Percepções de profissionais da Rede de Atenção à pessoa idosa morando sozinha: apreendendo êxitos, impasses e lacunas

  • Author
  • Rodrigo Cardoso Bonicenha
  • Co-authors
  • Nivaldo Carneiro Junior , Patrícia Martins Montanari
  • Abstract
  • As cidades brasileiras passam por um acelerado processo de envelhecimento populacional, sendo o lócus e a escala prioritária de nosso federalismo no atendimento às crescentes necessidades e demandas das populações idosas. Esse envelhecimento acontece em cidades marcadas pela desigualdade social e pela segregação espacial. Os programas, equipamentos e serviços estão organizados sob a tutela das respectivas Secretarias municipais e, em geral, têm uma forma de acesso setorializada, podendo haver diálogo entre diferentes equipes, mas não sendo sempre que essas trocas e planejamento intersetorial acontecem de forma sistematizada. Os principais serviços para as populações idosas são aqueles da saúde e da assistência social, mas existem também os de esportes e cultura, da habitação, mobilidade, entre outros. Geralmente, tanto na Saúde quanto na Assistência Social os equipamentos são geridos por Organizações Sociais, sendo assim, os quadros de funcionários não têm um regime de trabalho estatutário, estando as equipes mais propensas aos desligamentos e rotatividade de profissionais. Esse elemento pode parecer irrisório, porém com a troca de profissionais perdem-se vínculos sociais construídos com as pessoas idosas, impactando diretamente nos respectivos tratamentos e sua aderência. Perdem-se também saberes e conhecimentos acerca das especificidades e particularidades do atendimento às pessoas idosas, construídos na prática profissional. Nesse contexto, um crescente número de pessoas idosas vive em domicílios unipessoais representando uma miríade de situações particulares para as quais as políticas públicas, programas, serviços e equipamentos precisam promover atendimento, com uma gama limitada de possibilidades e capacidades. Morar sozinho não implica, necessariamente, em uma pior qualidade de vida da pessoa idosa, havendo as que moram só por opção e outras como único recurso possível. De um modo geral, há escassez de equipamentos e de profissionais na rede diante das necessidades e demandas das pessoas idosas, principalmente considerando a heterogeneidade e diversidade das velhices. O objetivo desse trabalho foi apresentar as percepções de profissionais da rede de atenção à pessoa idosa em domicílio unipessoal acerca dos êxitos, impasses e lacunas em face das demandas e necessidades dessa população. O trabalho é oriundo de uma pesquisa multicêntrica que investigou determinantes intermediários da saúde das pessoas idosas que moram sozinhas e incluiu métodos mistos. Aqui apresentamos percepções oriundas de grupos focais e entrevistas semi-estruturadas, coletivas e individuais, com profissionais da Rede de Atenção à Pessoa Idosa, de equipamentos na região central da cidade de São Paulo e nos municípios de Jundiaí e Santo André. A coleta de dados aconteceu entre os meses de Dezembro de 2023 a Abril de 2024. Em um primeiro momento, objetivou-se realizar encontros conforme o nível de complexidade dos equipamentos na Rede de Atenção, sendo organizado na Atenção Básica (Atenção Primária, no caso da Saúde, e Atenção Básica, no da Proteção Social) e Atenção Especial (Atenção Secundária e Terciária, na Saúde, e Atenção Especializada, na Proteção Social). Porém, por uma série de questões de ordem pessoal dos participantes, como liberação do superior hierárquico para participação no Grupo Focal, incompatibilidade de agenda do profissional, entre outros aspectos, os encontros mesclaram níveis diferentes de atendimentos na rede. Entre os aspectos exitosos mencionados pelos profissionais está a atuação das equipes diante de situações sociais complexas, para as quais comumente não há recursos (humanos, financeiros, sociais, comunitários) suficientes, mas que sem a atuação dessas equipes testemunhariam situações mais graves. A atuação capilarizada no território das equipes da Estratégia de Saúde da Família, dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), do Programa Acompanhante de Idosos (PAI) e do Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio (SASF) promovem ganhos sociais para