Navegando pelas tramas do cuidado à população LGBTQIAP+: encontros com trabalhadoras como movimento agenciador de cuidado.

  • Author
  • Stela Mari dos Santos
  • Co-authors
  • Maria Eduarda Romanin Seti , Gabriel Pinheiro Elias , Luiz Gustavo Duarte , Josiane Moreira Germano , Maira Sayuri Sakay Bortoletto
  • Abstract
  •  

     

    Apresentação: O Sistema Único de Saúde foi criado a partir de bases filosóficas, teóricas e epistemológicas fundamentadas em perspectivas alinhadas ao campo social democrata, com a perspectiva da saúde como direito de todos e dever do Estado, a partir do conceito ampliado de saúde. Entretanto, os serviços de saúde, imbuídos na lógica capitalista, são capazes de reproduzir, muitas vezes, as violências, de diversas ordens, em seus espaços. Dentro da lógica da sociedade capitalista, existe um certo padrão a ser seguido, aquele que é homem, branco, heterossexual e burguês terá acesso à direitos e aquele que, de alguma forma fuja ou se distancie deste padrão, enfrentará dificuldades de acesso à direitos, inclusive ao direito à saúde. As populações ditas, fora do padrão-burguês-capitalista, como as pessoas pretas, populações em situação de rua, pessoas LGBTQIAP+ enfrentam e enfrentarão barreiras de acesso aos serviços, assim como, muitas vezes, encaram a reprodução das violências da sociedade por parte dos profissionais da saúde. Há esforços por parte do Sistema Único de Saúde de forma macropolítica de pensar e produzir políticas que busquem promover à equidade, como por exemplo, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População LGBTQIAP+, lançada em 2009, população a qual compõe este trabalho. Entretanto, o movimento no espaço macropolítico é insuficiente para garantir a efetivação de uma política. É no dia a dia, no cotidiano dos serviços, em cada encontro em que é possível viabilizar, ou não, a efetivação da política e a produção de cuidado junto às diversas populações. E é também na compreensão sobre como o agir do profissional a cada encontro impacta na produção do cuidado, na reprodução ou não de violências e padrões impostos. Desenvolvimento: Este trabalho é fruto da pesquisa realizada para a conclusão da Residência Multiprofissional em Saúde da Família, da Universidade Estadual de Londrina, intitulada: “Navegando pelas tramas de cuidado à população LGBTQIAP+: Mulheres que se relacionam com mulheres”, realizada a partir de encontros com usuárias e trabalhadoras de uma Unidade Básica de Saúde deste município. A imersão da pesquisa e os encontros com trabalhadoras e usuárias ocorreram entre abril e dezembro de 2022. Dos diversos campos analíticos produzidos no campo, neste resumo, será exposto a narrativa relacionada ao encontro com as trabalhadoras da UBS. Tratou-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, cujo percurso metodológico escolhido foi a cartografia. A cartografia enquanto abordagem metodológica tem sido utilizada em pesquisas na saúde na perspectiva de que a processualidade e o trajeto da pesquisa interessa muito mais que o próprio produto final, muitas vezes distanciando-se de perspectivas mais positivistas e cartesianas, que buscam resultados duros. Subvertendo a lógica da neutralidade científica, convocando a pesquisadora a imergir, “imundar-se” e emaranhar-se no processo da pesquisa. Esta pesquisa foi atrelada ao projeto da Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Estadual de Londrina, intitulado: “Atuação da Residência Multiprofissional em Saúde da Família em Unidades Básicas de Saúde do Município de Londrina” aprovado pelo comitê de Ética em pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (CEP/UEL) sob o parecer nº 1.154.455/2015, sob o número CAAE: 46699415900005231. Além da aprovação em comitê de ética, foi encaminhada à Secretaria Municipal de Saúde do município de Londrina uma carta de apresentação contendo os objetivos da presente pesquisa. Resultados: Daremos visibilidade à seguinte seção: “Trisal??? Narrativa de um encontro com trabalhadoras” que emerge de uma conversa informal sobre um trisal famoso