Vivência clínica em grupo operativo como experiência de formação em Psicologia

  • Author
  • Rosane Machado Rollo
  • Co-authors
  • Giovana Pivetta Ilha , Jaciane Pinto Guimarães , Maria de Fátima Bueno Fischer
  • Abstract
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    Este trabalho é proveniente de um Estágio Profissional com Ênfase em Intervenções Clínicas, que foi realizado no último ano do Curso de Graduação em Psicologia, no segundo semestre de 2022. A proposta emergiu da necessidade de trabalhar a lista de espera de um Ambulatório em Saúde Mental (ASM) de uma Organização Não-Governamental (ONG) de utilidade internacional, na região Sul do Brasil. A alta demanda pelo setor e o crescente número de encaminhamentos feitos por entidades públicas, como o Poder Judiciário, o Conselho Tutelar, o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), escolas, dentre outras, ao longo do tempo, resultou em uma extensa lista de espera. Diante dessa situação, surgiu a possibilidade de criar um Grupo Operativo (com fins terapêuticos) destinado a adultos, com predominância de sintomas como ansiedade, e depressão, com a finalidade de acolher as pessoas que aguardavam atendimento individual na mencionada ONG. Nesse contexto, o objetivo deste artigo é relatar a experiência clínica de duas estudantes de Psicologia durante o estágio, que foi desenvolvido através de uma proposta terapêutica de Grupo Operativo com adultos de diferentes faixas etárias em um Ambulatório em Saúde Mental de uma ONG, na região Sul do Brasil. Para tanto, a metodologia adotada baseou-se no arcabouço teórico da psicanálise, mais especificamente, na teoria dos Grupos Operativos de Pichon-Riviére.

    O Grupo Operativo, na perspectiva de Pichon-Rivière, procura alcançar uma comunicação ativa e criadora, possibilitando uma aprendizagem aos sujeitos envolvidos. A partir do protagonismos de seus integrantes há uma rede de interações entre os indivíduos, sendo que, a partir destas interações, o sujeito pode referenciar-se no outro, encontrar-se com o outro, diferenciar-se do outro, opor-se a ele e, assim, transformar e ser transformado. Em outras palavras, sob essa perspectiva teórica, aprender por meio do grupo significa uma leitura crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações, além de mudanças centradas na compreensão e na execução de uma tarefa específica. A centralidade na tarefa visa mobilizar ansiedades básicas e estereotipias, procurando por meio delas melhorar a condição psíquica dos participantes envolvidos. Neste sentido, as atividades são concentradas no momento vivido, com a coordenação favorecendo um vínculo transferencial entre o grupo e a tarefa.

    A sistematização do processo de elaboração e intervenção do Grupo Operativo, realizado entre agosto e outubro de 2022, contou com as seguintes etapas: a) reuniões entre a supervisão de estágio e as duas estagiárias, com o intuito de planejar o trabalho; b) análise dos prontuários dos usuários para verificar como estavam as listas de triagem e os pacientes em fila de espera, a fim de identificar aqueles que poderiam participar do processo grupal: c) formação do grupo, a partir das afinidades em relação às suas situações de saúde mental e aos conflitos enfrentados por cada um dos participantes. É importante destacar que a proposta buscou a constituição de um grupo heterogêneo, permitindo a inclusão de pessoas de diferentes idades e sem distinção de gênero ou queixa.