um grande número de pessoas idosas em domicílios unipessoais. Por fim, a busca pela intersetorialidade, que pode partir das próprias equipes profissionais mais do que da estrutura dos serviços, permite a superação de entraves e impasses impostos ao atendimento e necessidades dos itinerários terapêuticos das pessoas atendidas. Ao longo dos encontros, ficou claro que a rede de atenção é insuficiente para atender todas as demandas das pessoas idosas e daquelas em domicílio unipessoal. Além das situações de pessoas idosas em domicílio unipessoal que necessitam de atendimento, foram comuns os relatos de pessoas idosas cuidando de outras pessoas idosas, quer sejam pais ou filhos, parentes e até mesmo amigos ou vizinhos. Um aspecto limitante no atendimento é que muitas vezes os serviços exigem que a pessoa idosa tenha alguém co-responsável por seu Plano Terapêutico Singular (PTS), ferramenta fundamental do cuidado e atendimento das necessidades pessoais. Isso exclui e limita o atendimento de pessoas idosas em domicílio unipessoal, em especial aquelas com vínculos familiares e sociais fragilizados. Outro entrave no processo de promoção à saúde das populações idosas é que os equipamentos tendem a focar em certos aspectos da vida para os quais podem atuar, porém as questões que necessitam de atenção muitas vezes são multifatoriais ou multidimensionais, dificultando uma abordagem mais abrangente que poderia cruzar serviços, equipamentos e equipes. Ainda no âmbito de limites da rede de atenção apareceu a questão de necessidades de atendimento em processos de fragilização. São comuns as entradas em equipamentos da saúde sem que seja possível uma alta do paciente, porém os serviços não comportam essa relação de estadia das pessoas idosas acamadas ou com necessidades de cuidados por longo período de tempo, inclusive expondo as pessoas idosas internadas ao risco de contaminação nos casos de atendimentos hospitalares. Em alguns casos, o equipamento de assistência social, por exemplo, não tem como objetivo promover o atendimento a pessoas que dependam de cuidados ou cuidadores, porém como a pessoa idosa ali atendida passou a necessitar de cuidados especiais, como no caso da nutrição parenteral ou de colostomia, ela é mantida no equipamento que não promove um atendimento completo a suas necessidades. Nesses casos, equipamentos que têm como enfoque o atendimento diurno enfrentam impasses no cuidado de pessoas idosas que estão sob sua tutela, sem que haja equipes e profissionais especializados em tais atendimentos. Entre possíveis lacunas, há a necessidade de criação de serviços e programas, em especial aqueles que promovam o cuidado em casa e na comunidade, como programas de entregas de refeições, suporte para o cuidador informal; e a ampliação de programas existentes, como a maior difusão de equipes de acompanhantes de idosos, etc. Há uma lacuna nos serviços de cuidado de longa duração, sendo comum situações em que é necessária a promoção de cuidados de longa duração em equipamento inadequado, como em hospital, em hotel social ou centro de acolhida especial para idoso (CAEI). Se o envelhecimento é uma conquista social que deve ser valorizada, envelhecer nas cidades brasileiras não reflete condições ideais para a qualidade de vida. No caso de uma pessoa idosa com autonomia preservada e bom quadro de saúde pessoal, as chances para a velhice com qualidade de vida são maiores, porém para aquelas fragilizadas ou em vias de, as que necessitam de cuidados ou que passam a demandá-los, as chances de não ter um tratamento adequado e efetivo são reais. Por um lado, as equipes trabalham sobrecarregadas em relação aos graves problemas sociais que enfrentam e, por outro, são insuficientes para atender ao crescente contingente populacional que envelhece e depende(rá) de cuidados. Isso implica, em grande medida, que o Estado, em seus diferentes entes federativos, tome as rédeas desse processo que abarca todas as cidades brasileiras em ritmos distintos. O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Brasil. Códigos dos processos dos projetos: 409932/2022-1 e 150770/2023-5.

  • Keywords
  • Pessoas Idosas, Rede de Atenção, Domicílio Unipessoal, Envelhecimento
  • Subject Area
  • EIXO 3 – Gestão
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