O PLANTÃO PSICOLÓGICO ONLINE COMO ESTRATÉGIA DE ACOLHIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA: Um Relato de Experiência

  • Author
  • Elysama Souza Rocha
  • Co-authors
  • Edmar Henrique Dairell Davi
  • Abstract
  •  

    Introdução: O Plantão Psicológico (PP) é um modelo de atendimento que busca atender às diversas demandas da população, considerando uma multiplicidade de contextos. Ele é caracterizado como uma forma breve e pontual de acolhimento psicológico, amparando e ouvindo o indivíduo em momentos de urgência, oferecendo um suporte temporário para seu sofrimento. Seu objetivo é validar o pedido de ajuda do cliente, ajudando-o a explorar suas experiências de diversas maneiras, e motivando também o terapeuta a sair de sua zona de conforto ao poder se aproximar do cliente em diferentes contextos, incluindo o online, um formato que se tornou imprescindível durante a pandemia de Covid-19. O PP se fundamenta na crença de que o sujeito é capaz de enfrentar as suas crises e conflitos urgentes com o apoio do acolhimento e da escuta qualificada, dando sentido aos sofrimentos e permitindo uma ressignificação das experiências. Dessa forma, a escuta clínica não é apenas uma estratégia terapêutica, mas também tem o poder de aliviar a angústia e ampliar a capacidade de autorreflexão do sujeito. Além disso, ter acesso ao atendimento psicológico em momentos de demanda emocional urgente reduz a ansiedade e a angústia, permitindo que o sujeito mobilize recursos internos para buscar soluções para seus dilemas. Portanto, a oferta do Plantão Psicológico pode ampliar o acesso da população aos cuidados de saúde mental e oferecer suporte aos indivíduos em suas crises urgentes. Diante disso, o PP pode ser benéfico ao acolher, por exemplo, mulheres com histórico de violência, uma vez que, essas mulheres podem enfrentar uma maior vulnerabilidade e isso acaba repercutindo de forma permanente em sua vida, não apenas na autoestima, na autoimagem ou aumentando o risco de desenvolverem algum tipo de transtorno de saúde mental, mas também fazendo com que, inconscientemente, elas se envolvam em relações com os mesmos padrões de violências vividas. Ter a simples postura de ouvir essas mulheres pode fazer a diferença, trazendo conforto e fortalecimento, além de possibilitar a compreensão de seus direitos e refletir sobre a violências vividas. Objetivo: O objetivo desse trabalho é relatar a experiência de atendimento, como plantonista, no Plantão Psicológico Online da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Metodologia: Os atendimentos relatados nesse trabalho foram realizados durante os estágios básicos I e II, entre outubro de 2022 a maio de 2023, e durante o projeto de extensão “Projeto de Acolhimento e Escuta Psicológica”, entre novembro de 2023 e março de 2024, do curso de Psicologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, sediado no Centro de Ciências da Saúde em Santo Antônio de Jesus - BA. O plantão, que se fundamentou na perspectiva fenomenológica-existencial, contou com 7 estagiários e visava atender a comunidade externa à UFRB, com idade mínima de 18 anos. Os atendimentos ocorriam uma vez por semana no turno da tarde, por chamadas de vídeo no Google Meet, recebendo livre demanda de pacientes. A fim de preservar o sigilo e garantir a segurança, cada paciente recebia um link exclusivo e sua identidade era confirmada no início da sessão com a apresentação de um documento de identificação com foto ao plantonista. É importante ressaltar que em 2020, devido à pandemia de Covid-19 e ao consequente isolamento social, a psicologia passou a oferecer atendimento online, conforme regulamentado pela Resolução nº011/2018 do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Essa resolução já permitia o atendimento remoto sob certas condições, entretanto, em resposta à pandemia, a Resolução nº 04/2020 do CFP passou a autorizar também o atendimento remoto a pessoas e grupos em situações de urgência, emergência, desastres, violação de direitos ou violência, exigindo apenas que os profissionais obtivessem cadastro prévio na plataforma e-Psi. Ao todo, eu atendi 28 pacientes, predominantemente mulheres, de diversas cidades