O presente trabalho objetiva compreender as formas de violência que recaem sobre a maternidade, focado principalmente na violência obstétrica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve a violência como imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis. Dessa forma, entende-se a violência obstétrica como uma das múltiplas formas de violência. Localiza-se no final do século XIX um processo de mudança guiado por tentativas de controle do corpo biológico, partindo da obstetrícia, que transfere a gestação para uma prática médica, acarretando um manejo desnecessário e excessivo do corpo que gesta. Desde então, intervenções percebidas como desnecessárias são realizadas em nome de uma impressão de que, quanto mais se intervém, mais se cuida.
Dentro da escolha reprodutiva, garantida enquanto direito ao sujeito, a maternidade pode ainda ser experienciada tanto como expressão de empoderamento e realização, como também impotência e humilhação. Atravessa diretamente a experiência da maternidade, a conceitualização de família, sendo necessário demarcar sua localização histórica, social, cultural, psicológica e racial, atentando para a multiplicidade de configurações que podem ser abarcadas no escopo dessa noção.
A metodologia pela qual este trabalho foi desenvolvido iniciou-se a partir de um ciclo de estudos no âmbito de uma Liga de Saúde, vinculada a um curso de Psicologia, envolvendo a leitura e discussão de textos sobre violência obstétrica contra as mulheres no Brasil, buscando debater as diferentes formas de maternidade existentes. Assim, a Liga abordou o histórico da maternidade com seus múltiplos recortes: sociais, econômicos, e raciais, com o intuito de propiciar um debate sobre as pluralidades envolvidas na maternidade, e se debruçou em compreender como diferentes tipos de violências obstétricas sofridas encontram ressonâncias nos contextos no qual as mulheres estão inseridas.
A partir disso, percebe-se que a violência obstétrica contra a mulher no Brasil perpassa relações de poder que instituem a violação de, majoritariamente, corpos negros, periféricos e que fogem à cisheteronormatividade. Tais relações se configuram desde os primórdios da colonização no país, em que se direcionava uma exclusividade da mulher para a maternidade, quase sempre compulsória e alheia à sua decisão. Assim, é possível notar o quanto essa noção empobrecida do corpo feminino como reprodutivo se mantém como forte mediador das relações entre mulher e sociedade.
Por fim, conclui-se que a violência obstétrica atravessa vivências plurais de maternidade, entendendo que os marcadores sociais da diferença demarcam a especificidade da experiência, tanto do tipo de violência sofrida quanto da gestação. Dessa forma, é indubitável a necessidade de se repensar sobre as práticas em saúde e a forma com que os profissionais vêm desempenhando suas atividades.