfrentadas, mas da vulnerabilidade social que decorre dessas, tornando evidente a relação entre a falta de apoio social, a dificuldade de acesso a direitos, a limitação da vida e o sofrimento/adoecimento. Ambas oportunidades trouxeram à tona a discussão sobre a formação dos profissionais de saúde e sobre as políticas de educação em saúde, sobretudo a importância que estas exercem na garantia de cidadania e de cuidado integral, distante de formas de opressão, que impactam diretamente no processo de saúde da população LGBTQIAPN+.

    Esta oferta reforça também a importância da criação e manutenção, pelo poder público, de políticas e espaços direcionados às populações que, historicamente, encontram mais barreiras no seu acesso à saúde. Quer pela carga de preconceito e exclusão que ainda encontram no seu acesso a direitos básicos como saúde e assistência, quer pela dificuldade de solução de suas questões específicas de saúde e de vida. Pudemos perceber que serviços como o centro LGBT+ e Igualdade Racial se fazem necessários e, muitas vezes, são raros como pontos de acesso des usuáries assistides a seus direitos, mitigando suas restrições a uma cidadania plena.

    É com esse viés e compromisso que buscamos o trabalho em uma clínica que, indo além de deter-se no que, muitas vezes, são consideradas suas questões específicas, procura ser um elo de apoio, uma entrada e um lugar onde es usuáries são vistes e ouvides já que, como constatamos, a exclusão e a invisibilidade são fatores relevantes no adoecimento e no sofrimento psíquico. Por isso, esses momentos, viabilizaram também, que es usuáries circulassem entre si dispositivos e espaços que elus acessam por toda a cidade, ambientes de socialização seguros para a expressão e performática de suas identidades sem medo de quaisquer tipo de estigma. Isso estimulou múltiplas direções possíveis, de maneira tal, que conseguiu-se extrair, das variações, a invenção de novos modos de bem estar, impulsionando outros modos de experimentar que impactam positivamente na produção de saúde. 

    Tais movimentações múltiplas identificadas somaram-se ao conhecimento e impressões des usuáries a respeito das políticas de gratuidade para pessoas trans em eventos, bem como cursos gratuitos ofertados em vários pontos da cidade, ligado às artes e profissionalização. Tal cenário ganhou muito sentido ao evocar o território existencial des participantes da roda, visto que foi possível perceber a formação de uma rede de socialização onde o acesso é mais facilitado e tem baixa exigência, fator este que é muito pertinente para população LGBTQIAPN+. 

     

    Considerações finais

    Consideramos, diante do exposto, que as boas relações entre a universidade, os diversos pontos de entrada nas redes de saúde e atenção e os trabalhadores das políticas públicas criam um espaço único de aprendizado e de desenvolvimento de atuações clínicas cada vez mais atentas e capazes de acolher as especificidades da população. Acreditamos que, igualmente, o trabalho desenvolvido afirma seu valor nos próprios resultados das intervenções: usuáries mais próximos dos serviços, garantindo o acesso à cidadania, além do fortalecimento das múltiplas possibilidades de ser LGBTQIAPN+ em uma sociedade cisheteronormativa, que limita, exclui e oprime.

     

  • Keywords
  • Equidade, Socialização, Cidadania, LGBTQIAPN+, Clínica ampliada.
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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