INTRODUÇÃO
Compreender a saúde no contexto brasileiro é inegavelmente ancorar-se no Sistema Único de Saúde (SUS), uma conquista primordial desde a Constituição de 1988. Paralelamente, a trajetória das mulheres é marcada pela luta por direitos, especialmente no âmbito da saúde. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) emerge desse cenário, visando transcender o tradicional papel de mães, enfocando integralidade, direitos e prevenção de agravos evitáveis. Contudo, a implementação dessa política enfrenta desafios significativos, particularmente em regiões remotas, onde mulheres enfrentam múltiplas formas de discriminação e desigualdades.
Na Amazônia, essa realidade se torna ainda mais complexa, com desafios específicos de acesso e governança. Nesse contexto, a regionalização em saúde surge como uma estratégia essencial para mitigar desigualdades, embora sua efetivação demande processos participativos e sensíveis às peculiaridades locais. Este artigo propõe uma análise das abordagens existentes sobre a saúde da mulher rural na Amazônia, visando identificar lacunas e promover discussões que contribuam para uma saúde verdadeiramente universal, integral e regionalizada.
MÉTODOS
Esta pesquisa baseou-se em uma revisão integrativa de literatura para examinar os resultados de estudos anteriores sobre a saúde das mulheres ribeirinhas, seguindo seis fases: elaboração da pergunta norteadora, busca na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa. A presente revisão sustenta-se nas bases de dados eletrônicas Medline, SciELO, BDENF e LILACS. Foram selecionados estudos completos disponíveis online nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre 2018 e 2022.
Os critérios de exclusão foram estudos que não estavam diretamente relacionados à temática. Embora a busca inicial tenha incluído o descritor "Amazônia", apenas um artigo foi encontrado, então a busca foi expandida para incluir o nível de saúde, resultando em uma amostra maior de artigos para análise.
RESULTADOS
Após a leitura na íntegra dos artigos eles foram analisados de acordo com seus objetivos e resultados, e após a aplicação dos critérios de exclusão foram selecionados 05 artigos para leitura na íntegra. Os estudos revisados investigam a saúde da mulher em áreas rurais, abordando temas como atenção básica, saúde mental, violência, trabalho, sexualidade, reprodução e características sociodemográficas. Destacam-se pesquisas sobre o papel dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) no apoio a mulheres rurais vítimas de violência doméstica e o exame da saúde sexual e reprodutiva dessas mulheres, ressaltando desafios como acesso limitado aos serviços de saúde e a prevalência da violência doméstica.
Além disso, alguns desses estudos analisam o perfil e as dificuldades enfrentadas pelas mulheres trabalhadoras rurais, ressaltando a diversidade e as necessidades específicas desse grupo. Há também a presença da relação entre limitações de infraestrutura em áreas rurais e a saúde da mulher abordada de forma a ressaltar a importância de políticas adaptadas à realidade dessas mulheres.
Nesse contexto, considerando algumas políticas já existentes, pode-se afirmar que a determinação social da saúde e os objetivos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), apresentam uma interconexão entre violência contra a mulher e práticas de cuidado em saúde de maneira evidente. Destaca-se também a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCF) com iniciativas que visam promover o controle social no SUS e a participação das mulheres rurais na construção de políticas públicas de saúde.
Entretanto, foi possível observar que os estudos identificam diversas barreiras enfrentadas por essas mulheres, reforçando a necessidade contínua de políticas específicas para garantir melhores condições de vida e saúde, especialmente na Amazônia.
DISCUSSÃO
Ao abordar as mulheres rurais é inevitável a interlocução de gênero e ruralidade na busca por compreender as diferentes realidades vividas por estas mulheres, reconhecendo sua complexidade e diversidade. A perspectiva de gênero, em sua dimensão, ético-política visa promover a equidade de gênero e a justiça social, considerando os contextos culturais, econômicos e sociais específicos relacionados à mulher rural. Da mesma forma, a abordagem da determinação social da saúde oferece uma visão ampla dos fatores que influenciam a saúde, destacando a importância de considerar aspectos sociais, econômicos e políticos, especialmente em regiões como a Amazônia, onde esses elementos interagem de maneira complexa.
Quando se utiliza da perspectiva de gênero para fomentar discussões sobre as mulheres rurais, destacamos os movimentos sociais protagonizado por essa população, em busca de sua emancipação, visibilidade, reconhecimento e efetivação de direitos. Para isso é crucial a implementação de políticas que promovam o acesso igualitário a recursos e programas de capacitação específicos. Além de fortalecer a participação das mulheres nas decisões comunitárias e mobilizar a sociedade sobre essas questões são passos fundamentais para alcançar a igualdade de gênero e o desenvolvimento sustentável nas áreas rurais.
O cotidiano rural é marcado pela produção agrícola, em torno da qual se desenvolvem os modos de vida, trabalho e saúde dessa população. Dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE) apresentam uma visão abrangente da dinâmica de gênero nas áreas rurais do Brasil, destacando tanto os avanços quanto os desafios enfrentados pelas mulheres. Dos 15 milhões de mulheres que habitam as áreas rurais, quase 20% dirigem empreendimento rurais, evidenciando seu papel ativo na produção agrícola.
No entanto, apesar desse progresso, as mulheres rurais enfrentam desigualdades substanciais. Apenas 30% são proprietárias formais de suas terras, limitando sua segurança de posse e autonomia na produção agrícola. O acesso ao crédito e à assistência técnica é ainda mais restrito, com apenas 10% e 5% das mulheres rurais beneficiando-se desses recursos, respectivamente. Essas desigualdades persistem e impactam negativamente o acesso das mulheres a recursos, tecnologia, saúde, educação e mercados.
A criação de políticas que garantam acesso igualitário a recursos é crucial aos determinantes sociais da saúde das mulheres rurais. Restrições no acesso à terra, insumos agrícolas, água, tecnologia e crédito podem impactar diretamente sua saúde e a de suas famílias. Promover acesso equitativo a esses recursos, podem melhorar as condições de vida e saúde das mulheres rurais.
A existência de espaços de discussão onde as mulheres conseguem se manifestar, podem impulsioná-las a fazer escolhas favoráveis à saúde, como práticas agrícolas sustentáveis e acesso a serviços de saúde adequados. A disseminação de conhecimento sobre questões de gênero nas áreas rurais também é crucial para promover a igualdade de gênero e pressionar por mudanças positivas nas políticas locais, contribuindo para um ambiente mais saudável e equitativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressaltamos que a promoção da igualdade de gênero nas áreas rurais não é apenas uma questão de justiça, mas também uma estratégia fundamental para abordar os determinantes sociais da saúde. Destaca-se a necessidade de mais estudos voltados para a saúde das mulheres rurais ribeirinhas na Amazônia, considerando seus desafios únicos e fomentando a produção científica nessa área. A vida ribeirinha está intrinsecamente ligada ao território, à floresta e, principalmente, às águas, o que influencia suas relações sociais, economia e cultura. No entanto, abordar a Amazônia e sua população rural, especialmente as características fluviais, é um desafio na produção científica devido à falta de estudos que considerem a nomenclatura ribeirinha, o que contribui para a invisibilidade das peculiaridades da região.