Apresentação: O conceito de saúde proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) diz respeito a uma condição de bem-estar físico, mental e social. Entretanto, é inegável que, atualmente, a conceituação de saúde também está intrinsicamente ligada às singularidades do contexto socioeconômico de cada indivíduo, sendo, portanto, um reflexo de sua conjuntura política, econômica e social. Diante disso, a composição de uma gestão participativa em saúde urge como forma de atender às demandas relacionadas a essa temática, as quais vão desde aspectos clínicos e biológicos até reivindicações por acesso à cultura e lazer. Nesse aspecto, tal modelo de organização contribui para um gerenciamento de tais demandas de forma mais resolutiva e democrática, estimulando a participação ativa, o compromisso e a corresponsabilidade entre os sujeitos envolvidos. Vale pontuar que a participação popular é compreendida como um dos princípios norteadores do SUS, sendo sua operacionalização embasada no diálogo e compartilhamento de ideias entre usuários, trabalhadores e gestores. Logo, a proposta de uma gestão participativa se constitui como parte indispensável da política de promoção de saúde uma vez que coloca colaboradores e usuários como protagonistas do processo, acolhendo demandas gerais, específicas e construindo, coletivamente, planos de ação que envolvam ativamente a participação social, a fim de trazer resultados mais efetivos a curto, médio e longo prazo. Portanto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar um relato de experiência acerca de uma assembleia geral em saúde, organizada sob os moldes de uma gestão participativa, realizada em um assentamento do MST localizado na cidade de Gália.
Desenvolvimento do trabalho: A atividade contou com a presença de membros do programa de extensão da Faculdade de Medicina de Marília “Projeto Severinos”, moradores do assentamento e duas profissionais de enfermagem representantes da Secretaria de Saúde de Gália. O objetivo dessa assembleia foi a exposição e discussão das principais demandas de saúde - em seu conceito amplo e integral, visando todas as esferas biológica, psicológica e social – apontadas pelos assentados, a fim de discutir e propor, coletivamente, encaminhamentos a serem trabalhados a curto, médio e longo prazo. Inicialmente, foi formada uma grande roda de conversa com todos os presentes, a fim de possibilitar que os assentados expusessem as principais queixas, demandas e necessidades de saúde enfrentadas no assentamento e como elas afetam, direta e indiretamente, a população local. Foram levantados apontamentos em relação a todas as particularidades abrangidas pelo conceito de saúde, sendo algumas delas listadas a seguir: dificuldade de acesso das ambulâncias aos lotes do assentamento, falta de disponibilidade de insumos destinados à urgência e emergência, utilização e manutenção do posto de saúde local como espaço de coletividade, necessidade de ampliação de atendimentos médicos e de enfermagem no assentamento, elucidações acerca da disponibilidade de medicamentos nas farmácias populares e municipais e manipulação das plantas da Farmácia Viva ( projeto também elaborado pelo Programa Severinos em conjunto com a população assentada) para fins medicinais dentro do próprio assentamento. Em seguida, os membros se reuniram em pequenos grupos, os quais foram divididos de acordo com os apontamentos que apareceram com maior frequência na discussão inicial. Os grupos formados, portanto, foram orientados pelos seguintes temas: urgência e emergência; utilização do posto de saúde; medicamentos e farmácia viva; articulação, união e mobilização dentro do assentamento. Após as discussões mais aprofundadas nos respectivos grupos, abriu-se novamente uma roda de conversa com todos os presentes na qual um representante de cada grupo trouxe para exposição os principais pontos debatidos e as resoluções e encaminhamentos propostos pelo grupo. Nesse ponto, cabe destacar a importância do vínculo com a secretaria de saúde de Gália, cujas representantes se empenharam em elucidar alguns questionamentos que surgiam sobre o funcionamento do sistema de saúde e sugerir formas de articulação entre o órgão de saúde, o Projeto Severinos e o assentamento, a fim de garantir a efetividade das resoluções propostas.
Resultados: A partir das discussões realizadas, foram propostas resoluções que articularam tanto a participação ativa dos assentados, como dos membros do Programa Severinos e da Secretaria de Saúde de Gália. As ações assinaladas se basearam em eixos fundamentais para a promoção de saúde, compreendendo a integralidade do conceito. Dentre as resoluções, cabe destacar: o comprometimento dos membros do Programa Severinos, como estratégia de educação em saúde, em elaborar cartilhas informativas acerca do acesso aos medicamentos disponibilizados pela rede de serviços integradoras do Sistema Único de Saúde, além da confecção de materiais que aglutinem o conhecimento científico e popular acerca da utilização de plantas medicinais; capacitações de primeiros socorros, orientadas por profissionais da saúde de Gália, para os assentados; comprometimento de todos na reivindicação por insumos para o centro de saúde; proposição de atividades culturais que promovam uma maior união e articulação entre os assentados, tendo em vista o reconhecimento, em diversas falas durante a experiência, da importância desses fatores na mobilização da população em prol das mudanças necessárias; criação de um grupo de gestores dentro do assentamento, responsáveis por nortear e organizar as demandas e estratégias em saúde, tanto no posto de saúde quanto nas extensões dele, além de intermediar a relação entre o assentamento e a secretaria de saúde; organização de um grupo com as pessoas que possuem automóvel, a fim de que eles possam realizar a busca pelos medicamentos na cidade quando estes não puderem ser entregues pelos transportes disponibilizados pela unidade de saúde. De forma geral, pode-se afirmar que os resultados atingidos nessa Assembleia Geral de Saúde não se limitaram apenas à escuta passiva das necessidades de saúde tendo em vista o envolvimento coletivo entre colaboradores e usuários do sistema em prol de resoluções que expressem efetividade tanto a curto prazo quanto a longo prazo. Depoimentos de assentados também enfatizaram a importância do evento no que diz respeito à mobilização e cooperação dos moradores dentro do assentamento em prol de unir esforços que permitissem a garantia da saúde em toda as suas instâncias: universalidade, equidade e integralidade.
Considerações finais: A experiência de organização e participação da Assembleia Geral de Saúde permitiu a consolidação de uma vivência prática da gestão participativa como ferramenta efetiva na garantia da saúde, a qual deve estar sempre fundamentada nos princípios básicos do SUS: integralidade, equidade e universalidade. Ao se estabelecer uma organização com o foco na participação da comunidade, em articulação com os profissionais que integram o sistema, tem-se a possibilidade de edificar uma relação de corresponsabilidade entre todos os agentes que são diretamente influenciados pelas políticas de ação em saúde.