da Bahia. Inicialmente, foi disponibilizado um acolhimento inicial e a possibilidade de mais três encontros, entretanto, observando a necessidade de acolhimento por mais tempo para algumas pacientes, decidiu-se continuar o atendimento, para além dos quatro encontros previstos, de acordo com a procura de cada uma. Alguns nomes relatados nesse trabalho são meramente fictícios, para preservar a identidade das pacientes. Resultados: Durante os atendimentos foi essencial priorizar a escuta genuína, acolher e responder aos pedidos de ajuda. Todos os casos possuíram suas particularidades, mas alguns em específico foram marcantes por envolver histórias de abuso, assédio sexual na infância e suas repercussões nos vínculos emocionais durante a vida adulta. Rosa, uma paciente de 36 anos, lidava com a culpa e a dificuldade de estabelecer vínculos após sofrer abuso sexual na infância, além disso relatou ter muita dificuldade em estabelecer limites ou pedir ajuda, sempre com receio de estar incomodando alguém. Margarida, 33 anos, viúva e mãe solo, também carregava traumas de abusos sofridos na infância e na vida adulta, tendo dificuldade para se conectar emocionalmente com as pessoas e buscando relacionamentos efêmeros, sem que houvesse oportunidade para uma conexão sentimental. Os dois casos se assemelham pela forma com que os traumas do passado influenciaram na construção de seus relacionamentos afetivos atuais, contudo, apesar da semelhança, foi essencial construir abordagens individualizadas. Em primeiro lugar, foi importante acolher de forma que as pacientes se sentissem confortáveis para compartilhar suas vivências traumáticas, e isso foi possível a partir da redução fenomenológica durante a escuta, que permitiu que eu, enquanto plantonista, compreendesse cada experiência de maneira singular, sem universalizá-las. As duas tiveram 4 encontros e ter sensibilidade nesse momento foi importante para amparar seus medos e fortalecer o processo de autorreflexão. No último encontro com Rosa, ela começou a refletir sobre como a culpa que carregava sobre o abuso sofrido influencia na sua capacidade de ser assertiva, de priorizar suas necessidades e confiar em sua rede de apoio.  Já com Margarida foi importante compreender seus sentimentos e respeitar seu ponto de vista, porque ela acredita que a apatia durante os relacionamentos está mais relacionada com sua personalidade do que com os episódios de violência, portanto, foi importante manter uma conduta voltada ao acolhimento, respeitando seu processo e evitando atribuir, exclusivamente, ao abuso as repercussões relatadas. Íris, 29 anos, relatou estar vivenciando um relacionamento abusivo e um passado traumático cheio de violências, levando-a crises de ansiedade e sintomas psicossomáticos. O fortalecimento do vínculo terapêutico, nesse caso, foi essencial para ajudá-la a reconhecer sua situação e buscar apoio em sua rede para tomar decisões assertivas, por isso também seu atendimento foi um pouco mais prolongado. A conexão estabelecida durante os atendimentos foi a estratégia fundamental para acolher e incentivar a busca por apoio e o processo de autorreflexão a essas mulheres. Conclusão: O Plantão Psicológico Online se mostrou importante para a promoção do bem-estar emocional e para o alívio e amparo do sofrimento de diversas mulheres, especialmente as que traziam um histórico de violência. A escuta empática, embasada muitas vezes por uma atitude de redução fenomenológica, somada a uma abordagem individualizada, permitiu que cada paciente se sentisse ouvida e acolhida. Por meio do fortalecimento do vínculo terapêutico e do incentivo a autorreflexão, foi possível não apenas oferecer suporte imediato, mas também encorajar a busca por apoio e construir novas estratégias para lidar com as dificuldades. Dessa forma, o Plantão Psicológico Online é uma modalidade de atendimento relevante tanto para a promoção da saúde mental quanto no amparo e enfrentamento das violências, sendo imprescindível sua continuidade.   

     

  • Keywords
  • Plantão Psicológico, Redução Fenomenológica, Violências, Escuta empática.
  • Subject Area
  • EIXO 7 – Rotas Críticas - Narrativas de Violência Contra a Mulher
Back