nas redes sociais, quando chego à sala das ACS e, com esse disparador, entramos no assunto das diversas formas e formatos das relações. Nesse diálogo, caminhamos pelo espectro da não monogamia, falamos sobre a construção das relações e o que cada uma acha importante, falamos sobre nos abrir para relações novas e as marcas das relações antigas no nosso corpo. Elas, as ACS, compartilham situações de suas vidas, formações familiares (uma mãe, duas, mães, três mães, nenhum pai, avós e tias cuidadoras) e também compartilham o que viam nos territórios com comparação com a família ‘nuclear’, mas também com a conclusão de que não é a existência da ‘família nuclear’ ou ‘família margarina’ que garante um ambiente seguro e afetuoso para a construção de relações familiares. Seguimos a conversa, falando de relações entre pessoas do mesmo gênero, famílias homoparentais, como elas fazem parte do nosso território, que proximidade se dá dessas pessoas com a UBS, compartilho aqui também histórias e vivências minhas. Nesse momento, elas questionam e tiveram curiosidade sobre nome social, pronomes, a forma de se dirigir às pessoas que não tem a binaridade marcada no corpo. Elas comentam que não querem ser preconceituosas, mas têm medo de errar e ficam inseguras na hora de conversar e atender pessoas sem a demarcação de gênero. A partir dessa conversa, passei a refletir sobre como muitas vezes a barreira do acesso é para muito além de situações concretas, mas como a nossa subjetividade é composta. Ao existirmos em sociedade, desde antes mesmo de nascermos, existem expectativas quanto a nossa posição em sociedade. Durante nosso desenvolvimento, infância, adolescência, vida adulta e senilidade somos a todo tempo ensinados e cobrados a existirmos de uma maneira bem específica, o padrão branco, homem, burguês, heterossexual. Caso fujamos deste padrão, sofreremos consequências, violências e punições. Nossos corpos (e o que fazemos com eles) são controlados, ao mesmo tempo, nossa subjetividade, em relação ao que esperamos dos corpos que encontramos durante a vida, também é capturada por esses padrões numa lógica dicotômica: homem versus mulher, branco versus preto, heterossexual versus homossexual, burguês versus proletário. Ao nos depararmos com alguém, logo queremos enquadrá-la nesse mundo binário, e o não conseguir nos gera incômodos e desconfortos, e às vezes escolhemos não ir ao encontro e não acolher/enfrentar os desconfortos que podem ser gerados ali. No campo da saúde, o processo de “enquadramento” do corpo do outro é intenso, uma vez que, o campo da saúde é capaz de determinar aquilo que é normal ou não, capturado pela lógica hegemônica e dicotômica, e, portanto, no momento do encontro, há uma relação de poder entre profissional e usuário e também uma possibilidade de romper com a lógica estabelecida. Os atravessamentos gerados pelo racismo, LGBTfobias, machismo, misoginia, capturam e compõe nossa subjetividade, e enquanto não olharmos para eles e realizarmos tentativas de nos deslocarmos, que escolhas estaremos fazendo? Que poder (biopoder) exercemos na vida do outro? Considerações Finais: Os espaços dos serviços de saúde muitas vezes são espaços hostis às populações que fogem dos padrões determinados em sociedade, espaços onde há a reprodução das violências cotidianas e que ao invés de cuidar, violentam. O espaço do encontro cotidiano entre trabalhadores é um espaço potente para diálogos, mesmo que pareçam informais, que proporcionem o deslocamento e o agenciamento para novos modos de agir nos encontros com usuários, novas formas de olhar o mundo e de produzir cuidado junto com o outro/a/e. E para aprofundar a compreensão de que o campo da saúde é um campo que exerce um biopoder sobre a vida das pessoas, e que é essencial reconhecermos nossas capturas para produzirmos cada vez mais um cuidado não violentador, que saiba reconhecer e respeitar as diferenças e produzir junto à elas.

  • Keywords
  • Atenção Básica em Saúde, Cuidado, Minorias Sexuais e de Gênero.
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
Back