    Para a seleção dos potenciais integrantes, inicialmente, estabeleceu-se contato telefônico com doze indivíduos que aceitaram receber informações detalhadas sobre o grupo. Dos doze convites enviados, seis responderam, e destes, quatro (dois homens e duas mulheres) confirmaram presença no primeiro encontro, que foi denominado de “piloto”. No “piloto”, implementamos, juntamente com os integrantes do grupo, o contrato de trabalho, ou seja, as normas básicas do funcionamento do grupo, tais como: o sigilo, o local, o horário, o tempo de duração de cada encontro, a frequência, a função do coordenador e do observador,  dentre outras. Os encontros ocorriam na sede da ONG, semanalmente, às sextas-feiras, com duração de 1h15min, totalizando nove sessões. O processo terapêutico do grupo aconteceu entre 21 de outubro e 16 de dezembro de 2022. A cada reunião uma das estagiárias recepcionava as/os participantes na sala de espera do local. Como uma forma de organização do espaço, estruturou-se a disposição das cadeiras em círculo, representando a horizontalização entre os participantes, distribuindo tanto o olhar quanto a fala. Em outras palavras, um arranjo nessa perspectiva,  além de possibilitar uma escuta atenta e qualificada,  proporciona a construção de um ambiente suficientemente bom, a fim de dar acolhimento aos gestos/sentidos dos participantes.

    A dinâmica utilizada com o grupo dividia-se em três etapas: na primeira, apresentava-se a função das psicólogas (coordenador/observador), explanava-se sobre os objetivos do grupo, o contrato terapêutico, a temática a ser discutida (escolhida  de  acordo com  as  demandas/mobilizações dos participantes); na segunda etapa, fazia-se o acolhimento da demanda, por intermédio de uma palavra, frase ou até mesmo uma pequena história, ou letra de música, com intuito de explorar a temática. Posteriormente, perguntas disparadoras eram lançadas ao grupo, como forma de mobilizar a troca de vivências, a reflexão e a tomada de consciência por parte dos integrantes. Finalmente, na terceira etapa, destinada a conclusão dos trabalhos do grupo, os participantes eram convidados a falar sobre seus sentimentos e pensamentos do vivenciado, bem como dos aprendizados obtidos no encontro. A cada semana, observava-se o comportamento dos participantes diante das ações propostas, adaptando-se as técnicas e manejo das intervenções, sempre que necessário.

    Ao longo dos encontros as/os participantes puderam expressar suas angústias ao serem ouvidos pelos demais membros, o que gerou a criação de vínculos e a sensação de pertencimento. Além disso, as reflexões e discussões produzidas pelos encontros semanais proporcionou aprendizagens e criou possibilidades para as/os participantes. Dessa maneira, o grupo terapêutico não apenas contribuiu para amenizar o problema da fila de espera, mas também para o desenvolvimento pessoal das/dos participantes e a promoção de cuidado e acolhimento nas situações de saúde mental. Por fim, no último encontro, aconteceu a avaliação final da atividade. A partir dos relatos dos quatro participantes, que responderam coletivamente, a algumas questões sobre as aprendizagens e desejos dos integrantes, ficou perceptível que o grupo se revelou como um espaço aberto à aprendizagem e de desenvolvimento de novas vivências relacionais, como preconizou Pichon-Rivière. As narrativas também reforçaram o grupo como um ambiente acolhedor, um espaço de escuta autêntico e propício para compartilhar os sentimentos, possibilitando a socialização de experiências, o desenvolvimento de novas vivências relacionais, o fortalecimento de vínculos comunitários e a promoção de potencialidades e autonomia. Assim,  observou-se que o grupo terapêutico alcançou seus objetivos e contribuiu para acolher os usuários, fortalecendo-os, promovendo a criação de laços sociais e auxiliando-os a enfrentar suas dificuldades de forma mais potente.

    Ao resgatar e sistematizar essa experiência, pretendeu-se contribuir para a prática de profissionais da área da saúde e afins, especialmente da Psicologia, que veem nas atividades grupais de natureza operativa uma alternativa terapêutica para a construção de conhecimento e a integração de diferentes saberes. Apesar de compreender-se os limites e alcances dessa atividade, a experiência em manejar um grupo terapêutico foi algo novo e extremamente enriquecedor para as estagiárias, tanto em crescimento profissional quanto pessoal. Para finalizar, quanto ao grupo, o processo  contribuiu para fortalecer os vínculos entre os/as participantes e possibilitou a conquista de aprendizagens significativas, abrindo caminho para novas possibilidades e potenciais em suas vidas.

     

     

  • Keywords
  • Grupo Operativo; Psicologia; Relato de Experiência; Pichon-Rivière.
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
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