PERCEPÇÕES DE GESTORES, PROFISSIONAIS E USUÁRIOS SOBRE O CUIDADO OFERTADO PELO ESTUDO PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE DIABETES (PROVEN-DIA PILOTO)

  • Author
  • Raira Pagano
  • Co-authors
  • Andrija Oliveira de Almeida , Thatiane Lopes Valentim Di Paschoale Ostolin , Danielle Cristina Fonseca , Ângela Cristine Bersch Ferreira
  • Abstract
  •  

    Apresentação:

    O enfrentamento e controle de Diabetes é um desafio ao Sistema Único de Saúde (SUS) tanto no âmbito econômico quanto social com repercussões na qualidade de vida e funcionalidade da população. Em se tratando de promoção de saúde e prevenção de agravos, condizente com as políticas públicas instituídas pelo SUS, a intervenção orientada à mudança de estilo de vida, enfatizando alimentação adequada e saudável e a prática de atividade física, pode reduzir a incidência da doença. Nesse sentido, o Programa de Prevenção de Diabetes (Proven-Dia), inspirado no Diabetes Prevention Program (DPP), foi adaptado ao contexto do SUS e conduzido por meio de ensaio clínico randomizado, multicêntrico, pragmático e com análise por intenção de tratar. As orientações foram baseadas na Alimentação Cardioprotetora Brasileira, no Guia Alimentar e no Guia de Atividade Física para a população brasileira. Em sua versão piloto, o Programa teve três meses de seguimento e incluiu consultas individuais, encontros em grupo, interações periódicas entre profissionais de saúde e usuários por meio ligações, além de distribuição de material educativo. O objetivo deste trabalho foi descrever e analisar a percepção gestores, profissionais e usuários em relação às concepções de saúde e cuidado em sua interlocução com as vivências do Programa.

    Desenvolvimento do trabalho:

    Trata-se de um estudo de caso qualitativo, vinculado ao estudo piloto Proven-Dia, viabilizado pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) do Ministério da Saúde em parceria com o a BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com gestores, profissionais e usuários, seguidas da transcrição, organização e anonimização do material e análise de dados com auxílio do software NVivo. Para o tratamento dos dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo. Gestores, profissionais e usuários dos centros participantes das cinco macrorregiões do país (Porto Alegre/RS, Viçosa/MG, Salvador/BA, Goiânia/GO e Palmas/TO), foram selecionados e convidados para composição de amostragem teórica e intencional, considerando localização geográfica, grupo ou segmento social e dados sociodemográficos (sexo, idade, cor/raça, escolaridade).

    Resultados:

