Violência institucional e os serviços de saúde: produção audiovisual como instrumento de reflexão

  • Author
  • Júlia Isotton
  • Co-authors
  • Letícia Stake Santos , Ana Luísa Baurich Vidor
  • Abstract
  • Introdução: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência institucional foi conceituada como “o uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa, grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações de desenvolvimento ou privação”. Compreende-se a violência como uma questão social e de saúde e as pesquisas na temática se intensificaram na última década. Pesquisas qualitativas, no formato de entrevistas com profissionais e usuários de variados setores do Sistema único de Saúde, sinalizam que os episódios de violência não são pontuais no cotidiano dos serviços de saúde. Portanto, a constância e a alta distribuição dos episódios violentos, os caracteriza como institucional, ou seja, existem elementos dentro da estruturação da relação entre o serviço e o usuário que concretizam relações violentas. A violência institucional pode assumir várias formas, incluindo a pressão para ajustar o paciente às demandas do serviço, a subestimação da importância da experiência pessoal em favor do conhecimento científico, a agressão física, a falta de atenção, a omissão de informações e a sensação de peregrinação em busca de cuidados adequados. Desta forma, os episódios podem ocorrer desde o momento em que o usuário busca por atendimento em saúde ou durante o desenvolvimento das práticas que comprometem o cuidado e bem-estar do indivíduo. A legitimidade dos atos violentos é sustentada pela natureza autoritária e intervencionista dessas práticas ao longo do tempo. A predominância do modelo biomédico, que está enraizado na história da maioria das profissões de saúde, juntamente com os avanços tecnológicos na área médica, destacam ainda mais a falta de consideração pelos direitos humanos nessas abordagens. Objetivo: descrever a experiência da construção de um vídeo sobre violência institucional e os fenômenos vivenciados no cotidiano das comunidades e profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), com ênfase na Atenção Primária à Saúde (APS). Metodologia: trata-se de um estudo descritivo qualitativo da experiência de construção de um vídeo como produto final apresentado na disciplina “Cotidiano e o Trabalho em Saúde” do curso de Pós Graduação Residência Multiprofissional em Saúde da Família, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no segundo semestre de 2023. Resultados e Discussões:  a partir das discussões propostas na disciplina de Cotidiano e o Trabalho em Saúde, bem como da experiência cotidiana de relatos de violência institucional sofridos no ambiente de trabalho e cenário de prática da Residência Multiprofissional em Saúde da Família, tornou-se relevante para o grupo expor a temática, problematizar os conceitos e relatos, com o objetivo de refletir sobre a prática profissional em exercício de futuros especialistas em Saúde da Família no contexto da Atenção Primária à Saúde. Para tanto, as residentes envolvidas com a construção do vídeo primeiramente realizaram pesquisas em artigos científicos para conceitualizar violência institucional e seus fenômenos, em seguida selecionaram os fenômenos a serem apresentados no vídeo a partir da experiência pessoal e do cotidiano no ambiente de trabalho e cenário de prática da Residência Multiprofissional em Saúde da Família. Na sequência, foi elaborado o roteiro para gravação do vídeo, em que foram selecionadas frases que demarcassem a violência institucional na prática do serviço e gravadas em áudio por pessoas voluntárias do ciclo social das estudantes, utilizando o gravador do aparelho celular. Também foram selecionadas imagens que representassem os fenômenos abordados, além da gravação de áudio explicando os conceitos de violência institucional e seus fenômenos estudados. A edição final ocorreu por meio de aplicativo de celular. Foram selecionadas 16 frases, ditas por profissionais de saúde do serviço ou relatadas por usuários, ou ainda recortadas de entrevistas em jornais televisivos, drente elas, destacam-se: “Ela chegou a falar que eu sou obesa, que se continuar gorda desse jeito não vou engravidar nunca”; “Ele disse que meu problema é que eu sou obeso e me ofereceu uma bariátrica na clínica particular dele”; ”Eu sou gordofóbica mesmo, vou fazer o que? Não gosto de gente gorda, não gosto de atender gordo”; “Uma doutora no hospital me furou cinco vezes para procurar uma veia, eu falei que estava doendo e ela disse: ‘Você sente a dor da rua e da droga e vai sentir dor com uma agulhinha?”; “Não houve sequer uma consulta em que eu não passasse por exames de toque e eles passaram a doer muito depois de 35 semanas”; “ (...) alegando terem sido vítimas de transfobia, eles falaram que esse caso teria ocorrido em Unidades de Saúde (...). O casal espera o primeiro filho e afirma que não tiveram seus nomes sociais respeitados, mesmo depois de alertarem várias vezes as UBS. Além disso, relataram que foram mal tratados pelos profissionais”; “Não sei por que a gente tem que atender esses moradores de rua aqui junto com todo mundo, por mim vinha a polícia e varria todos eles daqui”; “Atestado? Pra quê? A família toda é de domésticas, elas estão acostumadas a trabalhar assim”. Com base nas frases selecionadas, optou-se por conceituar fenômenos que se expressam recorrentemente na rotina do serviço de saúde, como o racismo, o machismo, a gordofobia, a exclusão digital, a exclusão de surdos, a transfobia, a xenofobia, a violência obstétrica e a negligência com pessoas em situação de rua. Cada conceito foi pesquisado e narrado por uma das residentes integrantes do grupo, apresentados em sequência no vídeo, associado às imagens que representam o fenômeno. A fim de fomentar o debate sobre a questão, finalizou-se o vídeo com a pergunta “Como podemos combater a violência institucional em nossa prática profissional cotidiana?”.  O vídeo foi apresentado na referida disciplina, em ambiente virtual, de forma que todos os colegas e professoras presentes puderam contribuir no debate e refletir sobre os discursos e violências que atravessam a prática profissional cotidiana. Considerações Finais: considerando o Art. 196 da Constituição Federal de 1988, reitera-se a saúde como direito de todos e dever do Estado, que deve garantir o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Porém, essa defesa encontra na prática profissional diversos desafios à sua efetivação plena, uma vez que numerosos grupos ainda não são atendidos em suas especificidades e sofrem violências por parte das instituições que deveriam prezar pelo seu cuidado. Sendo assim, o combate à violência perpetuada pelas instituições se torna um dever ético do profissional da saúde, como forma de promover saúde em sua perspectiva ampliada, construindo na prática cotidiana as mediações para o avanço do projeto da reforma sanitária. Ademais, compreende-se o espaço da residência como promotor de discussões e reflexões que permitam qualificar a formação dos profissionais para atuação no Sistema Único de Saúde. Por fim, e como forma de contribuir para a melhora da qualidade dos serviços, pretende-se utilizar o vídeo elaborado em atividades de formação permanente, realizando oficinas sobre violência institucional juntos aos profissionais de saúde em diferentes espaços de atuação.

  • Keywords
  • Violência institucional, Cotidiano, Profissionais de saúde
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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