Suporte psicológico em formato online a pessoas enlutadas: extensão, ensino e pesquisa na formação de profissionais da saúde para atuação no campo do luto

  • Author
  • Luciana Bicalho Reis
  • Co-authors
  • Airla Brito , Eduardo Ramos Albert , Laura Vieira Schwan , Saulo Miguel , Iris Morena D. Felipe da Silva , Anna Flávia de Matos Ferreira , Gabriela Assis , Eliza Nemer Neves
  • Abstract
  •  

    O luto remete sempre a uma experiência de perda, que tem como expressão máxima a morte, mas não se resume a ela. Como um processo, abrange um amplo conjunto de respostas biopsicossociais, com manifestações fisiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. Durante a pandemia da Covid-19, as milhares de mortes colocaram a todos em contato com as questões ligadas à morte e ao luto. Serviços de saúde se viram sobrecarregados não somente com a assistência aos doentes, mas também com suas famílias, em luto antecipatório ou sofrendo em decorrência da morte de um familiar. O isolamento social, necessário à época, impactou a oferta de cuidados pelos serviços de saúde. Assim, famílias em sofrimento pela morte de seus entes também lidavam com uma rede de suporte fragilizada em função da pandemia. Naquele contexto, multiplicaram-se as ofertas de cuidado em formato online a pessoas enlutadas pela covid, como os grupos de apoio. Neste sentido, dois desafios se impuseram: a oferta de cuidado qualificado aos enlutados e a capacitação de profissionais para fazê-lo. Sabe-se que os cursos de graduação, mesmo da área da saúde, pouco preparam os futuros trabalhadores para lidar com a morte, o morrer e o luto. Estes quase sempre são vistos unicamente a partir da dimensão biológica, desconsiderando-se os fatores psicossociais neles presentes. Neste sentido, ainda na pandemia, foi criado o projeto AcolheDor, ligado ao curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Este visa ofertar ações de cuidado, por meio de grupos de apoio online e atendimento psicológico individual, a pessoas enlutadas, além de desenvolver ações de educação para a morte e luto. Desde então, o projeto já atendeu em grupos ou individualmente 145 pessoas. Assim, em consonância com o tripé da vocação da universidade, que é desenvolver ações de pesquisa, ensino e extensão, este trabalho tem por objetivo apresentar parcialmente os resultados das ações desenvolvidas no âmbito do Projeto Acolhedor, que envolvem a assistência a enlutados por meio da extensão; o ensino, voltado a formação de estudantes de graduação e profissionais de saúde para o trabalho com enlutados; além da pesquisa, lançando luz sobre os efeitos desta proposta de cuidado. Como resultados, no âmbito da extensão universitária, até o semestre de 2024/1, já foram ofertados 2 grupos de apoio a enlutados pela covid, 8 grupos de enlutados por perdas gerais de familiares e amigos, 6 grupos de luto gestacional e neonatal, 1 grupo de viúvas, 2 grupos de perda por suicídio e 5 grupos de órfãos, totalizando 135 participantes. Os grupos têm frequência semanal, com duração de aproximadamente 90 minutos, e aconteceram de modo online ou presencialmente no núcleo de psicologia da universidade. São mediados por 2 estudantes de psicologia que discutem e planejam as atividades em supervisão semanal com a coordenadora do projeto. A proposta estrutura-se como uma intervenção breve e focal, cujo objetivo é apoiar os enlutados a elaborar o luto ajustando-se à sua perda por meio de vivências, rodas de conversa, dinâmicas de grupo e outras atividades que favoreçam a expressão emocional. Os treze estudantes envolvidos no projeto participam de supervisão semanal, grupos de estudos e atividades de pesquisa. O projeto AcolheDor realiza, também, ações de educação para morte e luto em parceria com projetos ou serviços da rede de saúde local. Já foram realizadas rodas de conversa com as equipes de saúde do Centro de Referência em Atendimento ao idoso do Vila Velha/ES, da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do HUCAM,  com residentes em cuidados paliativos do ICEP, com servidores da UFES, com participantes da Universidade da Terceira Idade da UFES, entre outros. Além disso, partindo-se da perspectiva de que é necessário ofertar aos trabalhadores do Sistema Único de Saúde espaço para a reflexão sobre a morte, o morrer e o luto, considerando a necessidade de cuidados de muitas pessoas enlutadas, o projeto também ofertou dois cursos de extensão. O primeiro, “Saúde Mental e Luto”, de 30h em formato online, aberto à toda comunidade por meio da plataforma Moocqueca da UFES, já conta com mais de 1200 inscritos. O segundo, “Luto e saúde mental: primeiros cuidados” de 50h, em formato hibrido, previsto para realizar-se no segundo semestre de 2024, será voltado para trabalhadores da rede de saúde do município de Vitória/ES em parceria com a ETSUS. Assim, tanto estudantes da graduação quanto trabalhadores encontram por meio do AcolheDor oportunidade de aprendizagem e reflexão sobre temáticas ainda pouco debatidas na formação. Sabe-se que a maior parte das pessoas enlutadas não demandará cuidados específicos de saúde. Algumas delas, entretanto, em função de inúmeros fatores, podem necessitar de suporte profissional. Defende-se aqui que o cuidado as pessoas enlutadas deve convocar todos os trabalhadores e não somente os da saúde mental, dado que o estudo e intervenção com enlutados configura-se como um campo multidisciplinar. Daí que iniciativas que ampliem essa discussão entre profissionais e estudantes se mostrem relevantes. No entanto, considerando-se que o cuidado a pessoas enlutadas em formato grupal e online ainda é pouco conhecido no país, embora tenha se expandido durante a pandemia, propôs-se, vinculada às ações de extensão e ensino do acolhedor, uma pesquisa (com financiamento da FAPES/Cnpq) que tem como objetivo geral analisar e refletir sobre os efeitos da proposta de intervenção psicológica online a pessoas enlutadas no âmbito do projeto. Como objetivos secundários pretende-se caracterizar os participantes do projeto em relação a dados sociodemográficos e descrever e analisar os efeitos da intervenção realizada nos grupos de Apoio ao luto propostos. Para alcançar tais objetivos, realizou-se até o momento 22 entrevistas em profundidade com pessoas sobre sua experiência de ter recebido apoio em algum grupo online do AcolheDor, além da análise de 47 formulários de avaliação da participação nos grupos. Os resultados indicam que ter recebido apoio em grupo, mesmo em formato online, contribuiu para a elaboração do luto, com ajustamento à perda e enfrentamento dos estressores decorrentes da morte do ente querido. Os participantes, tanto nos formulários de avaliaçao dos encontros, quanto nas entrevistas, relatam que os grupos de apoio constituem lugar em que recebem suporte social e tem validada sua experiência da perda, com possibilidade de expressão dos afetos. Além disso, a participação nos grupos cumpre função de psicoeducação para o luto, possibiltando a compreensão do processo e a construção de modos de enfrentamentos das dificuldades dele advindas. Assim, conclui-se que o projeto AcolheDor tem sido capaz de ofertar cuidado qualificado a pessoas em luto. Além disso, tem sido possível contribuir com a formação de profissionais, por meios das ações de ensino e pesquisa, favorecendo o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades para o manejo e cuidado de pessoas enlutadas, com especial atenção aos impactos do luto sobre a saúde dos indivíduos e populações.  

     

  • Keywords
  • Luto; Formação profissional; Assistência a enlutados.
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
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