Introdução
“O evento central da vida do profissional médico continua sendo o encontro entre pessoas, o qual
é representado pela consulta médica”. A citação pode ser encontrada no Tratado de Medicina de
Família e Comunidade, de Gusso. E representa bem a importância da entrevista clínica para a
formação do médico generalista, principalmente para o Médico de Família e Comunidade (MFC),
este que, em seus princípios, se define como um clínico qualificado dentro essencialmente da
Atenção Primária à Saúde (APS).
Diversas metodologias de abordagem à consulta médica existem e podem se adequar às mais
diferentes realidades comunitárias. O Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) constitui uma
dessas abordagens que mais se assemelha à execução das competências essenciais do MFC, esse
que promove um entendimento integrado acerca da pessoa e consegue dar autonomia tanto ao
paciente quanto ao médico de formular um plano conjunto, em que as expectativas de ambos os
envolvidos sejam sanadas.
O MCCP vem se tornando essencial na prática do MFC, à medida que há o aumento dos Programas
de Residência em Medicina de Família e Comunidade, no Brasil. Em Manaus, no Programa de
Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade da SEMSA Manaus (PRMMFC
SEMSA/Manaus), a metodologia escolhida para o ensino do MCCP é o Role Play.
O role play é uma metodologia de ensino em que os alunos assumem papéis definidos e agem de
acordo com cenários pré-definidos. É uma simulação de interações com o propósito de desenvolver
habilidades interpessoais, situações diagnósticas, aconselhamento ou discussão de planos de
tratamento. O objetivo deste relato de experiência é apresentar como esta técnica de aprendizagem
funciona ao tornar mais didático o ensinamento acerca do MCCP aos residentes de MFC.
Apresentação
O MCCP se divide em quatro componentes principais, que se subdividem em outras abordagens
dentro de cada um. Apesar de serem divididos em quatro, são interligados e integrados, ou seja,
não seguem uma ordem específica. Os componentes vão se apresentando na consulta médica de
acordo com as direções que a entrevista clínica vai seguindo durante seu curso natural. Os quatro
componentes são:
1. Explorando a saúde, a doença e a experiência da doença;
2. Entendendo a pessoa como um todo - o indivíduo, a família e o contexto;
3. Elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas;
4. Intensificando a relação entre a pessoa e o médico.
Devido ao fato de que se apresentam de maneira espontânea e que aquisição de informações
valiosas à prática do MFC depende da experiência e do know-how do médico que está aplicando
o método, se faz necessário que o mesmo desenvolva seus conhecimentos teóricos nas práticas do
dia-a-dia, assim adquirindo o tempo de experiência necessário para conseguir conciliar tudo que
foi aprendido com os principais empecilhos cotidianos, inerentes tanto à APS quanto à sua própria
personalidade.
O role play surge como uma técnica de aprendizado que aparece nas aulas teóricas do programa
de residência como uma oportunidade de praticar e experienciar possíveis situações hipotéticas
semelhantes às encontradas na prática clínica. Assim, mesmo em formato de teste se obtém uma
experiência do que pode-se encontrar pela frente. Somado ao fato, de que a presença de preceptores
para guiar as conversas, torna o olhar atento a cada ponto sensível da conversa que possa conter
informações valiosas para o MFC.
As aulas que englobam o MCCP no PRMMFC em questão são divididas pelos preceptores; o
método se divide em duas aulas principais, uma para os dois primeiros componentes e uma para
os dois últimos. São apresentadas diversas consultas em formato de vídeo e é orientado que cada
grupo de alunos, faça o seu role play da consulta apresentada, utilizando os componentes
previamente ensinados. Os preceptores estão presentes a todo momento e compartilhando
feedbacks sobre as falas mais importantes e essenciais.
Resultados
Ao final de cada aula teórica é reservado um momento em que os preceptores solicitam feedbacks
referentes às atividades realizadas previamente. Com relação a dramatização (role play) como
dinâmica de aprendizado pôde-se constatar que grande parte dos residentes obtiveram um maior
entendimento quanto à utilização do MCCP na prática. Ao roteirizar e encenar a aplicação correta
do método sob orientação dos preceptores, seguido de discussão, foi possível apontar como
desenvolver melhorias nas habilidades de comunicação entre o médico e o paciente, assim como
explorar outros aspectos para além da doença.
Ao fazer o papel de pessoas que buscam ajuda, os residentes puderam vivenciar a necessidade de
serem explorados como um todo, dando ênfase ao segundo componente do mccp. Já os que
desenvolveram o papel de médicos relataram a importância da empatia no momento da consulta,
sentimento que estimula a busca por fatores subjetivos da pessoa que em um primeiro momento
podem não parecer estarem relacionados com suas principais demandas de saúde.
Considerações finais
Esse jogo de atuação possibilitou aos residentes a identificação de possíveis problemas
(especialmente voltados para habilidades de comunicação) e o desenvolvimento de soluções a
partir da aplicação do MCCP.
Pela semelhança com o cenário em que estão imersos durante a residência médica, tais soluções
roteirizadas e encenadas podem ser aplicadas de forma rotineira pelos residentes durante sua
prática, prezando pelo desenvolvimento pessoal e profissional.
É de suma importância o aprimoramento de métodos diversificados de aprendizagem, tanto para a
formação profissional como para a melhoria de habilidades por parte dos preceptores.