Apresentação
A residência em Medicina de Família e Comunidade (MFC) no Sistema Único de Saúde (SUS) oferece uma oportunidade única para adotar um novo modo de ser e pensar na prática médica, explorando um campo muitas vezes esquecido e não reconhecido socialmente. Essa área de atuação permite aos médicos desbravar as nuances da saúde comunitária, trabalhando diretamente com populações vulneráveis e atendendo às suas necessidades de maneira integral. Essa experiência promove uma visão mais inclusiva e diversificada da medicina, incentivando os profissionais a abordar questões de saúde a partir de uma perspectiva holística, que leva em consideração fatores sociais, culturais e econômicos. Além disso, ao engajar-se com a comunidade, os médicos de família e comunidade constroem relações de confiança e promovem uma abordagem preventiva e educacional, contribuindo para a saúde a longo prazo dessas populações.
Os "médicos de gente", descritos por Bonet, representam uma abordagem de atenção à saúde centrada no indivíduo e na comunidade, desafiando o paradigma biomédico tradicional que tende a reduzir os pacientes a meros diagnósticos ou doenças. Residentes supervisionados por preceptores de medicina de família incorporam essa filosofia, compreendendo as visitas domiciliares como dispositivos essenciais de cuidado, por exemplo. Estas visitas permitem uma visão mais completa e contextualizada da saúde dos pacientes, levando em consideração fatores sociais, culturais e econômicos que afetam seu bem-estar. Ao interagir com as famílias em seus próprios lares, esses médicos constroem uma relação de confiança e empatia, permitindo uma abordagem terapêutica mais holística e personalizada. Essa prática não apenas melhora a adesão aos tratamentos e a saúde dos pacientes, mas também desafia e transcende a abordagem biomédica reducionista, abrindo caminho para uma medicina mais inclusiva e humanizada.
A prática de cuidar de pacientes acamados com lesões por pressão dentro da estrutura das visitas domiciliares, utilizando os parcos recursos disponíveis pelo SUS, possui um potencial pedagógico significativo para a formação de profissionais de saúde empáticos e competentes. Essa experiência imersiva permite aos médicos desenvolver uma compreensão mais profunda das complexas realidades enfrentadas por muitos brasileiros, desafiando-os a prestar cuidados adequados mesmo em circunstâncias difíceis. Ao manusear essas lesões com sensibilidade e eficácia, os profissionais de saúde aprendem a valorizar a importância de uma abordagem holística e compassiva, reconhecendo o impacto do contexto socioeconômico na saúde dos pacientes. Essa prática contribui para a formação de médicos mais empáticos e preparados para lidar com as necessidades de uma população diversificada e vulnerável. Além disso, ao prestar cuidados em cenários desafiadores, os médicos podem fazer uma diferença real na saúde da população brasileira, promovendo uma medicina mais inclusiva e sensível às realidades dos pacientes.
Objetivo
Narrar a experiência de oferecer cuidado através de visitas domiciliares a pacientes acamados portadores de lesão por pressão como dispositivo de apoio à formação empática e resiliente de médicos de família e comunidade.
Descrição da experiência
A experiência de se formar médico e atuar sozinho no sistema de saúde é desafiadora, especialmente quando os profissionais enfrentam a realidade de pacientes sofrendo devido à negligência e ao não cumprimento do princípio ético da equidade. Médicos recém-formados muitas vezes se deparam com situações onde os recursos são escassos e as disparidades de acesso ao atendimento de saúde são evidentes, resultando em um cenário onde a prática médica é testada ao extremo. Essa experiência ressalta a necessidade de uma abordagem equitativa e inclusiva no sistema de saúde, onde todos, independentemente de sua posição socioeconômica, tenham acesso a cuidados de qualidade.
