Apresentação: Esta sistematização da experiência trata da metodologia referente a construção da ementa da disciplina denominada Abordagem Psicossocial no Âmbito da Atenção Primária à Saúde, que é aplicada no segundo ano da Residência em Enfermagem de Família e Comunidade da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro. O Projeto Político Pedagógico do Programa tem como um dos objetivos desenvolver, a partir do currículo baseado em competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) necessárias aos profissionais de saúde, o cuidado integral e interdisciplinar aos indivíduos, famílias e comunidades, sempre de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Atenção Primária à Saúde (APS). Objetivo: Discorrer sobre os componentes pedagógicos da disciplina Abordagem Psicossocial no Âmbito da Atenção Primária à Saúde, que compõem a matriz pedagógica do segundo ano do Programa de Residência em Enfermagem de Família e Comunidade da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro. Desenvolvimento do trabalho: Como posicionamento, entendemos que a saúde mental não está dissociada da saúde geral, sendo fundamental a partir do estabelecimento de relações com dispositivos do território como Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e Serviço Residencial Terapêutico (SRT), proporcionando aos residentes vivências tanto em sala de aula quanto em espaços extra sala a fim de aprofundar discussões sobre Rede de Atenção à Saúde e os processos da luta antimanicomial. Para tanto, a disciplina de Abordagem Psicossocial no âmbito da Atenção Primária é composta por 03 encontros totalizando 18 horas. Para a sua operacionalização houve a utilização de metodologias ativas como estratégia pedagógica, buscando a valorização da participação ativa dos residentes, bem como incentivando a reflexão crítica sobre a temática, dentre elas: rodas de conversa nos espaços extra sala de aula, brainstorm visando identificar saberes previamente adquiridos frente à reforma psiquiátrica, e debates promovidos a partir das aulas expositivas. No primeiro encontro há o debate sobre a história da loucura, o movimento da reforma psiquiátrica e a reforma psiquiátrica no Brasil, assim como também são realizadas discussões sobre a construção das RAPS. Nesta primeira aula, para aprofundar as discussões, há a organização do encontro com a turma em espaço extramuros, sempre em locais de relevância da RAPS, como o Museu de Imagens do Inconsciente e o Museu Bispo do Rosário localizados na cidade do Rio de Janeiro. O Museu de Imagens do Inconsciente foi criado por iniciativa da psiquiatra Nise da Silveira, entendendo ser esta prática relevante para incitar novas experiências visuais e cognitivas para além da formação e métodos cartesianos de cuidado. Com o passar do tempo, a imagem e importância do Museu se solidificou, se tornando um espaço de relações interdisciplinares onde é possível realizar a imersão em diversos campos do saber, que contemplam desde aspectos artísticos, passando pela antropologia e alcançando os reflexos no cuidado clínico. O Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea é responsável pela preservação, conservação e difusão da obra de Arthur Bispo do Rosário – onde pode ser realizado a visita no Circuito Cultural Colônia, onde Bispo do Rosário viveu, ocupando um conjunto de celas que serviu como seu ateliê e ao Polo Experimental de Convivência Educação e Cultura, difundindo a memória da Colônia Juliano Moreira, além de disponibilizar um importante acervo documental, que auxilia o acesso à pesquisa sobre a Luta de debates sobre saúde mental. No segundo momento, há a aula sobre O matriciamento como dispositivo de cuidado compartilhado, e abordagens da Clínica Ampliada e Projeto Terapêutico Singular ministrada por profissionais da psicologia e da assistência social que compõem a rede de saúde do município do Rio de Janeiro. Embora o PREFC seja um programa de formação uniprofissional, consideramos ser imprescindível a participação de uma equipe docente multiprofissional para fomentar discussões sobre a prática do matriciamento, clínica ampliada, bem como a troca de experiências nos diferentes níveis de atenção à saúde. No terceiro encontro há a discussão sobre a Política de Redução de danos, entendendo ser esta abordagem o caminho de estratégias e intervenções terapêuticas que podem (e devem) ser fortalecidas no cotidiano dos serviços da Atenção Primária à Saúde. Estes conteúdos são ministrados por uma equipe de profissionais de saúde que atuam na rede municipal como psicólogos, médicos e assistentes sociais da equipe do consultório na rua, e que apresentam possibilidades de abordagem clínica a partir de exemplos de ferramentas de construção de cuidado junto ao usuário que pode utilizar substâncias como álcool e outras drogas, bem como ferramentas para a produção de cuidado junto aos seus familiares, cuidados esses que possam dialogar com a realidade do profissional de saúde em campo prático, contribuir para a formação e desenvolvimento de competências do residente na abordagem e atendimento de Saúde Mental a partir da atuação na APS. Esta ampliação de ações no campo da saúde mental viabiliza a realização de ações no próprio contexto do território com grupos familiares, favorecendo o seguimento de pessoas com sofrimentos psíquicos graves que ali residem. Resultados: Diante da necessidade de reconhecer que as demandas de saúde mental estão presentes em diversas demandas de saúde apresentadas pelos usuários que chegam aos serviços de Saúde, em especial da Atenção Primária à Saúde, viabilizamos a discussão sobre o movimento da reforma psiquiátrica e a constituição das RAPS, promovendo a discussão sobre a saúde mental coletiva na perspectiva da família e da contextualização do território. Dessa forma, é esperado que os participantes da disciplina desenvolvam competências de forma crítica e não dissociada de seu lugar na história, considerando dessa maneira as subjetividades, as singularidades e a visão de mundo do usuário no processo de cuidado integral à saúde. Ainda se propõe como resultados, qualificar os participantes da disciplina a realizar discussões sobre o processo de matriciamento e integrar a abordagem psicossocial com a Atenção Primária à Saúde em um modelo de cuidados colaborativos que transpassam os níveis da rede. Considerações finais: O desenvolvimento desta disciplina visa incitar novos agenciamentos e reflexões a partir dos movimentos extramuros e da participação de uma equipe de docentes com a formação multidisciplinar que vivencia a experiência do cuidado à pessoa em sofrimento dentro do Sistema Único de Saúde, a fim de compreender sobre a loucura e as relações entre razão e desrazão na constituição da subjetividade ocidental. Com isso, espera-se que os profissionais residentes e futuros enfermeiros especialistas em saúde da família e comunidade utilizem os saberes apreendidos ao longo do curso para qualificar a rede pública de saúde, bem como os cuidados nela produzidos. Consideramos que este processo de formação dado a partir da rede de afetos pela vivência nas instituições que historicamente representaram dispositivos manicomiais, e que hoje configuram espaços para a realização da reforma psiquiátrica no nosso país no sentido de reinserção dos usuários na sociedade é fundamental para a sensibilização e fortalecimento do processo de desinstitucionalização. Sendo este o caminho para o enfrentamento dos desafios do cotidiano. Assim, apostamos na formação crítico-reflexiva, e que a partir do estudo das políticas públicas e das visitas in loco nos dispositivos histórico-sociais de nossa comunidade, seja possível subsidiar reflexões sobre a consolidação de cuidados em saúde mental de modo livre, no território, visando por fim, possibilidades de produção de cuidado no campo da saúde mental de modo a qualificar as ações dentro do Sistema Único de Saúde.