REDE DE APOIO E COMPARTILHAMENTO DE PRÁTICAS E CONSTRUÇÃO DE DISPOSITIVOS DE GESTÃO AUTÔNOMA DO CUIDADO E DA MEDICAÇÃO EM SERVIÇOS DA RAS/SUS

  • Author
  • Eduardo Caron
  • Co-authors
  • Alexandre Melo Diniz , Carlos Cesar Carvalho , Bianca Castro Vieira , Camilla Figueiredo da Costa Malheiro , Érica Rodrigues Paixão , Suzana de Almeida Gontijo , Cristal Oliveira Moniz Aragão , Priscila Calmon
  • Abstract
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    O Guia da Gestão Autônoma da Medicação (GAM) foi criado em Quebec no Canadá a partir da mobilização de usuários e trabalhadores da Rede de Recursos Alternativos em Saúde Mental preocupados com a participação ativa dos usuários nas decisões sobre o uso de medicação psiquiátrica e como estratégia de defesa de direitos humanos e aumento do poder de contratualidade dos usuários adultos em relação à prescrição de medicamentos psiquiátricos. No Brasil a estratégia inclui o campo de álcool e outras drogas, infanto-juvenil e Atenção Primária, e orienta-se pela cogestão do dispositivo de cuidado, a ampliação da autonomia coletiva, a participação nos tratamentos e o fortalecimento de redes de apoio, questionando a conduta centrada no uso de medicação e tutela. Como objetivos, propomos sistematizar conhecimento sobre práticas de GAM no cuidado em saúde mental Adulto, Álcool e Drogas, Infantojuvenil e Atenção Básica. Desenhar uma estratégia de formação e apoio a partir de práticas do Fórum de Apoio e Compartilhamento de Práticas GAM. Desde 2021 acadêmicos, trabalhadores e usuários de mais de trinta serviços, dezenove municípios e oito estados têm constituído o Fórum de Apoio e Compartilhamento de Práticas GAM e os Grupos de Apoio, espaços de encontro para formação, compartilhamento de experiência e apoio para implementação de práticas. Após a pandemia formaram-se mais de vinte grupos GAM. O Fórum de Apoio e Compartilhamento de Práticas GAM se ocupa da constituição de Grupos GAM nos serviços com usuários e trabalhadores, encontros online de Grupos de Apoio de Práticas de GAM e Cursos de Extensão. Os Grupos GAM nos serviços são dispositivos de cuidado compartilhado em que se produzem conhecimentos com impacto na vida dos participantes, nas condutas profissionais, na clínica e na formação de acadêmicos, em que cuidar e conhecer constituem um mesmo processo. Os Grupos de Apoio são dispositivos de formação profissional e acadêmica, acompanhamento e análise de processos de campo. Os Cursos de Extensão são encontros online ministrados pelos profissionais e usuários participantes dos Grupos GAM. Pesquisadores de práticas GAM também são convidados. O grupo GAM com usuários, trabalhadores e acadêmicos constitui um campo de horizontalidade das práticas e ampliação do poder de contratualidade dos usuários que desloca relações habituais de saber e poder, incluindo as que se dão dentro do grupo. É um espaço onde todas as falas são valorizadas, sem que a do profissional sobressaia às dos demais, como nos grupos habituais em que o profissional é referência técnica. Como a palavra circula no grupo, qual palavra é valorizada neste espaço e como o profissional se inclui no grupo são reflexões importantes para a construção de uma grupalidade baseada no compartilhamento de experiências. A dinâmica da GAM favorece a escuta distribuída entre os usuários. A ampliação de autonomia se constitui em coletividade no encontro entre participantes do grupo e entre serviços; redes que se formam a partir do desejo de participação nos Grupos GAM locais e nos Grupos de Apoio, e do processo de compartilhamento do cuidado. O compartilhamento de vivências e sentimentos não tem o objetivo de buscar soluções. A base é o paradigma da experiência e não o julgamento sobre o que é certo-errado de maneira a escapar da simplificação das questões que surgem nos encontros. Nos grupos GAM a rede de vinculamentos sustenta a complexidade no encontro de diferentes experiências e perspectivas. Ao contrário da individualização, o compartilhamento de experiências propicia o agenciamento coletivo do desejo e a contração de grupalidade de maneira a sensibilizar o cuidado numa rede de afetabilidade. Destacam-se alguns efeitos destas práticas: ampliação de participação no processo de cuidado; aumento da integralidade no processo de trabalho; ampliação da rede de cuidado; incorporação da experiência de dignidade no cuidado e na vida; incorporação de direitos humanos no processo de cuidado e intersetorialidade, acesso a outros serviços, participação em processos de formação e educação pessoal. O Fórum e grupos GAM promovem a colaboração entre trabalhadores, usuários e acadêmicos para o estudo, a produção de conhecimento e pesquisa. Essas iniciativas abrangem espaços coletivos de formação, apoio e compartilhamento de experiências entre participantes. A abordagem dialógica e cogestiva da GAM facilita o acesso a conhecimentos em saúde, a valorização do conhecimento vivencial dos usuários e estimula o interesse dos participantes pela aprendizagem. A GAM pode ser uma ferramenta avaliativa das práticas clínicas e institucionais e de educação permanente dos trabalhadores, bem como um estímulo à produção de conhecimento e pesquisa. A disposição lateralizada de saberes favorece metodologias participativas de investigação e ações emancipatórias do cuidado.Os encontros possibilitam troca de experiências e reflexões, construção de indicadores de efetividade das práticas de cuidado, redação de projetos e publicações, reformulação de dispositivos e alargamento da visão sobre o próprio Guia GAM, a partir de perspectivas interseccionais que consideram marcadores sociais de classe, gênero, geração, raça, etnia e orientação sexual, com base nas vivências no dia-a-dia do cuidado. Essas articulações são possíveis num dispositivo que combina investigação, formação e prática de cuidado compartilhado entre trabalhadores e usuários num mesmo processo.Estigmas raciais, de gênero, normalidade, classe e território presentes nas práticas em saúde têm sido invisibilizados na formação profissional e cotidiano dos serviços, ausentes das agendas dos dispositivos inclusive em saúde mental. Nas práticas de GAM violências tais como o machismo, racismo, capacitismo, adultocentrismo, bullying, desqualificação social, patologização, etnocentrismo, xenofobia, transfobia etc. transversalizam a atenção sobre a auto-apresentação, renda, o lugar que vive, o acesso aos serviços públicos, as experiências de crise, a relação profissional-paciente-medicação-instituição, etc. Essas violências emergem nas relações institucionais e na interação entre participantes como oportunidade para problematizar a experiência em vez de conformar o apagamento das questões interseccionais.Em 2023 o Curso de Extensão teve sete aulas online com participação de 70 profissionais e usuários palestrantes, audiência ao vivo de 150 a 310 pessoas por aula, 500 certificados emitidos e 5900 acessos no canal da GAM durante os 30 dias do curso. Vários participantes passaram a integrar a Rede de Apoio GAM e implementar ações e pesquisas locais. Tais experimentações demandam aprofundamento do diálogo com centros de formação e pesquisa para o desenvolvimento de conhecimento em programas de especialização, residência, mestrado profissional e pesquisa visando superar a fragmentação disciplinar do cuidado, a cisão entre individual e coletivo e ampliação do olhar integral sobre a saúde. 

  • Keywords
  • Saúde Mental, Gestão Autônoma da Medicação, Formação
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
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