Este trabalho aborda um tema pouco debatido no campo da Saúde do Trabalhador que é a divisão racial do trabalho e sua relação com acidentes e agravos relacionados ao trabalho. As mudanças do trabalho, nos últimos anos, marcadas pelo aprofundamento da precariedade laboral, a erosão dos direitos do trabalho e a ampliação de dispositivos de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) vem empurrando uma grande massa de trabalhadores/as para o desemprego estrutural, a terceirização e a informalidade, sendo que essa condição tem cor, gênero e classe a despeito de que, por exemplo, quando olhamos para as instituições públicas e privadas do país verificamos um grande batalhão de trabalhadoras da limpeza terceirizadas que em sua maioria são mulheres autodeclaradas negras. A divisão racial do trabalho colocou negros/as em atividades precárias e informais de trabalho. Por conseguinte desempenham, em sua maioria “trabalhos de ganho”, como os realizados historicamente por seus ancestrais. Um legado de sobrevivência construído pelas/os africanas/os para prover seu sustento que foi renomeado de camelô, motoboy, ambulante, vendedor, diarista, entregador por aplicativo, profissional do cuidado, conta própria. Essa constatação pode ser evidenciada através de dados quantitativos de registros de atendimentos realizados pelo Serviço Social da Coordenação de Saúde do Trabalhador da Fiocruz, publicados no Anuário Estatístico da mesma instituição em 2022. Em 2017, foram atendidos/as 107 trabalhadores/as com relatos de acidente de trabalho, sendo 61% terceirizados/as, na sua maioria mulheres autodeclaradas negras (64%); em 2018, foram 118 registros, sendo 81% terceirizados/as, 73% mulheres autodeclaradas negras e, em 2019 essa realidade se repete, foram 103 registros, sendo 59% terceirizados/as, desse total 63% mulheres autodeclaradas negras. Com esses dados podemos afirmar que acidente de trabalho tem cor, gênero e classe. Para o Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo o princípio da universalidade, considera-se trabalhador/a aqueles/as independente do vínculo empregatício - com carteira assinada ou não, servidores públicos, autônomos, terceirizados; independentemente de sua inserção no mercado de trabalho – formal ou informal, ou da área de atuação – urbana ou rural. Conforme preconiza, portanto, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Isso é primordial considerando a imensa massa de trabalhador/as em situação de contratos terceiros nos serviços públicos e privados. Ressalta-se que os acidentes de trabalho são fenômenos socialmente determinados, previsíveis e preveníveis. Neste sentido, qualquer nível de ocorrência de acidente deve ser considerado como prioritário para a prevenção. Fundamental compreender que a vigilância em saúde do trabalhador e prevenção de acidentes é um processo de construção coletiva que envolve equipes de saúde, trabalhadores/as, sindicatos, gestores, sendo fundamental buscar o envolvimento de coletivos diversos, em especial coletivo de mulheres e negros/as, LGBTQIA+, Pessoa com Deficiência/PCD, no processo de investigação dos acidentes e agravos relacionados ao trabalho. Nesta perspectiva, a consideração de contribuições das teorias antirracistas, feministas/antipatriarcal, decoloniais, dos povos originários, antilgbtfóbica, anticapacitista permitem melhor compreensão do impacto das mudanças do trabalho contemporâneo na saúde de trabalhadores/as, assim como incitam o planejamento mais qualificado de ações concretas previstas na Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora.