INTRODUÇÃO Em 1993, a Conferência de direitos Humanos de Viena ratifica a Declaração Universal dos direitos Humanos de 1948, reforçando a importância das ações promotoras de igualdade como prioritárias para os governos e Nações Unidas. A violência, o assédio, a exploração e o tráfico de mulheres são abordados e as nações são instadas a combaterem todas as formas de violações contra as mulheres, sendo necessário lutar por seus direitos. As mulheres almejam ter seus direitos respeitados também no que se refere à sexualidade, incluindo a vida sexual e reprodutiva. No que tange às relações sexuais e à reprodução, homens e mulheres devem ser tratado de forma igualitária, a fim de alcançar a integridade da pessoa humana, por meio de respeito mútuo, o consentimento e a responsabilidade comum pelo comportamento sexual e suas consequências. É preciso compreender direitos sexuais e direitos reprodutivos separadamente. Eles são interdependentes, mas não são hierarquicamente superiores um ao outro. Só assim, é possível superar a ideia de heteronormatividade. Os direitos sexuais têm a ver com o livre exercício e a garantia de viver a própria sexualidade sem discriminação, preconceito, repressão ou violência; ter direito de decidir se quer, ou não, ter relações sexuais; direito de escolher o/a parceiro/a sexual, sem ter que seguir apenas a heteronormatividade; ter autonomia diante de questões geracionais e o direito de viver a sexualidade independente da reprodução. Já os direitos reprodutivos dizem respeito à livre escolha pela maternidade ou paternidade, à garantia de informações sobre planejamento familiar nos equipamentos sociais públicos de saúde, para contribuir para decisão de como e quando a decisão de ter um filho será realizada, assim como informação de todos os métodos contraceptivos existentes, cabendo à mulher a decisão por qual método usar. Nesse sentido, o estudo tem como objetivo compreender a percepção das mulheres lésbicas sobre as vulnerabilidades que vivenciam na sua vida. MÉTODO Pesquisa qualitativa, do tipo ação participante, articulada ao referencial metodológico do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, que consiste de três momentos dialéticos e interligados entre si: Investigação Temática; Codificação e Descodificação e Desvelamento Crítico. Participaram deste estudo 12 mulheres lésbicas, residentes na região da Grande Florianópolis, Santa Catarina. O Itinerário de Pesquisa desenvolve-se no espaço denominado por Paulo Freire de Círculos de Cultura, onde pessoas que vivenciam situações-limite semelhantes, trocam experiências e coletivamente buscam temáticas de interesse para refletirem e desvelarem. Para percorrer as etapas do Itinerário de Pesquisa, optou-se por uma analogia com a metamorfose da borboleta. A Investigação Temática, abordou a metamorfose da borboleta como uma analogia para a vida das mulheres lésbicas, destacando a fase da lagarta e o processo de descoberta da orientação sexual. Durante o diálogo, as participantes perceberam uma correlação significativa entre suas experiências. Posteriormente, unificou-se os temas que emergiram em duas temáticas norteadoras: 1) Preconceito; 2) Direitos sociais. Na etapa da Codificação e Descodificação, as participantes dialogaram sobre os temas elencados. Refletiram sobre a segunda fase da metamorfose da borboleta, o casulo, discutindo que muitas mulheres se descobrem lésbicas, porém permanecem dentro dele. No Desvelamento Crítico, a mediadora explorou a percepção das mulheres lésbicas sobre as vulnerabilidades enfrentadas. Durante esse processo, ocorreu uma metamorfose simbólica, comparada ao desabrochar de uma borboleta, na qual as participantes revelaram sua identidade lésbica para familiares, amigos e a sociedade. RESULTADOS As 12 participantes se consideravam mulheres lésbicas, cisgêneras, raça branca, na faixa etária entre 23 a 44 anos. Em relação à escolaridade: uma com ensino médio finalizado, um incompleto, sete com nível superior completo, uma com nível superior incompleto e uma com mestrado incompleto. Em relação ao estado civil, sete eram solteiras, duas casadas e duas divorciadas. Todas as participantes tinham renda mensal acima de dois salários-mínimos. Durante a discussão do primeiro tema, as mulheres revelaram sentirem-se vulneráveis dentro do próprio ambiente familiar, como em tantos outros espaços da sociedade: O preconceito vem de muitos lugares, na família, no trabalho, os próprios amigos, porque por mais que eles digam que aceita, é complicado, a gente tem que respeitar os limites deles, mas eles também têm que respeitar os nossos. Eu acho que pra todo mundo que você perguntar: você queria ser lésbica? A resposta seria: não. Porque é muito mais fácil eu casar com um cara, ter filho e viver feliz para sempre (Amora). Dentre as significações relacionadas ao preconceito, as mulheres lésbicas desvelaram sentimentos de discriminação, brincadeiras impróprias e desrespeito: Mesmo que as pessoas dizem aceitar, eu percebo muitas brincadeiras que eu não gosto [...] parece que essas brincadeiras estão intrínsecas nas pessoas, principalmente porque eu convivo com muitos homens, no trabalho que fazem brincadeiras diárias, eu não gosto muito disso (Tigre Laranja). O segundo tema, direitos sociais, foi levantado pelas participantes como a luta por um espaço valorizado, reconhecido na sociedade, como se precisassem de aprovação e de justificativa para a sua orientação sexual, o que as deixa desconfortáveis: Parece que precisamos da aprovação tanto de um grupo quanto da família. A sensação que eu tive, mas quando iniciei na vida homoafetiva, é que eu já partia de um degrau abaixo, do que as pessoas normais. Então eu precisava ser uma pessoa melhor para a minha mãe dizer: olha só a minha filha é médica, olha só a minha filha é isso, é aquilo, mas no final da lista era lésbica, entendeu? Então eu tive que me provar muitas vezes, tanto em um grupo quanto na família, várias qualidades boas para compensar o meu defeitinho de fabricação (Lilás). Durante as discussões, as participantes também evidenciaram que as mulheres, de maneira geral, já são desvalorizadas, e quando se trata de mulher lésbica, a situação fica ainda mais complexa: Desvalorização nos espaços acadêmicos e no mercado de trabalho, eu acho que a mulher por si só indiferente de sexualidade, só pelo fato de ser mulher ela é sempre colocada em posicionamento questionável, as nossas afirmações são sempre postas em jogo. E a mulher quando está na posição de mulher lésbica, é muito mais questionada (Morpho). As participantes refletiram sobre a necessidade de mudanças para superar desafios diante de suas vulnerabilidades, envolvendo um processo de ação-reflexão sobre temas relevantes. Essa reflexão abrangeu possíveis transformações em nível individual e na sociedade, promovendo um empoderamento mútuo. Elas se voltaram para si mesmas, despertando uma consciência crítica sobre dificuldades e potencialidades, buscando uma vida saudável na sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS As mulheres lésbicas identificaram situações de vulnerabilidade individual, social e programática no seu cotidiano de vida. Situações de preconceito são experienciadas em diversos ambientes que transitam em seus cotidianos. Ao mesmo tempo, estas mulheres se preocupam com o envoltório de seus direitos sociais, dando ênfase a falta de discussão sobre a temática no setor político, na área da saúde, educação e direitos constitucionais. Urge avanços sobre a importância de implantação de políticas públicas adequadas para a melhoria da escuta e diálogo com as mulheres lésbicas, as quais possuem direitos e que precisam ser respeitados, conforme suas especificidades e demandas. Portanto, é tempo de provocar debates e novas pesquisas envolvendo a mulher lésbica, em prol de melhorias no cuidado a esta população vulnerável.