Vulnerabilidade de mulheres com deficiência que residem no contexto rural: aproximações e desafios

  • Author
  • Carmem Layana Jadischke Bandeira
  • Co-authors
  • Cristina Elisa Nobre Schiavi , Letícia Becker Vieira , Marta Cocco da Costa
  • Abstract
  • O conceito da vulnerabilidade está em constante construção e possui ampla variedade terminológica. A vulnerabilidade compreende a chance de exposição ao adoecimento e agravos, aumentando a suscetibilidade dos indivíduos ou grupos decorrentes de aspectos individuais e macroestruturais. Em outras palavras, a vulnerabilidade diz respeito aos “potenciais” de adoecimento de indivíduos ou grupos que vivem em determinadas condições biológicas, psicológicas, materiais, culturais e poli?ticas. Tendo em vista essas questões, alguns grupos sociais são considerados vulneráveis, dentre os quais podemos destacar as Pessoas com Deficiência (PcD). Desvela-se que a intersecção entre deficiência e gênero reflete em discriminação e redução da qualidade de vida. Desse modo, as mulheres com deficiência são descritas na literatura como uma população marginalizada e vulnerável e vivenciam vulnerabilidades por deficiências físicas, psicológica e outras. Diante dessa conjuntura, emerge o conceito da interseccionalidade de marcadores sociais da diferença, tendo em vista o olhar ampliado para as dimensões que envolvem a problemática. A interseccionalidade busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. Assim, procura-se entender a intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação, o que auxilia na possibilidade de ampliação da compreensão da multicausalidade da vulnerabilidade de mulheres com deficiência. Os marcadores sociais são componentes determinantes em nossa sociedade para a sustentação de preconceitos, atitudes estigmatizantes e comportamentos discriminatórios que permeiam as relações sociais, tanto na esfera pública como na privada. Nessa direção, as mulheres com deficiência possuem uma posição social menos qualificada e experimentam menores possibilidades de participação social e politica, acesso educação, a justiça, a saúde, ao trabalho regulamentado, a benefícios sociais, a cultura, ao lazer e demais bens sociais que promovam a equidade de gênero e o desenvolvimento humano de pessoas com deficiência. Somam-se ainda, os estigmas e discriminações que sofrem da sociedade. Isto posto, um grupo de mulheres que merece atenção especial em se tratando da questão da vulnerabilidade é aquele que compreende as mulheres com deficiência que vivem em contexto rural. O anonimato e o isolamento presente na vida das mulheres com deficiência, somados às menores oportunidades de educação, saúde e emprego, além da distância geográfica em relação à área urbana que caracterizam o contexto rural, tornam as mulheres com deficiência ainda mais vulneráveis quando vivem em ambiente rural. É o enfoque interseccional que amplia a compreensão das múltiplas formas de discriminação que operam a partir de categorias de sexo/gênero, deficiência e capacitismo, postulando uma dinâmica não hierarquizada dessas desigualdades, visto que é a interação dessas categorias que atua na produção, manutenção e reprodução das diversas desigualdades sociais. Nesse sentido, o objetivo desse estudo é discorrer acerca da vulnerabilidade de mulheres com deficiência que vivem em contexto rural. Desenvolveu-se um ensaio reflexivo, alinhado à visão das autoras e vivência profissional. Os principais pontos de discussão foram decorrentes da análise reflexiva sustentada na literatura nacional e internacional e na legislação profissional. Como resultados, constata-se que ao longo do tempo, o conceito de PcD passou do modelo médico para o modelo social. Com isso, a responsabilidade pelas desvantagens causadas pelas limitações físicas de uma pessoa concentra-se na sociedade e não mais no indivíduo. Conceitualmente, PcD são aquelas que possuem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. Dados epidemiológicos mensuram a existência de mais de um bilhão de pessoas no mundo convivendo com algum tipo de deficiência, sendo que uma entre cinco mulheres de qualquer faixa etária poderá ter alguma deficiência. Destaca-se que as PcD vivenciam desafios diários no seu vivido, a exemplo de piores perspectivas de saúde, baixo nível de escolaridade, participação econômica precária, taxas de pobreza mais elevadas em comparação às pessoas sem deficiência, além de maior susceptibilidade a situações de vulnerabilidade. Ademais, vivenciam desafios no acesso a atividades simples e serviços básicos como à saúde, educação, emprego, transporte e informação. No que se refere à vulnerabilidade, essa pode ser observada com base em três dimensões: a individual, que está relacionada aos aspectos biológicos, comportamentais e afetivos; a social, que interliga as características próprias do contexto em que o indivíduo está inserido e as relações que este estabelece e acessa para o seu desenvolvimento saudável; e a programática, que se refere às políticas, programas, serviços, ações e à forma com que estes interferem na situação vivida pelo ser. Assim, reconhece-se que mulheres com deficiência estão mais expostas a riscos, no lar e fora dele, de sofrer lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração. No rural isso se agrava devido às características sociais desse espaço. Ademais, em contextos rurais, cuja organização social está sedimentada em modelos tradicionais familiares, essas mulheres dependem de alguém da família ou da generosidade de terceiros para atender suas necessidades de vida e de saúde. Agravando ainda mais a problemática, as mulheres com deficiência se encontram invisibilizadas em todos os setores da sociedade, gerando exclusão e inúmeras dificuldades a esse grupo. O rural reproduz estas situações e condições, tornando mulheres invisíveis devido às características físicas e/ou intelectuais somadas às limitações que o ambiente proporciona. Evidencia-se ainda, que mulheres com deficiência em contexto rural vivenciam vulnerabilidades quanto a restrições de responsabilidade, educação, trabalho, renda, autonomia e benefício social, além de isolamento social em relação a serviços públicos de assistência, policial, jurídica e de saúde. Por vezes, o acesso aos meios de comunicação, como os de telefonia e internet, a distância entre vizinhos, amigos(as) ou familiares, a dificuldade de locomoção por meio de transporte, seja público ou privado, são barreiras que vulnerabilizam ainda mais esse público. Assim, a perspectiva teórico-analítica multifacetada da interseccionalidade dialoga e problematiza os modos de subjetivação das mulheres com deficiência que vivem no rural, como a vulnerabilidade, evidenciando que tanto as suas interseções (classe, gênero, deficiência, capacitismo) quanto os domínios do poder (estruturais, disciplinares, culturais e interpessoais) operam não como entidades unitárias e mutuamente excludentes, mas como fenômenos que se constroem e se enlaçam, moldando complexas desigualdades sociais. Dessa forma, a vulnerabilidade a esse público pode ser analisada tanto pela maneira como atravessa os sistemas de poder interseccionais quanto pela maneira mais ampla como é praticada contra essas populações vulneráveis. A partir dos aspectos apresentados, constata-se a existência de múltiplas vulnerabilidades entre essas mulheres, haja vista a intercessão entre sexo, deficiência e residência em contexto rural. Foi possível identificar que a vulnerabilidade ocorre na dimensão individual, pela ausência de informações; na dimensão social, pela incapacidade de obterem informações e estas influírem no alcance de saúde integral, segurança e proteção; e na dimensão programa?tica, pela ausência de poli?ticas publicas específicas. Desse modo, torna-se fundamental que os profissionais dos mais diversos âmbitos possam auxiliar essas mulheres com vistas a proporcionar o acesso a informações acessíveis e de qualidade, que dialoguem com seu contexto de vida e que possam refletir em melhores condições de saúde. Além do mais, é primordial que não somente os profissionais como também os gestores reconheçam as situações de vulnerabilidade vivenciadas por esse público, a fim de desenvolver ações e políticas públicas mais democráticas e efetivas, com vistas a prevenção, redução e enfrentamento dessa problemática. Por fim, cabe salientar a urgência em promover um cuidado em saúde que considere as singularidades dessas mulheres, comprometido com a ética, justiça e proteção social, mitigando-se vulnerabilidades e promovendo direitos humanos.

  • Keywords
  • Vulnerabilidade, Mulher com Deficiência, Saúde da População Rural
  • Subject Area
  • EIXO 7 – Rotas Críticas - Narrativas de Violência Contra a Mulher
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