    A amostra foi composta por cinco gestoras, sendo uma de cada centro participante, 16 profissionais e 37 usuários. No segmento dos usuários, foi possível observar a persistência da percepção de saúde como ausência de doença, o que pode estar associado com as expectativas que remetem ao modelo hegemônico de cuidado e ao fato de serem indivíduos com risco aumentado para DM2. Foram suscitados aspectos relativos à doença, a exemplo de sua manifestação silenciosa e, a longo prazo, progressiva, gerando grande preocupação e reforçando a imagem de uma vida marcada por restrições e cuidados. A despeito disso, também se evidenciou a ampliação do conceito de saúde seja pela menção à alimentação saudável e à prática de atividade física, elementos que compuseram as orientações no âmbito do Programa, seja pela vinculação ao modo de vida a partir de percepções sobre estresse, saúde mental e até mesmo lazer. De maneira incipiente, foram citados aspectos relacionados ao processo saúde-doença-cuidado, incluindo fatores ambientais que podem condicionar ou influenciar a condição de saúde dos indivíduos. Por último, foi salientada a importância da educação e do acesso à informação, assim como o acesso a redes de apoio para fornecer suporte e orientação a quem deseja cuidar da saúde. Na percepção das gestoras, a saúde foi fortemente compreendida a partir da estreita relação dos cuidados vinculados à alimentação e à prática regular de atividade física, assim como, na dimensão do cuidado, foram valorizadas as abordagens mais centradas no protagonismo dos usuários. Não obstante, na visão das gestoras entrevistadas, tais dimensões foram intimamente relacionadas a processos complexos estruturados/condicionados a questões sociais, econômicas, culturais, políticas, dentre outras. No que concerne às percepções sobre saúde, é marcante a tradução dos conceitos existentes na literatura e, ao mesmo tempo, referências ao próprio Proven-Dia na tentativa de aplicá-los a contextos concretos e exemplificar tais percepções. Percepções de profissionais: A análise das percepções revelou compreensão ampliada destas dimensões, sobretudo no sentido de associá-las à incorporação de práticas de prevenção e de promoção de qualidade de vida e bem-estar. Contudo, houve certa ênfase sobre o componente da alimentação e o caráter individual do cuidado, principalmente o autocuidado. Adicionalmente, as concepções apresentaram-se entrelaçadas a pontos como a organização do cuidado e práticas em saúde, abordagens de cuidado em Nutrição e prevenção do Diabetes. Tais reflexões foram atravessadas pelas suas próprias práticas e experiências no Proven-Dia, considerado por elas como espaço de práxis, mas também de educação permanente.  Na interlocução com o programa, temas como alimentação saudável e prática regular de atividade física foram associados ao cuidado à saúde. Concomitantemente, o estilo de vida contemporâneo, as desigualdades sociais em saúde, a baixa disponibilidade de recursos para ações de educação e de prevenção foram igualmente reconhecidos pelas profissionais por sua importância na concretização do cuidado em saúde, bem como os entraves à incorporação de hábitos saudáveis e de cuidados à saúde no cotidiano dos indivíduos quanto articulado ao programa. A contaminação da percepção também pôde ser observada nos relatos das profissionais, os quais fornecem pistas acerca da ressignificação do modelo de atenção, do processo de trabalho e da abordagem de cuidado e autocuidado em saúde e em nutrição, centrada na participação ativa dos usuários e na observância dos seus modos de vida, de suas necessidades e suas preferências. Vale destacar que os determinantes sociais permearam as falas tanto de gestoras e profissionais quanto dos próprios usuários, ainda que em menor escala, o que traz implicações práticas importantes para o Programa e oportuniza seu debate nesse cenário. A análise das percepções permitiu reconhecer o alinhamento entre a teoria e a prática no que se refere à prevenção de doença e promoção de saúde, superando o que frequentemente ocorre, isto é, discurso pautado no modelo biopsicossocial e uma práxis ainda marcada por uma lógica do modelo biomédico hegemônico. Além disso, as discussões sobre acesso a serviços de saúde de qualidade e a prevenção de doenças crônicas, como a Diabetes, apontam para a necessidade de políticas públicas abrangentes e com foco em práticas educativas em saúde. Nesse sentido, nos dados também emergiram o papel da educação e do acesso às informações sobre saúde, incluindo preocupações contemporâneas relacionadas à desinformação em saúde.

    Considerações finais:

    De acordo com as entrevistas, na percepção principalmente dos profissionais de saúde, as concepções sobre saúde-doença-cuidado, as estratégias de cuidado, os contextos de vida e fatores individuais repercutem nas experiências e, por consequência, na produção de cuidado. Os dados sugerem que a vivência no Programa possivelmente influenciou as percepções tanto acerca da saúde quanto do cuidado e sua produção, sobretudo na perspectiva dos usuários. A investigação qualitativa conduzida com os atores dos diferentes segmentos envolvidos permitiu identificar o alinhamento entre o discurso, especialmente dos profissionais, sobre saúde e cuidado em relação à práxis. Cabe acrescentar que o programa foi estruturado de acordo com princípios e diretrizes do SUS, que se mostraram fortemente presentes nas falas dos diversos atores. Por último, com o programa ainda em andamento durante a investigação qualitativa, algumas percepções podem ter sido pouco exploradas haja vista as diferentes perspectivas no sentido dos valores e contextos (papel no Programa, serviço de saúde e território), o que se mostra como potencial desdobramento.

  • Keywords
  • Pesquisa Qualitativa; Assistência Centrada no Paciente; Humanização da Assistência; Produção do Cuidado; Avaliação de Resultados em Cuidados de Saúde
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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