O dia da Luta Antimanicomial (18 de maio) foi instituído em Bauru (SP) no Congresso de Trabalhadores de Serviços de Saúde Mental em 1987, e repercute no município de Assis enquanto um movimento social e político que costuma ser organizado por diversos coletivos da cidade, mobilizando atividades culturais para a comunidade. Esse é um momento que tradicionalmente reúne diferentes profissionais, usuários da saúde mental, familiares e demais interessados pelo debate do cuidado em liberdade. Nesse sentido, a Luta perpetua a importância da convivência com o usuário como uma maneira de superar preconceitos e conquistar direitos, assim como a habilitação do corpo social para construir e reconhecer criticamente o debate sobre o manicômio e suas formas de cuidado, a fim de combater o estigma do louco perigoso, incapaz, e improdutivo.
Dessa forma, a organização e execução da semana é uma possibilidade de convívio social aos usuários fora dos serviços de saúde mental, servindo enquanto um dispositivo de incentivo, para que ocupem diferentes lugares da cidade. A construção de vínculos, produção de vida e cuidado nos territórios marca positivamente o evento, que por si só já cumpre uma função terapêutica, deixando um legado de memórias que ecoam durante o cotidiano nos serviços de saúde mental, além das mudanças provocadas no imaginário popular daquilo que diz respeito ao louco.
Assim, o presente trabalho objetiva descrever as experiências vividas por estudantes de Psicologia da UNESP Assis, membros da LINTER (Liga Interdisciplinar de Saúde), na organização e execução da Semana da Luta Antimanicomial de 2023, descrevendo suas atividades e desdobramentos. Para tanto, pretende-se dissertar sobre a importância da participação social para a garantia de direitos, bem como a urgência em evidenciar esse evento contra a estigmatização dos indivíduos em sofrimento psíquico.
A organização da Semana da Luta Antimanicomial começou em Abril e, desde então, ocorreram reuniões semanais em um Ponto de Cultura autogerido por trabalhadores. Desse modo, a Luta foi construída por diferentes atores e atrizes sociais: Secretaria Municipal de Saúde, Conselho Regional de Psicologia - Subsede Assis, Galpão Cultural, Coletivo 18 de Maio, PIRASSIS (Associação dos Usuários, Familiares e Amigos da Saúde Mental de Assis)/Banda Loko na Boa, Instituto Zimbauê, UNIP (Universidade Paulista), UNESP (Universidade Estadual Paulista) e LINTER. As reuniões funcionavam com uma mediação, que encaminhava as discussões e propostas através de uma lousa, para ajudar as/os participantes a seguirem a linha lógica de raciocínio.
Além do cronograma, foi discutido sobre a arte de divulgação, a qual foi pensada através das ideias dos usuários e aquilo que julgavam interessante conter nos outdoors e cartazes. A programação reuniu atividades entre os dias 15 a 20 de maio de 2023. Com isso, no primeiro dia, ocorreu uma produção de cartazes com expressões do propósito da Luta antimanicomial para posterior utilização durante a marcha. A noite realizou-se a leitura de uma carta sobre a Luta, feita por uma usuária integrante da PIRASSIS na Tribuna Livre da cidade.
No dia 17, foi organizada uma apresentação da Banda Loko na Boa (composta por usuários da saúde mental e estagiários) junto ao Coral da Multiplicidade (formado por estudantes da UNESP) no “palco do Restaurante Universitário”, concomitantemente à feira da PIRASSIS. Também foi realizada uma oficina de textos com os usuários/as, mediada pelo PEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos) e a LINTER, a fim de promover uma conversa sobre a saúde mental e a luta antimanicomial, transcrevendo-a em documento com diversas impressões particulares e coletivas dos participantes. Houve ainda a exibição do Curta “Felina” e o II Encontro “Saúde Mental na Escola”.
Para o dia 18, ocorreu a Marcha “Por uma Sociedade sem Manicômios”, iniciada na principal avenida da cidade e com término na reinauguração do CAPS-IJ. Para os dois últimos dias, realizaram-se oficinas do CAPS II em uma praça central, e, como encerramento da Semana, houve um show da Banda Loko na Boa, acompanhado de uma Leitura Poética no evento “Comunidade em Movimento”, realizado pelo CRAS III.
Como resultado geral da semana, destaca-se a forte participação popular dos usuários/as, trabalhadores/as e estudantes da saúde mental de Assis. A partir disso, observou-se os objetivos demarcados pela criação do evento sendo alcançados. Na oficina de cartazes, marcada por alguns dizeres como “Trancar não é tratar”, “Liberdade também é cuidado” e “Manicômios nunca mais”, buscou-se disseminar uma reflexão acerca da importância de um cuidado à saúde mental que respeite os princípios de liberdade, participação social, autonomia e desinstitucionalização.
Ademais, a leitura da carta na Câmara Municipal apresentou pontos importantes para a Luta, como o reconhecimento do/a usuário/a dos serviços da atenção psicossocial como um sujeito de direitos, que merece ser ouvido/a e respeitado/a, não apenas em uma única data, mas em um compromisso cotidiano assumido por toda a sociedade. Nos shows da Banda Loko na Boa foram apresentadas músicas autorais dos usuários, as quais expressam, através da arte, suas insatisfações com o modelo manicomial e medicalizador de tratamento. Ademais, as discussões ocorridas no evento possibilitaram dar voz às vivências pessoais dos sujeitos e ao descontentamento com a invisibilização de suas demandas.
Durante a Marcha “Por uma Sociedade Sem Manicômios”, a qual visou promover uma reflexão social e política sobre a Luta antimanicomial ao público participante e nos transeuntes da cidade, notou-se um forte engajamento social e identificatório com a Luta. A passeata contou com o protagonismo dos usuários assumindo posturas de liderança e vociferando jograis até a chegada à Reinauguração do CAPS IJ, onde ocorreram algumas atividades, conversas e apresentações musicais. Durante a noite, ocorreu a apresentação teatral “Arthur Bispo do Rosário: O Rei”, na qual foi representada a história pessoal do protagonista e suas expressões estéticas, mostrando que a loucura é produtora de arte, tem voz, e também está presente nas obras de outros artistas reconhecidos.
Assim, o conjunto das ações da semana permitiu refletir sobre o paradigma psicossocial, expondo à sociedade “normal” os valores da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. Em síntese, esse movimento configura um elemento primordial frente à construção de uma saúde mental coletiva, expandindo os limites da individualidade e das práticas de cuidado. Além disso, a manifestação dos/as usuários/as expôs as violências de uma vida toda. Devolver isso para uma sociedade que sempre conviveu com a loucura e que a menospreza constantemente, gerou uma sensação perceptível nos usuários/as de conquista de lugar de fala e de reconhecimento.
Portanto, a Semana da Luta Antimanicomial em Assis levou para as ruas a crítica ao estereótipo do/a louco/a, sintetizando a urgência em reorganizar métodos de gestão direcionados ao cuidado em saúde mental e que promovam o contato social com o território, a fim de tornar a participação popular primordial frente às estratégias de intervenção. A partir da promoção de autonomia e criatividade dos usuários por meio da arte, cultura, entre outros aspectos, configura-se o cenário da saúde, assim como o lugar de expressão dos sujeitos em sofrimento psíquico na sociedade.