Mesmo para médicos que não desejam atuar na área de MFC, uma residência nessa especialidade oferece uma experiência enriquecedora e transformadora. A imersão nos cuidados da Atenção Primária à Saúde (APS) proporciona uma visão holística e humanamente profunda, permitindo aos profissionais compreender as complexidades das condições de saúde dos pacientes de maneira integral. Além disso, a residência em MFC também oferece uma vantagem prática: ao concluir o programa, os médicos obtêm uma pontuação adicional de 10% na próxima prova de residência médica, facilitando seu progresso acadêmico e profissional.
As visitas domiciliares, uma prática fundamental na MFC, ajudam os médicos a mergulhar na experiência dos pacientes, fornecendo uma visão mais completa e contextualizada de suas condições de saúde. Essa abordagem permite identificar e abordar problemas precocemente, ajudando a evitar situações mais sérias e drásticas, como lesões por pressão infectadas. Além disso, as visitas domiciliares promovem uma relação de confiança e empatia entre médicos e pacientes, contribuindo para uma abordagem de saúde preventiva e personalizada que pode melhorar significativamente o bem-estar dos pacientes e, consequentemente, a qualidade da prática médica no SUS.
Resultados
As residências médicas em Medicina de Família e Comunidade enfrentam o desafio de dispor de poucos recursos para espaços formativos, uma diferença significativa em relação às residências hospitalares, que contam com estruturas mais robustas e equipadas. No entanto, a prática de visitas domiciliares pode suprir essa lacuna ao proporcionar um ambiente de atendimento direto e um engajamento imersivo com ênfase comunitária. Essa abordagem permite aos médicos residentes entrar em contato direto com as realidades vividas por seus pacientes, compreendendo melhor suas condições socioeconômicas, culturais e de saúde.
Em particular, as visitas domiciliares são cruciais para abordar a problemática dos idosos acamados, que correm o risco de desenvolver lesões por pressão devido à imobilidade prolongada. O atendimento médico contínuo e personalizado nessas visitas não só ajuda a identificar e tratar essas lesões precocemente, mas também atua como um mecanismo de promoção e proteção à saúde, reduzindo o risco de complicações mais graves. A atenção médica orientada à prevenção e ao cuidado holístico nesses cenários não apenas melhora a qualidade de vida dos pacientes, mas também contribui para uma abordagem médica mais inclusiva e efetiva, focada no bem-estar integral das comunidades atendidas.
Os idosos acamados enfrentam um risco significativo de desenvolver lesões por pressão devido à imobilidade prolongada e à falta de circulação sanguínea adequada em determinadas áreas do corpo. Essas lesões, se não tratadas adequadamente, podem evoluir para úlceras profundas e infectadas, resultando em complicações graves que podem colocar a vida do paciente em risco. Além do impacto direto na saúde e no bem-estar destes idosos, essas lesões por pressão representam uma sobrecarga para a estrutura do SUS O tratamento dessas lesões requer recursos médicos consideráveis, como intervenções cirúrgicas, terapias especializadas e medicamentos, além de internações hospitalares prolongadas. Esse cenário aumenta a demanda por serviços de saúde, sobrecarregando o sistema e agravando as disparidades no atendimento. Para mitigar esses riscos, é essencial implementar estratégias de prevenção e tratamento precoce, promovendo uma abordagem holística que atenda às necessidades dos idosos acamados.
Conclusão
Ao entrar na residência de MFC no SUS, os médicos têm a oportunidade de se afastar de modelos médicos convencionais e explorar um caminho que valoriza a complexidade e a individualidade de cada paciente, promovendo uma prática de saúde mais equitativa e inclusiva.
Ao adotar essa abordagem preventiva e personalizada, o residente de MFC não apenas melhora a qualidade de vida dos idosos acamados, mas também reduz a necessidade de intervenções médicas mais caras e a demanda por internações hospitalares prolongadas. Isso contribui para a sustentabilidade do SUS. Essa experiência pode inspirar uma reflexão crítica sobre as estruturas de saúde, incentivando os profissionais a defender melhorias sistêmicas que possam beneficiar tanto os pacientes quanto a qualidade da prática médica no país.